segunda-feira, 7 de abril de 2014

A culpa é do professor!

A culpa é do professor!

Publicado em 6.04.2014
critica
A CULPA É DO PROFESSOR
Eu tenho percebido uma tendência de certos consultores em educação de ao apontar as falhas no processo de ensino brasileiro ter encontrando na figura do professor (e/ou da escola como um todo) o seu bode expiatório preferido.
Só para ilustrar, existe um programa de rádio matutino onde uma dessas consultoras oferece conselhos ao público sobre a educação dos filhos e que usa de forma frequente essa saída fácil “a culpa é do professor”  e/ou “a culpa é da escola”.
Vamos aos exemplos:
Um aluno do fundamental foi suspenso devido ao seu hábito frequente de morder os coleguinhas.
Os pais foram chamados e uma providência foi solicitada.
A especialista vaticinou: a culpa é da escola, afinal a ocorrência se deu na escola.  A escola que resolva.
Simples assim.
Espera aí!
É a escola que deve ensinar uma criança de que ela não deve morder seus colegas ou esse é o papel da família?
E as crianças que foram mordidas por esse aluno, não possuem nenhum direito?
Por exemplo, o de aprender a resolver sistemas de equações de primeiro grau sem serem mordidas por um colega.
Nada disso é sequer mencionado.
É dever da escola resolver e pronto.
Afinal os pais estão pagando e querem resultados.
E as outras crianças que não mordem os colegas, como aprenderam essa conduta?
Pela televisão?
Resumindo o questionamento principal:
Será que são os pais que devem educar seus filhos para que eles estejam aptos a viver em sociedade?
Sem morder ninguém, por exemplo.
Ou esse é o papel da escola?
Mas vamos adiante:
Uma mãe reclama que a professora passa muita tarefa de casa para seu filho.
Resposta: A culpa é da professora, que não sabe medir a carga de atividades semanais.
Mas, espera aí!
Outros pais foram consultados ou convidados a emitir sua opinião?
Qual o rendimento dessa criança?
Ela recebe alguma motivação da família para estudar?
Qual o currículo dessa professora?
Quais são essas malfadadas lições de casa, qual sua abrangência, qual sua proposta pedagógica, quais habilidades e competências que ela pretende desenvolver?
Nada disso é perguntado.
Apenas se vaticina que o professor é culpado. Seu crime: passou muita tarefa.
Substitui-se o professor ou troca-se de escola. Problema resolvido.
Próximo caso!
Uma mãe reclama que a professorinha do fundamental exige que o seu filho faça trabalhos escolares usando latinhas de refrigerante, garrafas PETS tiradas do lixo, etc.
Que horror! E os germes? E a trabalheira que essa mãe tem para separar as tais latinhas e garrafas vazias?
Será que a professorinha não tem ideia de como essa mãe é atarefada?
Resposta: A culpa é da professorinha e da escola por fazer propostas sem nenhuma noção de higiene ou adequação.
Destaco aqui que o termo “professorinha” é usado muitas vezes em tom depreciativo, insinuando que todas são professoras muito menininhas e que não sabem nada da vida.
Será?
A questão ecológica trabalhada pela professora não tem valor?
E o desenvolvimento da criatividade da criança? Alguém quis saber a respeito?
Em quais pressupostos a professora fundamentou sua prática?
Alguém leu o currículo dessa professora? Alguém tem o direito de usar diminutivos nesse contexto?
Nada disso é argumentado.
Apenas o veredicto: a professora e a escola são os culpados!
Próximo caso!
Não quero aqui crucificar essa ou outros pretensos consultores de educação, pessoas que nunca deram uma aula na vida e que perambulam sob os holofotes da mídia vendendo sua opinião, afinal esse país é livre e todos possuem o direito de ter, dar e/ou de vender sua opinião, mesmo que disparatadas.
O que realmente me surpreende é a rapidez com a opinião pública acata tais disparates sem ao menos examiná-los sob a ótica do bom senso.
Também não quero dizer aqui que o professor sempre tem razão, num contraponto corporativista ao veredicto vicioso desses leigos “especialistas” de plantão.
Existem professores e professores.
É importante frisar!
Cabendo aqui a importante reflexão sobre o problema de indução que já abordei aqui por diversas vezes:
