CÂNCER DE PRÓSTATA EM 2016
Autor:Dr. Miguel Srougi
Shakespeare
dizia que o passar dos anos produzia nos homens sensações inevitáveis,
as pernas cada vez mais finas dançavam desconcertadas dentro de calças
cada vez mais folgadas, o corpo combalido se mantinha alheio aos pedidos
da alma e do coração. Esqueceu-se de falar dos incômodos da próstata.
Uma glândula emblemática, que nos jovens tem o papel triunfal de
alimentar e manter vivos os espermatozóides e, com isto, perpetuar a
espécie. Mas que no homem maduro é responsável por um tormento de
conseqüências negativas para a qualidade e quantidade de vida de seus
portadores: o câncer da próstata. Mal que surge em cerca de 10% dos
homens com 50 anos, 30% daqueles com 70 anos e 100% dos que chegarem aos
100 anos de idade.
Diante
de fatos tão majestosos e lembrando que a ciência médica continua
envolvida por mistérios intrigantes, é fácil compreender as
controvérsias e emoções que permeiam as discussões sobre o câncer da
próstata. Controvérsias e emoções assombrosas entremeadas por algumas
certezas alentadoras.
Frequência e Fatores de Risco
Atualmente
vivem no Brasil cerca de 12 milhões de homens com mais de 50 anos e
estima-se que dois milhões deles serão atingidos pelo câncer da
próstata. A essa estatística incômoda, contrapõe-se outra mais
animadora: de cada 18 homens acometidos pelo mal, apenas três morrerão
pela doença. A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive
ao câncer, alguns por portarem tumores indolentes, que não progridem,
muitos outros graças às ações médicas reparadoras.
Duas
condições aumentam os riscos de se contrair o câncer da próstata,
especificamente, a raça e a ocorrência de casos na família. A freqüência
desse tumor é 70% menor em homens orientais, mas essa diferença quase
desaparece quando orientais migram para o ocidente, sugerindo que
influências ambientais e o modo de vida também estão implicados com a
instalação da doença.
Já negros têm o dobro da
incidência de câncer da próstata e neles o tumor costuma ceifar mais
vidas. Além de predisposição hereditária, estudos recentes patrocinados
pela American Cancer Society, nos EUA, sugerem que esse comportamento
pode estar relacionado com desigualdade social, que limita o acesso mais
vulneráveis, incluindo alguns negros, aos tratamentos curativos.
Fenômeno perverso que, possivelmente, se repete numa sociedade injusta
como a nossa.
A
incidência do câncer da próstata aumenta de duas vezes a cinco vezes,
quando pai ou irmãos desenvolvem o mal antes dos 55 anos. Obesidade e
vasectomia, lembrados com possíveis fatores de risco, não aumentam a
incidência da doença. Contudo, o tumor manifesta-se de forma mais
agressiva em obesos, o que constitui mais um motivo, entre outros, para
os homens adultos se afastarem da sofreguidão.
Descoberta da doença
O
câncer da próstata não produz sintomas nas fases iniciais, período em
que a doença é altamente curável. Nessa etapa, a existência do câncer só
pode ser explorada através do exame de toque (nos homens atingidos,
surgem áreas endurecidas na glândula) e das dosagens no sangue do
chamado "antígeno prostático específico" ou PSA. Esses dois exames devem
ser realizados conjuntamente, já que o toque e o PSA, isoladamente,
revelam, respectivamente, cerca de 25% e 45% dos casos com a doença.
Executando-se os dois testes, são identificados 75% dos pacientes
acometidos
A simplicidade dessas estatísticas
poderia indicar que o diagnóstico do câncer da próstata é circundado por
ideias consensuais. Infelizmente, isso está longe da realidade. Em
primeiro lugar, o toque da próstata gera assombros incontidos na mente
masculina. A verdade é que esse exame costuma ser realizado em quatro ou
cinco segundos e de maneira indolor. Para os mais recalcitrantes,
gostaria de dizer que muito pior do que o desconforto psicológico de
alguns segundos é o flagelo que perdura por anos e sempre termina mal,
quando um câncer é descoberto tardiamente.
