Química forense - A verdade por A + B
Autor: Nilson Hernandes
A Química é uma ciência que
possibilita aos seus profissionais atuar em diversos setores. Os mais
conhecidos são a própria indústria química, que fornece matérias-primas
para quase todas as atividades industriais, os de análises em geral,
petroquímica, tratamento de superfícies, celulose e papel, meio
ambiente, cosméticos, farmoquímicos etc. Há, porém, algumas áreas pouco
consideradas na hora de escolha da carreira, mas que vêm ganhando
importância nos últimos anos. É o caso da que reúne os peritos criminais
forenses, cujas atividades passaram a ser mais conhecidas e
reconhecidas do grande público a partir de casos de repercussão
nacional. Mais recentemente, também colaborou para despertar o interesse
sobre essa área a exibição de seriados de TV como o CSI (Crime Scene
Investigation), que dramatiza a atuação desses profissionais em três
cidades norte-americanas.
O campo de trabalho, no Brasil, ainda é restrito, limitando-se quase que
exclusivamente aos departamentos de Polícia Científica dos Estados e da
União (Polícia Federal). Contudo, a evolução do sistema jurídico aliado
ao direito constitucional do acusado de contestar provas, inclusive as
obtidas a partir de análises periciais, ou mesmo apresentar outras em
sua defesa, são fatores que podem favorecer a ampliação desse mercado.
Pouca gente sabe, mas é perfeitamente possível a contratação de um
perito particular.
A
perícia criminal envolve várias especialidades, tendo a química
participação obrigatória em quase todas. A maioria dos profissionais que
nela atua está vinculada aos departamentos de Polícia Civil, mas em São
Paulo e mais oito estados da União, tais divisões, devido à sua
importância, tornaram-se departamentos autônomos.
Em São Paulo, no Instituto de Criminalística (IC), órgão da
Superintendência da Polícia Técnico-Científica, existe o Núcleo de
Química (NQ), uma divisão criada para cuidar especialmente, como o
próprio nome sugere, dos aspectos químicos envolvidos em investigações,
notadamente naquelas onde não se sabe quem são os autores de crimes ou
quando não se têm, num primeiro momento, provas consistentes contra os
suspeitos. Além do NQ, os peritos químicos podem trabalhar em outros
núcleos que compõem o Centro de Exames, Análises e Pesquisas (CEAP) do
IC.
O perito criminal químico forense Ciro Ozaki, diretor do NQ – que é
Bacharel em Química com Atribuições Tecnológicas –, diz que a prova
pericial é considerada cabal, uma vez que é obtida por meios científicos
que dificilmente podem ser contestados. A perícia forense é, portanto,
uma atividade da qual nenhuma Polícia moderna e eficiente pode
prescindir.
Mas como trabalham esses profissionais da química? Diferentemente do que
mostra o seriado da TV, Ozaki esclarece que os peritos não interrogam
suspeitos e nem sempre precisam ir a campo para colher materiais que
depois, em laboratório, poderão ajudar a desvendar um crime. São dois
"tipos" de peritos: os de laboratório e os de campo. Estes últimos não
precisam necessariamente ter formação na área química, mas recebem
treinamento técnico para fazer a coleta dos materiais que posteriormente
serão analisados em laboratório, explica Ciro Ozaki.
As atividades mais comuns dos Químicos que trabalham no IC incluem
análises de combustíveis, bebidas, fragmentos de incêndios, exames
residuográficos e até a inspeção de artefatos explosivos. Bombas
apreendidas em estádios de futebol, por exemplo, são uma mistura de
pólvora branca (um composto de clorato de potássio e pó de alumínio),
pregos, parafusos ou pedras. A pólvora branca é muito perigosa, podendo
explodir até quando está sendo manuseada, explica a perita Sirley
Dionisio Mendes Soares, que tem bacharelado e licenciatura em Química. O
1º Secretário do CRQ-IV, Lauro Pereira Dias, especialista em
explosivos, acrescenta que o manuseio desse produto é tão crítico que
deve ser feito em ambiente fechado e sobre uma lâmina d’água para evitar
que uma possível combustão culmine com a explosão. O desconhecimento
dessa característica letal do produto por parte de leigos tem sido a
causa de grandes tragédias que freqüentemente ocorrem em São Paulo e em
outras cidades onde a pólvora é adquirida, em geral, de modo
clandestino.
