Fitoterápicos e remédios naturais - Drauzio Varella
Anthony Wong é médico
pediatra e toxicologista. Diretor-médico do CEATOX - Centro de
Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, e médico assistente doutor do
Instituto da Criança.
PROPRIEDADES TERAPÊUTICAS
A UNIP desenvolve, na região do rio Negro, um programa de pesquisas
sobre a propriedade farmacológica de determinadas espécies da flora
amazônica. Os extratos obtidos dessas plantas são testados na presença
de células tumorais malignas e de bactérias resistentes a antibióticos
numa tentativa de identificar o composto ativo responsável pelo efeito
desejado, uma vez que o extrato em forma de chá contém diversas
substâncias diferentes. Isoladas, essas substâncias passam por um longo
processo de estudos experimentais em animais de laboratório e depois por
uma série de estudos clínicos em seres humanos. Esse processo consome
pelo menos dez anos até que um medicamento alopático possa ser
comercializado.
Quando se trata de remédios naturais, porém, não há o mesmo rigor.
Eles são lançados no mercado sem obedecer à fiscalização mais séria,
como se fossem absolutamente inócuos ou representassem uma panaceia
universal para todos os males que nos afligem. Muitos, no entanto, não
produzem efeito algum e outros podem até prejudicar nossa saúde.
DIFERENÇA ENTRE FITOTERÁPICOS E PRODUTOS NATURAIS
Drauzio – Qual a diferença entre fitoterápico e produto natural
Anthony Wong – O vocábulo fitoterápico é formado por
duas palavras de origem grega: fito, que quer dizer planta, e terapia,
que significa tratamento, medicação. Portanto, fitoterápicos são
substâncias derivadas de plantas reconhecidas por sua eficácia e usadas
há milhares de anos no tratamento de determinadas patologias. Remédios
naturais são quaisquer substâncias retiradas na sua forma bruta da
natureza, praticamente sem purificação alguma e utilizadas como
medicamentos. Embora sejam quase sinônimos, os primeiros são produtos
cuja ação já foi comprovada cientificamente, enquanto o conhecimento das
propriedades medicamentosas dos segundos deriva da sabedoria popular e é
transmitido de geração para geração.
Drauzio – Você poderia dar alguns exemplos?
Anthony Wong – Os fitoterápicos são apresentados sob
a forma de ampolas, cápsulas ou pó para infusão. O ginseng é um exemplo
clássico de fitoterápico, porque é conhecido há milhares de anos e tem
eficácia comprovada. Ele é um tônico de múltiplas aplicações: ajuda a
combater o desânimo, a impotência e a dor entre outros sintomas. Essa
propriedade terapêutica variada advém do fato de o ginseng, que é
extraído de uma planta, possuir vários compostos ativos ainda não
identificados e de ação não totalmente conhecida.
REMÉDIO QUE SERVE PARA TUDO NÃO SERVE PARA NADA
Drauzio – Tive um professor na faculdade que dizia que remédio que serve para tudo, não serve para nada. Você concorda com isso?
Anthony Wong – Nesse caso, é preciso considerar o
peso do efeito placebo. Quando uma pessoa se queixa de dores não muito
específicas, remédio com efeito placebo tem valor inestimável. Em
relação ao ginseng de que estávamos falando, até os especialistas
divergem sobre a quantidade de espécies conhecidas e suas propriedades
terapêuticas. De fato, embora tenham sido registradas mais de 150
espécies, existem apenas sete fitologicamente consideradas como ginseng.
Sabe-se que, apesar de todas terem alguma utilidade para determinadas
patologias, a potência é variável, pois dependendo da época da colheita,
do local de origem, do solo e do clima, aumenta ou diminui a dosagem de
seu princípio ativo e, consequentemente, aumenta ou diminui seu efeito.
No caso do ginseng, ainda, como ele precisa ser purificado, em geral se
conhece o nível de concentração dos componentes, mas é necessário tomar
cuidado, pois dosagem maior pode provocar intoxicação séria.
Agora, imaginemos as consequências se a planta for usada em sua forma
bruta. Nesse sentido, seu professor estava com a razão, uma vez que a
substância ativa exigida para determinados distúrbios pode não estar
presente na quantidade adequada. Além disso, em muitos casos, pode-se
estar usando uma outra planta por engano. Aliás, uma causa importante de
morte na China é justamente a intoxicação por produtos naturais. Ao
colher uma raiz, a pessoa não muito hábil pode confundir-se e trocar os
exemplares. Em 2001, em Hong Kong, 30 pacientes morreram de hepatite
fulminante e 70 foram hospitalizados com doenças hepáticas graves.Certos
de que estavam tomando remédio para os rins, tinham ingerido uma raiz
hepatotóxica, Se isso acontece na China, país milenarmente conhecido
pelo emprego da medicina natural, imagine o que pode acontecer no
Brasil.
