Pedra na vesícula
A bile sai do fígado pelo canal hepático que se une ao canal cístico proveniente da vesícula biliar, onde é armazenada ( imagem 2). Juntos, os canais cístico e hepático formam o ducto colédoco. Quando o bolo alimentar alcança o duodeno, primeira porção do intestino delgado, provoca um estímulo na vesícula biliar, que se contrai e joga a bile na luz do duodeno para facilitar a digestão das gorduras. Outra glândula importante é o pâncreas que, além da insulina, secreta enzimas digestivas que são lançadas no duodeno pelos canais de Wirsung e de Sartori. O canal de Wirsung e o ducto colédoco desembocam no duodeno muito perto um do outro e isso tem importância para a localização da litíase biliar, ou seja, das pedras na vesícula.
FUNÇÃO DA BILE
Drauzio – Qual é a função da bile?
Marcelo Averbach – O fígado produz a bile, que passa pelos canais hepáticos e chega à vesícula biliar onde é armazenada. Quando o alimento, especialmente o alimento gorduroso, alcança o duodeno, gera a produção de alguns hormônios que estimulam a contração da vesícula, fazendo-a lançar seu conteúdo dentro do duodeno para ajudar na emulsificação das gorduras. Na verdade, a bile atua como um detergente, facilitando a digestão e a absorção das substâncias gordurosas.
Drauzio – Muitas pessoas se queixam de sensação de peso no estômago quando comem alimentos gordurosos. Por que isso acontece?
Marcelo Averbach – Gordura é uma substância difícil de ser digerida e difícil de ser absorvida. Muitas vezes, as pessoas que se queixam de empachamento ou distensão de abdômen, quando comem alimentos gordurosos, apresentam uma vesícula doente, com cálculos ou com dificuldade de eliminar a bile.
COMPOSIÇÃO E INCIDÊNCIA
Drauzio – Por que se formam cálculos biliares, também conhecidos como pedras na vesícula?
Marcelo Averbach – A bile é uma solução de várias substâncias. Seu principal componente é a água, mas vale a pena destacar também o colesterol, os sais biliares e os bilirrubinatos. Essa solução, como todas as outras, quando fica saturada, se precipita. Se colocarmos um pouquinho de açúcar num copo com água e misturarmos bem, ele se dissolve completamente. Porém, se adicionarmos mais açúcar, ele acabará se sedimentando no fundo do copo. A mesma coisa acontece com a bile hipersaturada com sais biliares e colesterol, cujos cristais se precipitam e vão compor os cálculos biliares.
Drauzio – Todas as pessoas formam cálculos biliares?
Marcelo Averbach – Não. Dados indicam que apenas 10% da população americana – índice que provavelmente bate com o número de casos brasileiros – formam pedras na vesícula. Essa incidência, porém, é variável. Em tribos de índios do Arizona, por exemplo, a porcentagem alcança os 70%. Já, em algumas populações da África, está por volta de 5%.
FATORES DE RISCO
Drauzio – Dentro da mesma população, quais são as pessoas com maior probabilidade de desenvolver pedras na vesícula?
Marcelo Averbach – São as mulheres em idade fértil, obesas e por volta dos 40 anos. Em inglês, definem-se os fatores de risco como os quatro F: Female, Fertile, Fourty, Fat. Provavelmente, o estrógeno atua não só na descarga das substâncias que se precipitam, especialmente o colesterol, como também provoca certo relaxamento da vesícula biliar, fazendo com que haja estase, ou seja, estagnação de um líquido que facilita a sedimentação dos sais e do colesterol.
Drauzio – Há outras enfermidades que favorecem a formação de cálculos na vesícula?
Marcelo Averbach – Lesões pépticas, como as úlceras duodenais, favorecem a formação de cálculos, porque provocam certa estase na vesícula. Pacientes submetidos a cirurgias gástricas para tratamento de câncer e de úlceras ou a vagotomias, que podem resultar na secção de pequenos nervos, têm propensão maior para formar cálculos biliares.
SINTOMAS
Drauzio – Que sintomas provocam os cálculos na vesícula?
Marcelo Averbach – Grande parte dos cálculos biliares são assintomáticos e diagnosticados acidentalmente durante um exame de rotina, ou check-up, ou ainda porque a pessoa procurou o médico para acompanhamento de outra doença qualquer. Há pacientes que morrem sem saber que tinham pedras na vesícula. Uma parte, porém, apresenta principalmente intolerância a alimentos gordurosos, como frituras, gema de ovo, carne gorda, etc. Isso acontece porque, ao chegar ao duodeno, a gordura estimula a contração da vesícula, o que provoca mal-estar, dor localizada no lado direito do abdômen, dor de cabeça, distensão abdominal. Enjoo é outro sintoma muito frequente e algumas pessoas chegam a vomitar.
