quarta-feira, 4 de março de 2020

O problema dos fornecedores indiretos de carne: massacre brutal é ligado à maior companhia do mundo

O problema dos fornecedores indiretos de carne: massacre brutal é ligado à maior companhia do mundo

Por , em 4.03.2020 Uma nova investigação ligou a maior processadora de carne bovina do mundo, JBS, bem como sua concorrente Marfrig, a uma fazenda cujo proprietário foi implicado em um dos mais recentes massacres brutais na Amazônia.

O massacre

Em 19 de abril de 2017, nove homens foram brutalmente torturados e assassinados no Distrito de Taquaruçu do Norte, em Colniza, a 1.065 km de Cuiabá. O massacre ficou conhecido como a “Chacina de Colniza”.
Segundo as acusações apresentadas pelos promotores estaduais do Mato Grosso, o massacre foi conduzido por uma gangue de quatro pessoas: o ex-sargento da Polícia Militar de Rondônia Moisés Ferreira de Souza, Ronaldo Dalmoneck, Pedro Ramos Nogueira e Paulo Neves Nogueira. Os dois últimos são tio e sobrinho.O objetivo do crime seria aterrorizar os locais e tomar suas terras para extrair recursos naturais. O mandante do massacre teria sido o empresário do ramo madeireiro Valdelir João de Souza, conhecido como Polaco Marceneiro, interessado na exploração ilegal de madeira na região.
Sua prisão foi decretada em 15 de maio de 2017, e desde então Souza é um fugitivo. Apesar disso, em abril de 2018, duas terras adjacentes em Rondônia, as fazendas Três Lagoas e Piracama, foram registradas em seu nome. Elas cobrem 1.052 hectares de uma área que o governo havia dedicado para agricultores de baixa renda. Em 2015, imagens de satélite mostraram desmatamento extenso em Três Lagoas.
O advogado de Souza, Ulisses Rabaneda, disse ao The Guardian que ele havia decidido não responder a perguntas da mídia nesta fase do processo judicial. Em entrevista à Gazeta Digital ano passado, o fazendeiro disse que era inocente de todas as acusações, nunca havia se envolvido em esquadrões da morte e que havia decidido se tornar um fugitivo porque estava com medo de ser morto pelos verdadeiros assassinos caso se entregasse.

A ligação com as empresas de carne

Segundo uma matéria do Repórter Brasil, em 9 de maio de 2018, 143 cabeças de gado de Três Lagoas e Piracama foram vendidas para uma fazenda de propriedade de Maurício Narde. Minutos depois, Narde vendeu os mesmos 143 animais (do mesmo sexo e idade) para a JBS.
Em junho de 2017, documentos de um outro caso indicavam que Narde trabalhava em uma serraria de propriedade de Souza em Machadinho d’Oeste, Rondônia. Ele ainda trabalha na mesma serraria. No entanto, a empresa mudou de nome e não é mais controlada por Souza. A venda tão rápida dos animais sugere um fenômeno que os ambientalistas chamam de “lavagem de gado”: quando gado de uma fazenda que possui problemas ambientais vende para uma fazenda sem problemas legais, que então vende para grandes empresas como a JBS.
É muito difícil para a JBS e grandes companhias semelhantes monitorarem a origem do gado desses “fornecedores indiretos”.

Outros casos

De acordo com registros sanitários do governo, em 25 de junho de 2018, Três Lagoas também vendeu 153 cabeças de gado para a fazenda Morro Alto em Monte Negro, Rondônia, de propriedade de José Carlos de Albuquerque. Nos meses seguintes, Albuquerque vendeu gado para a JBS e para a Marfrig.
Albuquerque negou que a compra tivesse sido completada ao Réporter Brasil, mas os registros mostram que os animais entraram em Morro Alto.

JBS, Marfrig e a dificuldade em monitorar gado irregular

A JBS, a Marfrig e outras grandes companhias de carne bovina fizeram compromissos com o Greenpeace e com o governo brasileiro de não comprar gado de fazendas ambientalmente irregulares em 2009. Isso inclui não comprar gado de fazendas envolvidas em conflitos rurais também.
O Greenpeace se retirou do acordo em 2017, depois que a JBS foi multada por comprar gado de áreas ilegalmente desmatadas no Pará. Um balanço federal descobriu que 19% do gado comprado pela JBS no estado em 2016 tinha “evidências de irregularidades”.
Nos últimos anos, a JBS conseguiu melhorar bastante seu sistema de monitoramento de fornecedores. “Monitoramos mais de 280.000 milhas quadradas, uma área maior que a Alemanha, e avaliamos mais de 50.000 fazendas potenciais de gado por dia, além de realizar verificações diárias de todas as compras para garantir a conformidade com padrões rígidos. Até o momento, bloqueamos mais de 8.000 fazendas fornecedoras de gado devido à não conformidade”, a empresa afirmou em uma declaração.Apesar disso, é bastante complicado verificar a origem de gado de fornecedores indiretos, como os casos citados acima. A JBS, inclusive, disse ao Repórter Brasil que Souza não era seu fornecedor e que “não adquire gado de fazendas envolvidas em desmatamento de florestas nativas, invasão de reservas indígenas, violência rural, conflitos de terra ou que usavam trabalho escravo ou infantil”.
A Marfrig se recusou a comentar a investigação, embora tenha enviado ao The Guardian uma declaração na qual reconhece que 53% de seu gado é proveniente de fornecedores indiretos.
“A Marfrig está plenamente consciente dos desafios relacionados à cadeia produtiva da pecuária e reconhece seu papel como um importante agente de transformação para garantir a produção junto à conservação dos biomas brasileiros, especialmente a Amazônia”, afirmou.
Por fim, a empresa detalhou sua plataforma de monitoramento de fornecedores e sua ferramenta de solicitação de informações, na qual fornecedores listam voluntariamente as fazendas das quais podem ter adquirido animais. A Marfrig também disse que um terço do gado que obtém na Amazônia vem com essa lista, e que está trabalhando para melhorar o processo junto ao WWF (World Wildlife Fund). [TheGuardian, G1] - HScyence - Março/20

Nenhum comentário:

Postar um comentário