PRODUTOS NATURAIS PODEM FAZER MAL À SAÚDE
Drauzio – É importante desfazer o mito de que produtos naturais não fazem mal, não é mesmo?
Anthony Wong – Exatamente. É bom lembrar o seguinte:
as três substâncias mais venenosas que existem são naturais. Uma, até a
vovozinha bem intencionada pode oferecer, quando serve as compotas e
conservas que preparou carinhosamente: os bacilos botulínicos. Embora
seja usada no botox, a toxina do botulismo é o mais potente veneno que
se conhece.
A segunda é encontrada num peixe, o baiacu, aquele que incha quando
se toca nele. Na Bahia e no norte do país, já foram registrados vários
casos de intoxicação grave porque as pessoas comeram esse peixe sem
retirar as glândulas que contêm o veneno. O terceiro vem de uma planta e
é usado para fabricar um raticida potentíssimo.
Para ser mais preciso, das dez substâncias mais tóxicas que se
conhece oito são naturais. Diante de certas circunstâncias e exagerando
um pouco, talvez valha mais a pena comer um hambúrguer do que aceitar um
remédio ou um sanduíche natural.
KAWA-KAWA
Drauzio – Além do ginseng, a kava-kava também é muito popular?
Anthony Wong – O consumo da kava-kava está
disseminado no mundo inteiro. Na Alemanha, um dos países que mais fazem
uso de fitoterápicos, era um dos remédios mais vendidos. Trata-se de um
tranquilizante. Estudos mostraram, porém, que certas variações de
kava-kava, quando não bem purificadas, podem provocar doenças hepáticas
graves e até mortes. Por causa disso, esse medicamento já foi retirado
do mercado europeu. No Brasil, continua sendo vendido apesar do alerta
levantado. Como se vê, estudos epidemiológicos estão evidenciando a
verdadeira dimensão da utilidade e do risco que representam os remédios
naturais.
ERVA-DE-SÃO-JOÃO
Drauzio – E o que dizer da erva-de-são-joão que é tão popular no Brasil?
Anthony Wong – A erva-de-são-joão é o remédio fitoterápico mais vendido no Brasil. O
Hipericum perforatum,
nome científico dessa planta, é usado como antidepressivo. Atualmente,
há estudos contestando sua eficácia nesse campo, mas muitas pessoas com
depressão ou desânimo e submetidas a tratamento com essa erva garantem
que ela surte bons resultados. Talvez seja mais um caso de efeito
placebo.
No entanto, aqui fica mais um alerta sobre os fitoterápicos. É voz corrente que se não fazem bem, mal não fazem. O
Hipericum,
se tomado com remédios antirretrovirais, normalmente usados no
tratamento da AIDS, com a ciclosporina, que combate a rejeição de órgãos
transplantados, com a digoxina, com pílulas anticoncepcionais e
diazepínicos, entre outros, reduz em 40% a eficácia desses medicamentos.
Que risco isso representa? É fácil deduzir. Suponhamos um paciente
fazendo tratamento contra AIDS e tomando o coquetel, vitaminas e, às
vezes, talidomida, que se sente deprimido e ouve falar de um remédio
natural que pode melhorar seu ânimo. O que acontece? Ele resolve
experimentá-lo e, de repente, sua doença se agrava. O mesmo pode ocorrer
com os indivíduos transplantados. Inseguros por causa do transplante,
eles decidem tomar um remédio natural que infelizmente vai interferir na
ação dos medicamentos fundamentais para a aceitação do órgão
transplantado.
FUTURO DOS PRODUTOS NATURAIS E FITOTERÁPICOS
Drauzio – Nos tratamentos contra o câncer, é comum a família e
os doentes receberem sugestões de remédios naturais e fitoterápicos,
naquela base de se não fizerem bem, mal não fazem. Então, o paciente
chega no consultório e pergunta se determinado produto apresenta alguma
contraindicação. Como saber se a amostra não tem rótulo, não tem bula
nem indicação dos componentes ativos?
Anthony Wong – É realmente muito complicado. No
entanto, é bem provável que a medicina natural e principalmente os
fitoterápicos tenham um futuro bastante promissor, porque a síntese dos
medicamentos alopáticos está chegando ao fim. Muitas indústrias
farmacêuticas estão enfrentando problemas sérios por não possuírem
nenhuma síntese nova para apresentar nos próximos anos e correm o risco
de ver, com o tempo, muitos de seus produtos perderem o direito à
patente e se tornarem genéricos. A solução, talvez, seja recorrer aos
medicamentos naturais e fitoterápicos, mas é indispensável antes
sujeitá-los a ensaios clínicos mundialmente aceitos e respeitados.