Outro exemplo de atuação de um perito forense são os casos de incêndio. A
análise química é o que poderá determinar se o sinistro foi criminoso
ou acidental. "É possível saber se alguém ateou fogo no local analisando
sinais de combustível em fragmentos achados em campo", explica Ciro
Ozaki. Para descobrir a cor de um veículo carbonizado também é
necessário um exame que indique o pigmento da pintura original. Em
acidentes de trânsito, as análises revelam a cor exata da mancha que
pode ter ficado na lataria de um carro após uma colisão, fornecendo
subsídios para que os investigadores de polícia descubram a fabricante e
o modelo do automóvel que se está procurando.
Bombas incendiárias
- Por vezes, os peritos químicos forenses se deparam com casos
inusitados e que até poderiam virar tema de piadas. Numa oportunidade, a
Polícia apreendeu e enviou ao NQ uma carga de coquetéis molotov, armas
incendiárias usadas comumente por guerrilheiros, mas que também podem
estar nos arsenais de grupos arruaceiros. Para surpresa dos técnicos,
contudo, assim que o material começou a ser analisado verificou-se que
quase nenhum dano poderia causar. Como se sabe, quando fabricados
artesanalmente, esses artefatos se constituem de um recipiente de vidro
que dentro contém um líquido inflamável (gasolina, álcool ou querosene) e
um chumaço de pano na ponta, no qual se ateia fogo. Ao ser lançado e
atingir o chão, o invólucro se quebra e espalha o combustível em chamas.
Mas no caso em questão, os "construtores" dos supostos coquetéis
cometeram um erro técnico: no lugar de vidro, utilizaram garrafas de
plástico. Ou seja, se lançadas contra os "inimigos", o máximo que
aquelas armas poderiam causar seriam alguns sustos ou, quando muito,
galos nas cabeças dos atingidos.
Análises para verificar possíveis falsificações de bebidas também estão
entre as atividades rotineiras dos peritos forenses. Esses casos exigem
que o Químico também seja um bom observador, pois o trabalho começa pelo
exame das embalagens. As garrafas de bebida falsa geralmente não
possuem o lacre original, mas sim um anel de plástico, chamado válvula
de retraque, adaptado. Esse dispositivo engana o consumidor, que só se
dá conta de que comprou gato por lebre quando chega em casa e abre a
garrafa, explica a perita Sirley Soares.
Uma conhecida marca de conhaque é a bebida mais falsificada. O destilado
original é substituído por uma mistura de álcool comum e corante, que
confere uma cor parecida com a do produto verdadeiro. "O sabor é
diferente, entretanto se você não tiver o produto original no momento da
confrontação é muito difícil distinguir um do outro", salienta a
técnica.
Limitação - Segundo explica o perito criminal químico e
diretor do Núcleo de Química (NQ), Ciro Ozaki, outros núcleos que
juntamente com o NQ compõem o CEAP também fazem uso da química como
instrumento de análises de materiais. São eles: Bioquímica e Biologia,
Análise Instrumental, Exame de Entorpecentes e o de Balística, este
último responsável por analisar armas e projéteis. O NQ tem a atribuição
de fazer análises em explosivos e bebidas, além de lidar com a química
em geral. O Núcleo de Física dá apoio ao de Química.
Os peritos criminais forenses trabalham com os mesmos equipamentos que
boa parte dos profissionais da química utiliza em seu dia-a-dia, como
cromatógrafos e espectrômetros. Nem sempre o instrumental do NQ é o mais
indicado para determinados trabalhos, geralmente os de caráter
complementar, o que obriga seus técnicos a recorrerem aos laboratórios
de entidades como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT),
Universidade de São Paulo (USP) ou Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP).
O NQ possui um contingente reduzido. Dos nove peritos, sete são
profissionais da química. "Temos um problema de recursos humanos e nem
sempre conseguimos colocar as pessoas devidamente qualificadas nos
locais em que se fazem necessárias, pois os outros núcleos também
precisam de gente para dar andamento ao trabalho. Mas dentro do que a
lei exige, está tudo correto", minimiza Ozaki.
(Fonte: CRQ/IV)
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