Uma classe não pode ser julgada, condenada e aviltada fundamentando-se na má conduta de alguns.
Mas, o que realmente chama a minha atenção é o completo desconhecimento da sociedade como um todo, e aí se inclui a maioria dos pais e até desses consultores de ocasião, sobre qual é o real papel da escola.
A escola e o professor, pelo menos no Brasil, atuam ainda no mundo da instrução.
Se isso é certo ou errado. Se isso é o ideal ou não – a conversa é outra.
É preciso deixar isso claro. Vou repetir:
A escola e o professor atuam no mundo da instrução.
E o que significa isso?
Por exemplo:
É instrucional o ato de ensinar a ler e escrever;
É instrucional o ato de ensinar conceitos científicos;
É instrucional o ato de ensinar a usar conceitos matemáticos para resolver problemas de outras ciências;
Etc.
A formação individual é algo mais abrangente e exige uma dedicação e um atendimento também individual, que a escola, enquanto instituição, e o professor, enquanto profissional, não foram instrumentalizados para atender.
Pelo menos no Brasil.
Basta avaliar nosso modelo de ensino de turmas apinhadas, professores mal pagos e desvalorizados.
Governos e governantes são os detentores do poder capaz de inferir nessas questões, ou não?
Ainda:
Os principais agentes educadores da atualidade são os pais ou os responsáveis legais.
Em síntese a família (ou pelo menos teria que ser).
Não há como exigir da escola e do professor que cumpram esse papel.
A educação é algo muito mais amplo que a instrução.
Envolve muito mais que a simples aplicação da razão – que é a principal ferramenta do mundo da instrução.
A educação envolve relações afetivas e demanda muita sensibilidade e subjetividade, que só é conquistada pelo acompanhamento individual, diário e constante num fenômeno social muito complexo denominado convivência humana.
É através do exemplo de conduta, na convivência humana, que se ministram as melhores lições para a formação do indivíduo.
Um professor encontra seus alunos algumas horas por dia — e na melhor das hipóteses — há apenas um professor para cada 35, 40 alunos em média.
Um professor para atender dezenas de alunos! Esse é o modelo do ensino no Brasil!
De que forma esse professor vai trabalhar o indivíduo se sua prática por definição é massificada?
Existem alguns professores que, mesmo nessas condições adversas, conseguem cumprir em parte com esse papel e são mais afetivos e efetivos que muitos pais (evidentemente devido à sua sensibilidade, experiência, talento, etc).
Mas não é essa a sua obrigação.
O professor não é o pai nem o responsável legal por seu aluno.
Ele não tem autoridade legal para estabelecer limites ou definir regras sobre a educação desse aluno.
Os alunos são menores incapazes e são os seus pais ou responsáveis que por lei devem responder pelas ações desses jovens.
Qualquer interferência de um professor, que não se restrinja à instrução, pode culminar em processo cível.
Será que ninguém se lembra disso?
E mesmo assim, se um professor de matemática tiver que ensinar aos seus alunos como se portar com educação e sensibilidade, e tiver que gastar horas, semanas, meses (e quem sabe anos), até que seus alunos adquiram tal educação e tal sensibilidade a ponto de não morder um coleguinha durante as aulas, quem será que vai ensinar a essas crianças como resolver um sistema de equações?
Ou existe algum método que por meio das técnicas matemáticas para resolver sistema de equações também se ensine a respeitar o próximo ou – usando o nosso exemplo anterior – a não morder seus colegas?
Repito:
A nossa escola vive ainda o mundo da instrução. Não podemos nos iludir.
A formação individual ainda é uma tarefa da família e que pode encontrar na escola sua grande aliada.
Eis o termo – aliada.
Mas é preciso que os pais ou responsáveis legais tenham consciência disso e tratem o professor e a escola assim:
— Como aliados.
E não como bode expiatório ou um inimigo a ser intimado, combatido e subjugado.


-o-
[Leia os outros artigos de Mustafá Ali Kanso

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