Estive na China há seis anos para dar uma aula de toxicologia e
conheci o pessoal da medicina tradicional chinesa. Eles possuem uma
biblioteca imensa, mas descrevem apenas poucos casos embora acompanhados
durante um período bastante longo. À luz do que conhecemos como
investigação científica, fica difícil aceitar essa conduta de trabalho,
apesar de ser inegável o seu valor. Afinal, os chineses atravessaram os
séculos sendo cuidados de acordo com os conceitos apregoados por esse
tipo de medicina que, se não é curativa, pelo menos é preventiva.
Pessoalmente, admito sua capacidade curativa, mas é preciso saber como
sintetizar os princípios ativos de cada planta.
Drauzio – Em geral, a pessoa faz chás com esses produtos
naturais. Na verdade, essa infusão é uma mistura de inúmeras substâncias
das quais algumas podem fazer efeito e outras não. Faz sentido tomar
essa quantidade de substâncias inócuas ou mesmo tóxicas para obter uma
da qual não se pode calcular a concentração exata do princípio ativo,
nem precisar a dosagem e a duração do tratamento?
Anthony Wong – Esse alerta é oportuno para todos que
resolverem experimentar fitoterápicos ou medicina natural. Primeiro,
porque há necessidade de realizar mais estudos sérios e planejados
quanto ao princípio ativo. Depois, por causa da multiplicidade e
complexidade de composições de cada produto. Só no ginseng foram
identificados 120 componentes potencialmente ativos. Aí começa o dilema:
serve para tudo ou não serve para nada? De fato, alguns acabam tendo
muitas aplicações exatamente por essa característica. O médico não deixa
de associar vários medicamentos, apesar do risco de efeitos colaterais,
quando trata de alguém que quer perder peso ou é portador de um caso
complicado de diabetes.
De qualquer modo, a fitoterapia e a medicina natural têm passado com
certeza e, acredito, provavelmente terão futuro. A elas está reservado
um lugar importante na terapêutica ocidental, desde que indicadas por
quem tenha conhecimento e experiência a respeito do assunto.
Nesse campo, o Brasil, possuidor de biodiversidade exuberante, é um
País que tem tudo para destacar-se. Para tanto, é preciso dinheiro,
seriedade e cientistas que se dediquem à pesquisa das propriedades de
novas substâncias.
EFEITOS DO ARSÊNICO
Drauzio – O efeito do arsênico pode ser considerado paradoxal. Você poderia explicar como isso acontece?
Anthony Wong – O arsênico é tóxico e o trióxido de
arsênico são um dos mais poderosos poluentes ambientais. Em Bangladesh,
por exemplo, já ficou provado que as pessoas apresentam problemas graves
de saúde, porque a água é contaminada por esse elemento. No entanto, em
recente congresso médico, foi discutido que o trióxido de arsênico As
2O
3 é uma das mais promissoras moléculas para o combate ao câncer. Só o FDA (
Food and Drugs Administration),
órgão respeitado internacionalmente, reconhece mais de doze indicações
formais – por exemplo, leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide
crônica, leucemia linfoide, câncer de pulmão do tipo pequenas células,
etc. – para o uso de arsênico só que em doses infinitamente pequenas.
Dados como esse me fazem crer que será necessário rever antigos
conceitos da medicina e o conhecimento que temos a respeito de
medicamentos fitoterápicos para estabelecer novos critérios
terapêuticos.
EMPREGOS TERAPÊUTICOS DO BOTOX
Drauzio – Você falou da toxina do botulismo, o pior veneno
conhecido pelo homem e, no entanto, muitas pessoas injetam essa toxina, o
famoso botox, para eliminar as rugas. Essas pessoas correm algum
perigo?
Anthony Wong – O botox tornou-se popular
recentemente
por causa de sua aplicação plástica para reduzir rugas. No entanto, ele
já era indicado há mais de dez anos para o tratamento de contraturas
musculares espásticas e dos problemas neurológicos que se manifestam em
contraturas musculares periódicas e involuntárias, nas quais o músculo
se contrai espontaneamente, sem avisar. Para essas pessoasm o botox pode
ser uma excelente indicação, assim como o é para crianças com paralisia
cerebral que estão com os membros endurecidos. Antigamente, para
resolver o problema era necessário operar, cortar os músculos, soltar o
tendão ou prescrever um remédio caríssimo que nem sempre funcionava e
podia ser tóxico. Hoje, uma simples injeção de botox pode tornar mais
fácil o controle da criança e muitas até começam a andar depois de
receber o medicamento. Atualmente, além do botox injetável existe um
outro de uso tópico em forma de pomada ou de creme que, segundo consta,
também funciona.
