O que a música faz com o seu cérebro

Quer você esteja dançando ao som de sertanejo universitário em um
churrasco ou ouvindo Bach enquanto lê um bom livro, a música tem o poder
de levantar o seu humor ou te deixar para baixo. Os cientistas ainda
estão tentando descobrir o que acontece em nosso cérebro quando nós
ouvimos música e como ela produz estes efeitos potentes sobre a psique.
“Nós estamos usando a música para entender melhor o funcionamento do
cérebro em geral”, disse Daniel Levitin, um proeminente psicólogo que
estuda a neurociência da música na Universidade McGill, em Montreal, em
entrevista ao site da rede CNN.Três estudos publicados recentemente exploram a forma como o cérebro
responde à música. A missão para chegar exatamente a que processos
químicos ocorrem quando colocamos nossos fones de ouvido está longe de
terminar, mas os cientistas já encontraram algumas pistas.
Benefícios para a saúde
Ouvir música é bom, mas será que pode se traduzir em benefício
fisiológico? Levitin e sua equipe publicaram uma meta-análise de 400
estudos na revista “Trends in Cognitive Sciences” que sugere que a
resposta para esta pergunta é “sim”.
Segundo a CNN, em um dos estudos revisados, os pesquisadores
estudaram pacientes que estavam prestes a passar por cirurgias. Os
participantes foram selecionados aleatoriamente para ouvir música ou
tomar medicamentos anti-ansiedade. Os cientistas registraram as
avaliações dos pacientes sobre sua própria ansiedade, bem como seus
níveis de cortisol, o hormônio do estresse.
Os resultados: os pacientes que ouviram música tinham menos ansiedade
e menores níveis de cortisol do que as pessoas que tomaram a medicação.
Ainda que tenha advertido que este é apenas um estudo e mais pesquisas
precisam ser feitas para confirmar os resultados, Levitin aponta para um
uso medicinal poderoso para a música.
“A promessa aqui é que a música é, sem dúvida, menos cara do que as
drogas, é melhor para o corpo e não tem efeitos colaterais”, explica. A
equipe que fez a revisão bibliográfica também realça a evidência que ela
é associada com a imunoglobulina A, um anticorpo ligado a imunidade,
assim como maiores contagens de células que combatem as bactérias e
germes.
O tipo de música que gostamos
Ok, a música é boa para nós, mas como podemos julgar se ela é
prazerosa? Um estudo publicado na revista “Science” sugere que os
padrões de atividade cerebral podem indicar se uma pessoa gosta do que
está ouvindo.
Valorie Salimpoor, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Rotman de
Toronto e ex-aluna de Levitin, conduziu um estudo no qual os
participantes acompanharam 60 trechos de música que nunca tinham ouvido
antes, enquanto tinham seus cérebros escaneados por uma máquina de
ressonância magnética funcional (RMf).
Os 19 participantes foram convidados a indicar quanto pagariam por
uma determinada canção quando ouviam os trechos, ao mesmo tempo,
permitindo que os investigadores analisassem seus padrões de atividade
cerebral. Um número pequeno de participantes como esse é comum em um
estudo de RMf em função de complexidade e custos, embora isso sugira que
mais pesquisas devem ser feitas.
Os autores do estudo destacam em seus resultados uma área do cérebro
chamada núcleo accumbens, que está envolvida na formação de
expectativas. “Há uma rede de atividade que prevê se você vai ou não
comprar a música que você está ouvindo”, afirma a pesquisadora.
Atividade cerebral
Quanto maior a atividade no núcleo accumbens, mais dinheiro as
pessoas disseram que estavam dispostas a gastar em qualquer música no
“leilão” que os pesquisadores projetaram. “Isto foi um indicador de que
algum tipo de expectativa relacionada com a recompensa foi cumprida ou
superada”, explica.
Outra área do cérebro chamada giro temporal superior está intimamente
envolvida na experiência da música e sua conexão com o núcleo accumbens
é importante. Os gêneros de música que a pessoa escuta durante a vida
têm um impacto em como o giro temporal superior é formado.
O giro temporal superior sozinho não prevê se uma pessoa gosta de uma
determinada música, mas está envolvido em armazenar modelos a partir do
que você já ouviu antes. Por exemplo, uma pessoa que tenha ouvido muito
jazz é mais propensa a apreciar um determinado trecho de jazz do que
alguém com muito menos experiência. “O cérebro funciona meio que como um
sistema de recomendação de música”, exemplifica Salimpoor. Isso mesmo,
nosso cérebro tem um Spotify particular.