Drauzio – Esses sintomas caracterizam o quadro crônico dos cálculos biliares, um quadro de intensidade variável que provoca , às vezes, pequeno desconforto, às vezes, dor mais forte. Quais são os sintomas provocados pelas crises agudas de pedra na vesícula?
Marcelo Averbach – Pacientes assintomáticos ou que sentiam pequeno desconforto, quando ingeriam alimentos gordurosos, de uma hora para outra podem apresentar dor forte, aguda e intensa do lado direito do abdômen, acompanhada de febre e icterícia. Esses sintomas são indicativos do quadro de colecistite aguda, isto é, de inflamação aguda da vesícula decorrente de uma doença crônica.
Drauzio – Os doentes definem essa dor como a de uma faca encravada na vesícula…
Marcelo Averbach – É uma dor súbita, muito forte e localizada, e o abdômen fica endurecido.
Drauzio – O que justifica o aparecimento da crise de colecistite aguda?
Marcelo Averbach – A colecistite aguda pode ocorrer quando uma pedrinha fica impactada, bloqueando a saída da vesícula, que se distende, e a bile é reabsorvida pela parede vesicular. Essa mesma parede começa a secretar um tipo de muco que faz o órgão aumentar de tamanho. A distensão abrupta da vesícula provoca dor intensa e sensação de pressão do lado direito do abdômen e está frequentemente associada a um quadro infeccioso chamado de hidropsia da vesícula.
Drauzio – Dor repentina, aguda e fortíssima do lado direito do abdômen também é sintoma dos cálculos renais. Como se confirma a suspeita de que é provocada por pedras na vesícula?
Marcelo Averbach – A melhor forma de fazer o diagnóstico diferencial é pedir um ultrassom do abdômen para verificar se existem cálculos, qual é sua localização e se há um processo inflamatório. O ultrassom mostra também se as vias biliares estão livres ou comprometidas por pequenas pedras.
Veja também: Cálculo biliar
TRATAMENTO
Drauzio – Quando o exame de ultrassom revela que o cálculo encravou na saída da vesícula ou no colédoco, qual é o tratamento indicado?
Marcelo Averbach – O tratamento é cirúrgico, a não ser que o paciente apresente contraindicações para realizar a cirurgia. Tudo depende dos riscos e benefícios que a colicistectomia, isto é, a retirada da vesícula biliar, possa trazer. Se houver algum fator indicativo de maior gravidade, tenta-se o tratamento clínico com antibióticos e jejum.
Drauzio – Existe alguma técnica que permita romper os cálculos localizados na vesícula biliar?
Marcelo Averbach – Não existe. A conduta continua sendo a retirada da vesícula biliar. Antigamente, diga-se de passagem, a cirurgia da vesícula era um procedimento complexo que exigia incisão grande, uso de sondas e internação hospitalar de cinco a sete dias. Hoje, pode ser feita por via laparoscópica, através de quatro punções no abdômen. Por uma delas entra um sistema ótico conectado a uma microcâmera e a colescistectomia é feita com o médico olhando num monitor de televisão. A grande vantagem desse procedimento é a recuperação do paciente. Um dia depois da cirurgia, ele recebe alta e vai para casa quase sem dor.
Drauzio – Muitas vezes, pacientes assintomáticos descobrem por acaso que têm cálculos biliares e são encaminhados para um especialista que propõe a retirada preventiva da vesícula calculosa para evitar as complicações de um quadro agudo. Isso os desconcerta um pouco, já que não sentem nada. Como resolver essa situação?
Marcelo Averbach – A respeito desse assunto, há trabalhos com pontos de vista conflitantes, publicados em revistas médicas de primeiríssima linha. Uns defendem que o paciente assintomático deve ser operado. Outros propõem que pacientes com cálculos biliares, mas sem sintomas, devem ser simplesmente acompanhados. Pessoalmente, acho que paciente jovem, com baixo risco cirúrgico, mesmo sem sintomas, deve ser operado para evitar as complicações de um quadro agudo. Entre as complicações, a primeira é a colecistite aguda provocada pelo cálculo encravado na saída da vesícula. A segunda é a icterícia obstrutiva causada pela movimentação de pedras menores que saem da vesícula e chegam ao colédoco. Nesse caso, a passagem da bile secretada pelo fígado é bloqueada, não consegue escoar e a pele do paciente adquire um tom amarelado. A terceira é a pancreatite aguda de origem biliar. Como existe certa relação entre a desembocadura da via biliar e a desembocadura do canal de Wirsung do pâncreas, a pedra parando ou simplesmente passando por ali pode interferir no escoamento do suco pancreático e gerar um processo inflamatório de maior gravidade. Por isso, o tratamento de pacientes assintomáticos deve levar em consideração os riscos advindos das complicações e os riscos cirúrgicos. A última palavra, porém, é sempre dada pelo paciente.