Em
segundo lugar, os níveis sanguíneos do PSA, proteína que é produzida
exclusivamente pela próstata, encontram-se aumentados nos pacientes com
câncer local, mas também podem se elevar em casos de infecção da
glândula ou até mesmo em homens sem qualquer doença local.
Por isso, valores alterados de PSA exigem uma avaliação médica, mas não indicam, necessariamente, a existência de câncer.
Em
terceiro lugar, a biópsia da próstata, realizada para confirmar
suspeitas geradas pelos exames, pode falhar em 10 a 12% dos casos, não
revelando a existência de câncer quando ele está presente. Essa
imprecisão surge frequentemente em pacientes com tumores localizados na
área anterior da próstata, quase inacessível à biópsia e imperceptível
ao toque, o que acaba retardando o diagnóstico da doença. Felizmente
essa situação incômoda tem sido contornada com dois novos exames, a
ressonância magnética multiparamétrica e o PSMA PET-CT, que permitem a
visualização de tumores mesmo nas áreas mais obscuras da próstata, com
uma acurácia de cerca de 80%. Dessa forma, a existência de um tumor pode
ser confirmada ou afastada, protegendo os portadores da doença ou
eliminando apreensões intermináveis em pacientes sem o mal.
Para
que o câncer da próstata seja diagnosticado no momento apropriado
recomenda-se que os exames de detecção sejam repetidos anualmente, a
partir dos 45 anos de acordo com diretrizes firmadas no passado. Por
outro lado, nos casos hereditários a doença manifesta-se em idades mais
precoces; por isso, homens com histórico familiar devem se submeter a
exames preventivos anuais da próstata a partir dos 40 anos de idade.
Recentemente
a US Task Force, dos Estados Unidos, sugeriu que os exames da próstata e
exames de PSA rotineiros deveriam ser proscritos, sob o argumento de
que o diagnóstico precoce da doença desencadeia ações médicas
contundentes, desnecessárias em pacientes com câncer indolente. Em
decorrência, segundo essa entidade, são produzidos um sem número de
homens com a qualidade de vida comprometida pelas sequelas do
tratamento.
Confesso que não aceitei bem essa
recomendação. Com alguma frequência deparo-me com indivíduos que, aos 58
ou 60 anos, apresentam-se com doença já avançada, às vezes sem retorno,
situação que teria sido evitada se o mal tivesse sido identificado mais
cedo. Mais razoável é que o diagnóstico precoce seja realizado e
médicos, seguindo as melhores evidências científicas e os melhores
preceitos éticos, tratem apenas os casos mais agressivos, que colocam e
risco e existência de seus pacientes. Ademais, penso que todos os seres
humanos tem o direito inegociável de participar das decisões que
interferem com o seu destino. Para aqueles preocupados em prolongar sua
existência, tabelas e estatísticas médicas, sempre imprecisas e muitas
vezes falhas, não podem prevalecer sobre esse sentimento inegociável.
Definindo a Gravidade da Doença
Vários
parâmetros podem ser utilizados para definir a gravidade dos casos de
câncer da próstata. A extensão inicial da doença (tecnicamente definida
como "estágio"), a agressividade das células que formam o tumor e as
medidas do PSA no momento do diagnóstico, representam os principais
parâmetros utilizados pelos especialistas para prever os horizontes
desses casos e planejar o tratamento dos mesmos.
Com
respeito ao estágio, o tumor é classificado como T1, T2, T3 e M+,
quando está situado, respectivamente, na intimidade da próstata e não
pode ser percebido ao toque (T1), quando é notado ao toque, mas não se
estende para fora da glândula (T2), quando se expande e atinge os
tecidos vizinhos à próstata (T3) e quando atinge outros órgãos, em geral
os ossos (N+/M+). Como demonstra o gráfico adiante, as chances do
paciente estar bem cinco anos após o diagnóstico relacionam-se
fortemente com o estágio da doença.