Levitin acredita que, embora os resultados sejam interessantes, eles
são um refinamento do que outros laboratórios já encontraram no passado.
Ele e Vinod Menon, na Universidade de Stanford, foram os primeiros a
mostrar o papel do núcleo accumbens na música, em 2005.
Todos ouvimos a mesma coisa?
Parece intuitivo que pessoas diferentes, com base em suas
personalidades, preferências e histórico pessoal, terão experiências
diferentes quando expostos a uma determinada canção. Sua atenção a
vários detalhes pode variar e elas podem gostar de coisas diferentes na
música.
Mas Levitin e seus colaboradores mostraram em um estudo publicado no
“European Journal of Neuroscience” que, da perspectiva do cérebro, pode
haver mais semelhanças entre os ouvintes de música do que se acredita.
“Apesar das nossas idiossincrasias em ouvir, o cérebro experimenta a
música de uma forma muito consistente entre os indivíduos”, disse Daniel
Abrams, o principal autor e pesquisador de pós-doutorado na Faculdade
de Medicina da Universidade de Stanford, em entrevista à CNN.
Dezessete participantes que tinham pouca ou nenhuma formação em
música participaram deste estudo que, como o de Salimpoor, é pequeno,
mas típico para uma pesquisa de RMf. Os participantes ouviram quatro
sinfonias do final do período barroco do compositor William Boyce – que
os pesquisadores escolheram porque refletem a música ocidental, mas que
provavelmente seriam desconhecidas para os participantes.
Música é mais que gosto
Entre os participantes, os pesquisadores encontraram sincronização em
várias áreas importantes do cérebro e padrões de atividade cerebral
semelhantes em diferentes pessoas que ouvem a mesma música. Isto sugere
que os participantes não só perceberam a música da mesma forma, mas,
apesar de todas as diferenças pessoais que possuíam previamente, há um
nível em que compartilham uma experiência comum.
Regiões cerebrais envolvidas no movimento, atenção, planejamento e
memória mostraram ativação quando os participantes ouviam as músicas –
estas são estruturas que não têm a ver com o processamento auditivo em
si. Isto significa que quando nós experimentamos a música, um monte de
outras coisas estão acontecendo para além do mero processamento de som.
Uma teoria resultante é que essas áreas do cérebro estão envolvidas
em “segurar” na mente determinadas partes de uma canção, como a melodia,
enquanto o resto da música continua tocando, explica Abrams.
Para Levitin, os resultados também refletem o poder da música para
unir as pessoas. “Não é nossa tendência natural nos enfiarmos em uma
multidão de 20 mil pessoas, mas para um show do Muse ou do Radiohead,
nós fazemos isso”, aponta Levitin. “Há uma força unificadora que vem da
música e não achamos isso em outras coisas”.
Uma pesquisa adicional pode comparar a forma como os indivíduos com
cérebros saudáveis diferem na sua audição musical em comparação com as
pessoas com autismo ou outros transtornos cerebrais, acreditam os
cientistas. “Os métodos que usamos podem ser aplicados para entender
como o cérebro controla a informação auditiva ao longo do tempo”, disse
Abrams.
Qual é o próximo passo
A próxima fronteira na neurociência da música é olhar mais
atentamente para quais substâncias químicas no cérebro estão envolvidas
na audição da música e descobrir em que partes do cérebro elas estão
ativas.
De acordo com Levitin, qualquer neuroquímico pode ter uma função
diferente dependendo de sua área do cérebro. Por exemplo, a dopamina
ajuda a aumentar a atenção nos lobos frontais, mas no sistema límbico
está associada com o prazer.
Usando a música como uma janela para a função de um cérebro saudável,
os pesquisadores podem ter insights sobre uma série de problemas
neurológicos e psiquiátricos. “Conhecendo melhor como o cérebro é
organizado, como funciona, quais mensageiros químicos estão trabalhando e
como eles estão trabalhando é o que nos permitirá formular tratamentos
para pessoas com lesão cerebral ou combater doenças, distúrbios ou mesmo
problemas psiquiátricos”, completou Levitin. [
CNN]