Drauzio – Se uma pessoa com cálculos na vesícula não quer ser operada, que restrições alimentares você recomenda?
Marcelo Averbach – Recomendo que evite comer alimentos gordurosos, pois estimulam a contração da vesícula quando chegam ao duodeno. Como resultado dessa contração, os cálculos podem ser empurrados para dentro das vias biliares e isso é o que menos se deseja.
Drauzio – Como é o pós-operatório dos pacientes que não apresentam contraindicações para a cirurgia?
Marcelo Averbach – Costuma ser muito tranquilo. O paciente é operado num dia, no outro volta para casa com pouquíssima dor e logo retoma as atividades habituais. Por isso, a cirurgia para retirar as pedras da vesícula é indicada mesmo para os pacientes assintomáticos.
Drauzio – A perda da vesícula implica alguma restrição futura?
Marcelo Averbach – É óbvio que a vesícula biliar tem uma função e não deve ser retirada se estiver saudável. No entanto, quando a colecistectomia é necessária, o colédoco dilata e passa a armazenar a bile. Daí em diante, o indivíduo operado pode levar vida absolutamente normal.
Drauzio – Ele consegue comer uma feijoada, por exemplo?
Marcelo Averbach – Muitas vezes, consegue comer melhor do que comia antes, porque não tem a vesícula doente que lhe causava sintomas desagradáveis.
Drauzio – Em condições especiais, é possível retirar a pedra na vesícula por endoscopia. Como é realizado esse procedimento?
Marcelo Averbach – Pode-se retirar por via endoscópica a pedrinha produzida na vesícula que migrou para o colédoco. Pedra encravada no colédoco deixa o doente amarelo, com icterícia. Para retirá-la, o endoscopista introduz o aparelho até o duodeno do paciente, visualiza a papila onde se implanta a via biliar, faz uma pequena incisão e retira o cálculo. Mesmo assim, a cirurgia pode ser necessária para tirar a vesícula doente que gerou o problema.
Drauzio – Se for uma pedra única, o problema estará resolvido?
Marcelo Averbach – Não necessariamente, porque se trata de uma vesícula com colecistopatia crônica, isto é, com inflamação crônica que, a rigor, requer tratamento cirúrgico.
PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL
Cristiane Melo Rocha – Sorriso/MT – Existem alimentos que ajudam a eliminar pedras na vesícula?
Marcelo Averbach – Desconheço se existem alimentos com o poder mágico de eliminar pedras na vesícula. Se existirem, esses cálculos terão de passar pelo colédoco, o canal da bile, e há o risco de não progredirem até o duodeno, o que pode provocar as complicações mencionadas anteriormente.
Patrick Fonte Araújo – São Gotardo/MG – A cirurgia a laser é melhor do que a cirurgia convencional?
Marcelo Averbach – As pessoas costumam confundir laser com cirurgia laparoscópica. Laser, na verdade, é uma forma de energia que poderia substituir o bisturi elétrico e não vejo vantagem em usá-lo na cirurgia da vesícula. Quanto à cirurgia laparoscópica, essa apresenta enorme vantagem se comparada com a cirurgia convencional, por causa dos benefícios que traz no pós-operatório, no controle da dor e na recuperação efetiva do paciente.
Adriano Boff Mathias – Porto Alegre/RS – Quais são as causas da formação de cálculos biliares? A alimentação pode interferir nesse processo?
Marcelo Averbach – A formação de cálculos biliares, que ocorre por precipitação de substâncias dissolvidas na bile, sobretudo os sais, os bilirrubinatos e o colesterol, está mais associada a características metabólicas, hereditárias e orgânicas do que à ingesta alimentar.
Silvia Botelho – São Paulo/SP – Quem teve cálculo renal corre maior risco de apresentar pedras na vesícula?
Marcelo Averbach – Não, porque são quadros metabolicamente muito distintos.
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