A
agressividade das células é medida por uma nota conferida ao tumor ao
ser analisado o material colhido na biópsia. Nesse sentido, utiliza-se
uma escala chamada de "Escore de Gleason", que pode variar entre 5 e 10 e
é obtido pela soma de dois números indicados pelo médico especialista
ao descobrir, na biópsia, um tumor maligno na próstata. Os casos com
escore total de 5 e 6 são mais brandos, aqueles que recebem nota final 7
tem agressividade intermediária e as lesões classificadas como 8 a 10
são mais desfavoráveis e devem ser tratadas de forma mais contundente.
Os
níveis sanguíneos de PSA elevam-se progressivamente à medida que
aumentam as dimensões do tumor. Pacientes com lesões mais brandas
costumam evidenciar níveis de PSA inferiores a 20 ng/ml e nos casos de
doença mais delicada esses níveis costumam se situar acima de 20 ou 30
ng/ml.
Sob o ponto de vista prático, os
especialistas costumam definir a gravidade de cada caso analisando
conjuntamente essas variáveis e aplicando uma classificação produzida
pelo Dr Anthony D'Amico, da Universidade de Harvard (nessa tabela,
"Risco" refere-se à gravidade da doença).
Estratégia de Tratamento do Câncer da Próstata
A
evolução dos pacientes com câncer da próstata é relativamente
imprevisível, mas no cotidiano a maioria dos pacientes apresenta-se com
doença de pequena ou média agressividade, felizmente, potencialmente
curáveis. Nesse sentido, pesquisa publicada pelo National Cancer
Institute, dos Estados Unidos, concluiu que entre os casos de câncer da
próstata descobertos em exames preventivos, 15% são portadores do tipo
indolente; 60% têm doença agressiva, mas curável se tratada a tempo; e
25% apresentam lesões avançadas, de cura mais difícil quando se utiliza
somente método único de tratamento.
Os
tumores classificados como indolentes ou baixo risco, crescem muito
lentamente e, por isto, muitos centros urológicos passaram a preconizar o
não tratamento desses pacientes, pelo pequeno risco de morte pela
doença. Nesses casos são realizados exames periódicos ("vigilância
ativa") e a orientação é mantida enquanto os exames se mantiverem
estáveis. Embora atraente, por evitar as complicações relacionadas com o
tratamento do câncer, essa estratégia tem três inconvenientes. Quando
acompanhados por 10 anos, o tratamento torna-se necessário em 50% dos
casos, por sinais de piora da doença. Existe, também, de 10 a 12% de
risco de agravamento imperceptível do câncer, com consequências
negativas óbvias quando a situação é detectada. Não menos importante, a
maioria dos pacientes vive em estado de apreensão, por carregar em seu
organismo uma doença maligna não tratada.
Doença Contida Dentro da Próstata
Os
pacientes com tumores mais agressivos localizados dentro da glândula
são usualmente submetidos à cirurgia (prostatectomia radical) ou à
radioterapia (externa ou braquiterapia). Apesar da polêmica entre os
especialistas envolvendo a eficiência dessas duas técnicas, os dados
mais recentes indicam que a cirurgia acompanha-se de maiores chances de
cura nesses casos. Dois estudos a respeito publicados em 2010 pelos Dr.
Michael Zelefsky, do Memorial Sloan Cancer Center de Nova York e pelo
Dr. Matthew Cooperberg, da Universidade da Califórnia, demonstraram que o
risco de morte por câncer foi de 2,2 a 3 vezes maior em pacientes
tratados com radioterapia, comparado aos tratados com cirurgia.
Um
dos motivos para explicar tal diferença é que se o tumor estende-se
para fora da próstata ou reincide após a cirurgia inicial, pode-se
recorrer com sucesso à radioterapia subsequente, que consolida a cura
num número substancial de casos.