Há, porém, uma contraindicação. Se usado repetidamente, não só o
botox, que é uma proteína, mas os veículos em que é diluído podem
provocar uma reação alérgica, causando inchaço e endurecimento no local
em que foi aplicado. E tem mais: é preciso prestar muita atenção, porque
o botox está sendo manipulado sem o menor critério por profissionais
despreparados. Nesse caso, o risco de infecção é grande e as
consequências são péssimas. A infecção pode resultar em fibrose, um
endurecimento da pele, ou até em necrose, isto é, na destruição dos
tecidos. Portanto, atenção: botox só deve ser aplicado por mãos
competentes. O Conselho Regional de Medicina pode ajudar a escolher a
pessoa habilitada para o serviço, de preferência, um médico.
GUARANÁ EM PÓ
Drauzio – Muita gente afirma que se sente mais disposta
depois de tomar guaraná em pó. Por que ele produz essa sensação
agradável?
Anthony Wong – O guaraná em pó possui uma das
maiores concentrações de cafeína que se conhece. Tanto é assim que, há
15 anos, era indicado no tratamento de crianças hiperativas em vez da
ritalina e dos antidepressivos que se receitam hoje. Provavelmente,
porém, como todas as substâncias naturais, deve possuir outros
componentes ativos e nem todas as pessoas respondem da mesma forma ao
seu uso. Eu tentei guaraná em pó uma vez. Sabe o que aconteceu? Fiquei
com sono e dormi a tarde inteira. Comigo não deu certo. O efeito depende
da reação de cada organismo.
QUINTOSANA E OS NÍVEIS DE COLESTEROL
Drauzio – E o que dizer da casca de camarão cujo uso tem-se difundido bastante nos últimos anos?
Anthony Wong – A casca do camarão é uma substância
totalmente inerte que funciona igualzinho às fibras das verduras, isto
é, estimula o trânsito intestinal. No entanto, existe na casca do
camarão uma substância, a quitosana, encontrada também em outros
alimentos (a aveia, por exemplo, é o único autorizado pelo
Food and Drugs Administration para
colocar isso em seu rótulo), que tem a propriedade de baixar os níveis
de colesterol do sangue. A quintosana, ao estimular o trânsito
intestinal, ajuda a diminuir a absorção de gordura o que reverte em
menor risco de infarto. Ela não é remédio. Sua ação é meramente física.
No caso específico da casca do camarão, há um problema a considerar.
Os animais provenientes de algumas regiões da Ásia podem estar
contaminados por cromo, um elemento cancerígeno. Portanto, enquanto o
Ministério da Saúde não autorizar o registro dos medicamentos à base de
camarão, é bom não tomar esses remédios, porque podem ter efeitos
colaterais indesejáveis. Artigo publicado recentemente numa revista
especializada versou sobre o quadro de intoxicação por cromo de um
paciente que estava usando casca de camarão com a finalidade de baixar o
colesterol.
REMÉDIOS NATURAIS PARA EMAGRECER E PARA AUMENTAR A MUSCULATURA
Drauzio – Qual sua opinião a respeito dos remédios naturais para emagrecer?
Anthony Wong – A única forma natural de emagrecer é
fechar a boca, ou seja, apelar para a força de vontade. Se analisarmos
os remédios naturais para emagrecimento que existem no mercado,
chegaremos à conclusão de que não há vantagem no seu consumo.
Praticamente todos contêm anfetaminas para tirar o apetite, hormônios
tiroideanos para acelerar a queima de gorduras ou são laxantes e
diuréticos. Nós investigamos os componentes de algumas dessas fórmulas
ditas naturais. As mais eficazes continham anfetaminas e tiroxina, ou
seja, produtos alopáticos disfarçados sob a nomenclatura de naturais.
Chegamos a essa conclusão, ao acompanhar um trabalho de controle do uso
de drogas em algumas empresas. O exame de urina dos empregados ou
candidatos a vagas era pedido para controlar a presença ou não de
anfetamina, cocaína, metanfetamina, maconha e opiácio. Quando se
detectava algo estranho e se perguntava a respeito dos hábitos da
pessoa, a resposta mais comum era que estavam tomando remédios naturais
para emagrecer. Outros estavam usando medicamentos naturais contra asma.
Drauzio – E o que se pode dizer a respeito desses remédios, que estão na moda, para aumentar a massa muscular?
Anthony Wong – A respeito disso, gostaria de me
dirigir aos jovens que estão tomando esses produtos para aumento da
massa muscular. Não conheço nenhum que não possua alguma substância
condenada pelo COI (Comitê Olímpico Internacional). Todos contêm
hormônios, ou anabolizantes, ou excesso de proteína, principalmente de
creatina, porque milagre só existe um e se chama dedicação. O melhor é
adotar uma dieta variada, rica em proteínas e verduras e evitar
complementos vitamínicos, porque até vitaminas em excesso fazem mal.