sábado, 31 de janeiro de 2015

Em discussão, a mobilidade urbana


A GEOGRAFIA E A CIDADE

Em discussão, a mobilidade urbana

Refletindo sobre os trajetos do cotidiano, a classe conhece esse desafio da atualidade

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André Bernardo
Nova Escola - 11/2014
Ilustração: Reprodução/Joyce Machado Silva
O debate sobre mobilidade está na ordem do dia em muitas cidades brasileiras de médio e grande portes. "A organização desses centros urbanos, que privilegia o transporte individual em detrimento do coletivo, representa um risco à vida em sociedade", diz Jaime Oliva, autor de materiais didáticos e de doutorado sobre o tema. Em Petrópolis, a 68 quilômetros do Rio de Janeiro, a situação não é diferente. Por isso, o assunto virou objeto do trabalho da professora Dayana Francisco Leopoldo, da EE Princesa Isabel, com as turmas do 5º e 6º anos.

Na primeira das quatro aulas em que discute o papel do automóvel na estruturação da vida na cidade, ela convidou os estudantes a descrever como é o trânsito em Petrópolis. Na sequência, perguntou o que achavam do transporte coletivo que era oferecido à população. A maioria anda de ônibus, com um passe fornecido pelo estado, e perde tempo no trânsito, cada vez mais estressante. A avaliação da garotada foi negativa. A demora e o fato de os coletivos estarem sempre cheios foram lembrados.

Na etapa seguinte, a docente discutiu alguns conceitos. Inicialmente, ela comentou como a industrialização interfere no processo de formação dos núcleos urbanos. Depois, houve uma conversa sobre o conceito de cidade: "O que é? O que faz determinada localização ser definida como tal? Quais elementos a formam? Quais são os fatores que a levam a crescer ou não?". A urbanização veio na sequência. Dayana disse que ela está diretamente relacionada ao crescimento urbano, pela expansão da indústria ou pelo aumento da população (muitas vezes, vinda do campo), atraída por esse aspecto.

Para amarrar todos esses conteúdos, a professora lembrou brevemente da história do rodoviarismo brasileiro, comentando que a maior parte dos bens produzidos no país circula pelas rodovias por meio do transporte de cargas, o que desestimula o uso de alternativas e o investimento nelas. Nesse momento, ela apresentou versões adaptadas de textos informativos, extraídos de fontes confiáveis da internet (um exemplo está disponível em abr.ai/rodoviarismo).

Com os maiores, essa discussão e a leitura podem ocorrer de modo mais aprofundado. "Sob o argumento de integrar o território brasileiro, o governo - principalmente a partir da gestão de Juscelino Kubitschek (1902-1976), que implantou a indústria automobilística - deu preferência aos pneus no lugar dos trilhos em todas as esferas. Isso impactou também o transporte coletivo. Até então, o meio mais usado era o bonde", diz Sueli Furlan, docente da Universidade de São Paulo (USP).

Na aula seguinte, Dayana recorreu a vídeos como A Evolução dos Transportes, da ONG Mobilize Brasil (abr.ai/evolucao); Mobilidade e Transporte, da TV Globo (abr.ai/transporte); O Desafio da Mobilidade Urbana no Brasil, da TV Senado (abr.ai/mobilidade); e uma reportagem da imprensa local sobre o trânsito no município (abr.ai/reportagem). Todos os materiais foram debatidos. Outra referência interessante é o documentário Entre Rios (abr.ai/entrerios), que mostra o processo de urbanização de São Paulo, que, com seu Plano de Avenidas, concebido pelo então prefeito Francisco Prestes Maia (1896-1965), influenciou outras cidades do país.

COLETIVO VERSUS INDIVIDUAL
Na sequência, Dayana falou sobre os meios de transporte em geral, inclusive aqueles com os quais seus alunos não estão muito familiarizados, como trens, barcos e metrô. O carro e o ônibus polarizaram as discussões, por serem os mais usados em Petrópolis. Todos reconheceram que o primeiro traz conforto, rapidez e segurança, mas provoca barulho, fumaça e engarrafamento. O segundo foi alvo de muitas dúvidas. "Por que tem mais linhas em um bairro do que no outro?", perguntaram uns. "Se é público, por que temos de pagar passagem?", questionaram outros. "Expliquei que um transporte público gratuito e de qualidade é possível, sim. Seria uma forma justa de retribuir economicamente à sociedade, que depende desse meio. Temos exemplos de cidades que adotaram o passe livre e nem por isso a qualidade diminuiu", conta a docente.

Tão importante quanto ressaltar a contribuição do automóvel na estruturação da vida nas cidades médias e grandes é falar do esgotamento desse modelo. Para tanto, Dayana chamou a atenção para a existência de outros meios menos poluentes, como a bicicleta, e para a necessidade de pensar em soluções tecnológicas inovadoras, como a implantação de trens mais velozes. Também é possível discutir a valorização de atitudes coletivas. "Se, em vez de decidirem comprar carros, pensando só nelas mesmas, as pessoas considerassem o restante da população, poderiam não adquiri-los, pressionando a indústria automobilística a rever suas estratégias", argumenta Sueli.

Na terceira aula, Dayana pediu que os alunos desenhassem numa folha A4 o mapa do lugar onde vivem: a casa, a escola, o clube, a praça, a igreja, o shopping etc. Em seguida, orientou que identificassem o trajeto que fazem todos os dias e calculassem também o tempo que gastam nesse percurso. Na quarta e última aula, todos foram convidados a expor e a comentar seus trabalhos. "Embora muitos morem no mesmo bairro, as produções deles são completamente diferentes. Cada um valoriza aquilo que chama mais a atenção", explica a professora. O objetivo da atividade, segundo ela, foi mostrar as várias visões que podemos ter, ainda que estejamos todos inseridos no mesmo espaço urbano.

Comentários como "O seu está mais bonito!", "Você desenha bem!", "Essa rua não existe!" dividiram o foco com outros, que destacaram as diferentes dimensões e formas de alguns elementos de cada mapa. A socialização também fomentou uma nova discussão sobre a mobilidade na cidade.

Houve até quem aproveitasse para rever o trajeto diário. Larissa Pacheco Pereira, 13 anos, por exemplo, concluiu que tomar um só ônibus era suficiente para ir de casa à escola depois de trocar impressões com a docente e os colegas (antes, ela tomava dois). "Hoje, chego mais cedo do que antes. O tempo que perdia, cerca de meia hora, eu ganho estudando para a prova", explica a jovem. Colega de classe de Larissa, Vitor Gabriel Pecoraro, 12 anos, tirou outra importante lição: "Nem sempre o caminho que você está acostumado a fazer é o mais rápido. É possível cortar pelas transversais", ensina, orgulhoso.

Para finalizar, a professora separou a turma em dois grupos e propôs uma espécie de fórum sobre a mobilidade. A garotada foi dividida entre os que eram a favor e os que eram contra o uso do transporte individual nas grandes cidades. Independentemente dessa discussão, todos foram unânimes ao afirmar que a qualidade dos ônibus deixa a desejar. Se o transporte público fosse bom, com tarifas mais baixas e itinerários mais longos, não haveria tanta gente utilizando meios individuais. "A conclusão a que chegamos é de que é possível viver sem carro, sim. Mas, para que isso aconteça, o transporte coletivo, seja ele qual for, precisa melhorar muito. Caso contrário, a busca pelo individual vai se tornar cada vez mais tentadora para a população", avalia Dayana.

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