Já nos casos de
falha após tratamento inicial com radioterapia, as perspectivas para os
pacientes tornam-se mais sombrias, já que a remoção cirúrgica
subsequente da próstata é sempre complicada e, muitas vezes, impossível.
Isso explica porque nos casos mais simples ambos os métodos curam
número semelhante de pacientes, mas nos pacientes com doença mais
agressiva os índices da cura com a cirurgia superam de forma
significativa aqueles observados com a radioterapia.
Além
do sofrimento imposto pela sensação de finitude da vida, outras
angústias assolam o espírito dos homens atingidos pelo câncer da
próstata. A prostatectomia radical é acompanhada de impotência sexual em
70% dos indivíduos com 70 anos, em 35% dos pacientes com 65 anos e em
10% dos homens com 50 anos. Ademais, incontinência urinária surge em 3 a
15% dos casos, dependendo da experiência do cirurgião e da idade do
paciente. A radioterapia associa-se a iguais riscos de disfunção sexual e
pode causar complicações intestinais e de bexiga em 15 a 35% dos casos
tratados, algumas vezes mais devastadoras que o próprio câncer.
Reconhecendo
os inconvenientes dos atuais métodos de cirurgia e de radioterapia,
pesquisadores lançaram-se a procura de procedimentos alternativos para
dominar a o câncer da próstata. Multiplicaram-se na prática médica um
sem número de técnicas, entre as quais a crioterapia, a aplicação de
ondas de ultrassom (HIFU), a administração local de laser e o uso de
diferentes vacinas antitumorais. Idealizados como métodos mais inócuos,
esses procedimentos não tiveram sua eficiência comprovada de forma clara
e, contrariamente ao esperado, podem se acompanhar de complicações
sérias.
Por
isso, devem ser considerados experimentais e desta forma apresentados
eticamente aos pacientes. Infelizmente, esse cuidado não tem sido
seguido e alguns profissionais têm utilizado essas modalidades de
tratamento, aproveitando-se da fragilidade e dos assombros que permeiam a
mente dos pacientes atingidos pelo câncer da próstata. Confirmando os
sentimentos expressos pelo Dr. Willet Withmore, de Nova York, há cerca
de 30 anos: "O tratamento atual do câncer da próstata pode não ser a
melhor medicina, mas certamente pode se tornar um bom negócio" e,
também, "Existem mais pessoas querendo ganhar dinheiro com o câncer da
próstata do que morrendo pela doença".
Prostatectomia Auxiliada por Robô
De
forma menos tendenciosa, mas talvez precoce, anunciou-se ao mundo o
advento de uma nova técnica de prostatectomia, "recheada de predicados e
quase isenta de problemas": a prostatectomia auxiliada por robô,
executado com o expoente denominado Da Vinci. Atribuiu-se a essa
intervenção, realizada através de seis orifícios abdominais, diferentes
méritos: ausência de incisão abdominal e, com isto, menor desconforto
pós-operatório; melhor visão dos órgãos abdominais e movimentos mais
suaves dos instrumentos cirúrgicos, permitindo retirada mais segura do
tumor e menor risco de lesão dos nervos e músculos situados em torno da
próstata; em decorrência estria quase garantida de preservação da
potência sexual e controle mais perfeito da urina.
Apesar
do apelo irresistível dos procedimentos de alta tecnologia médica e do
marketing avassalador que envolveu o lançamento comercial do robô Da
Vinci, a técnica tem suscitado algumas questões ainda mal respondidas. O
aprendizado da cirurgia robótica é demorado e beira os limites do
aceitável eticamente, já que a proficiência do operador só é atingida
após 350 intervenções. Até que se atinja esse patamar, as cirurgias
podem demorar até 6 horas e são envolvidas por complicações frequentes, à
vezes graves e, mesmo, fatais. Por esse motivo, a empresa que produz o
robô está agora sendo seguidamente processada nos EUA e numerosas firmas
da advocacia oferecem seus préstimos na internet, incluindo algumas com
sites emblemáticos, como "www.badrobotsurgery.com"!
Outra
limitação limita o emprego disseminado da prostatectomia robótica: seu
elevado custo de aquisição e de manutenção, da ordem, respectivamente,
de mais U$ 3 milhões e de mais de U$ 300 mil dólares anuais, valores
utópicos para um país carente de recursos e de prioridade para a saúde
como é o Brasil.
A introdução recente dessa
técnica não permitiu, até hoje, definir se os índices de cura do câncer
são equivalentes aos resultados consistentes obtidos com a intervenção
convencional. Definitivamente, e ao contrario da cirurgia aberta, a
técnica robótica acompanha-se de remoção incompleta do tumor em
pacientes obesos, com próstatas grandes ou já submetidos a cirurgias
locais prévias. Nos demais casos é provável que as duas técnicas de
prostatectomia sejam igualmente eficientes na erradicação da doença.
Um
dos aspectos atraentes atribuído à cirurgia robótica relaciona-se com a
ausência de incisões, que em tese reduziria o desconforto com as
incisões realizadas nas cirurgias convencionais. Nesse sentido, não
custa lembrar que a intervenção com robôs é executada com cinco incisões
de 1,5-2,0 cm e outra adicional, maior, para extração da glândula
adoentada. Somadas, a extensão dessas incisões somadas aproxima-se
daquela empregada nas intervenções abertas. Ademais, os cirurgiões que
preferem a técnica convencional utilizam atualmente uma anestesia
combinada, geral e peridural, que permite que 9 em cada 10 pacientes não
tenham praticamente nenhuma dor no período pós-operatório imediato.
A
ideia de maior preservação das funções sexual e urinária com a
intervenção robótica também se mostrou falaciosa. As cinco melhores
pesquisas comparando as técnicas robótica e aberta demonstraram que
essas complicações ocorrem com a mesma frequência com ambos os métodos.
Ademais, num encontro realizado recentemente em Pasadena, EUA,
conclui-se, consensualmente, que os resultados da prostatectomia
relacionam-se essencialmente com a experiência do operador e não com a
técnica empregada. Essa ideia vale para as chances de cura, número de
acidentes intra e pós-operatórios e riscos de impotência sexual ou de
incontinência urinária. Ademais, num dos estudos publicados a respeito
do tema por conceituado cirurgião robótico, complexos raciocínios
matemáticos indicaram que 89,8% dos pacientes estavam potentes um ano
após a prostatectomia robótica. Refazendo os cálculos, observei que
apenas 298 (ou 47,6%) de 626 pacientes, que apresentavam potência sexual
normal no momento da descoberta do tumor, preservaram este estado após a
intervenção, números longe de serem superiores aos observados com as
intervenções abertas.
Esses dados explicam
observações feitas pelo grupo do Dr. Florian Schroeck, da Universidade
de Duke, nos Estados Unidos. Entrevistando pacientes submetidos à
prostatectomia radical, constataram que o número de indivíduos que
lamentavam a escolha da técnica robótica foi quatro vezes maior do que
aqueles que optaram pela cirurgia aberta, principalmente porque os
proponentes da técnica robótica criaram nos pacientes expectativas
irreais a respeito das vantagens desse método.
Aos
pacientes que se entregam com tanto ardor às inovações em medicina,
gostaria de lembrar a história mitológica de Dedalus e seu filho Ícarus.
Aprisionados num labirinto pelo rei Minos, conseguiram escapar pela
habilidade do pai, que construiu dois pares de asas, juntando penas e
cera. Inebriado com o poder de voar, Ícarus deslumbrou-se com a beleza
do sol e voou em sua direção. A cera de suas asas rapidamente derreteu e
Ícaro projetou-se contra o mar, dele restando somente penas na
superfície da água.
Tentando resumir meus
sentimentos em relação à cirurgia auxiliada por robôs, penso que elas se
imporão no futuro em casos nos mais simples de câncer da próstata, pela
atração que as técnicas "high tech" exercem sobre a mente humana, pelo
aperfeiçoamento do equipamento, que ainda falha por não oferecer a
sensação táctil que facilita a realização de uma intervenção cirúrgica e
pelo barateamento do equipamento.
No momento as
evidências científicas mais rigorosas demonstram que as técnicas
convencional e robótica assemelham-se em termos de eficiência na remoção
dos tumores da próstata e acompanham-se de riscos de complicações e
sequelas equivalentes e reduzidos quando realizadas por cirurgiões
experimentados com cada uma das técnicas. Estatísticas provindas de
reputados centros urológicos indicam que esse patamar de proficiência é
obtido quando um cirurgião "robótico" executou mais de 350
prostatectomias radicais e um cirurgião "convencional" realizou mais de
700 intervenções similares.
Doença que se Estende para Fora da Próstata
Finalmente,
quando tumor se estende para os tecidos que envolvem a próstata ou para
outros órgãos, os pacientes são tratados com remoção dos com medicações
ou intervenções cirúrgicas que reduzem os níveis da testosterona no
sangue, o hormônio masculino que representa um dos principais
combustíveis que alimenta o tumor. Quando as taxas sanguíneas de
testosterona são anuladas, todas as lesões prostáticas presentes no
organismo sofrem uma involução marcante.
Essas
medidas nem sempre eliminam totalmente o tumor, mas a doença pode
permanecer sob controle por muitos anos com mudanças sucessivas nas
alternativas medicamentosas. Para esses pacientes notícias auspiciosas
surgiram nos últimos anos. Cinco novos agentes, a abiraterona, a
enzalutamida, o radium-223, os anticorpos anti-PSMA ligados ao
lutécio-1177 e os chamados inibidores de PD1 e PDL1, foram recentemente
testados em pacientes com formas agressivas e resistentes de câncer da
próstata e mostraram intensa atividade antitumoral, com regressão da
doença em 50 a 70% dos casos, incluindo alguns onde as esperanças se
esvaiam. Com baixa toxicidade, já estão disponíveis ou prestes a serem
liberadas para uso clínico e terão um papel relevante no tratamento dos
pacientes com câncer da próstata.
Prevenção do Câncer de Próstata
De
forma interessante, maior frequência de atividade sexual talvez iniba o
aparecimento do câncer da próstata. Pesquisa patrocinada pelo National
Institute of Health, dos EUA, que envolveu cerca de 29 mil homens,
revelou que a incidência desse câncer é 33% menor nos indivíduos que tem
mais do que cinco relações sexuais por semana. Mesmo que essa teoria
não tenha ainda sido confirmada por outros estudos, alegro-me ao relatar
tal pesquisa, enfim uma notícia prazerosa no meio de um texto tão
árido.
Conclusões
Como
procurei mostrar e graças ao esforço de dedicados pesquisadores e
especialistas, mais de 90% dos pacientes com câncer da próstata
descobertos em fases precoces são atualmente curados do seu mal. Apesar
disso, o tratamento do câncer da próstata ainda envolve controvérsias
não bem resolvidas. Em primeiro lugar, fica claro que os especialistas
da área têm divergências que não são apenas semânticas quanto a melhor
forma de tratar tais casos. Outro fato: o câncer da próstata se posta,
como doença, dentro de um espectro que abrange desde casos que não
precisam ser tratados até situações em que a terapêutica pouco
modificará a evolução desastrosa do mal. Finalmente, /16)todos os métodos de
tratamento disponíveis podem comprometer de alguma forma a qualidade de
vida do doente. Por esses motivos, um especialista só orientará
corretamente o tratamento de qualquer caso se, além de bom senso, levar
em conta os sentimentos do paciente. Assim, gostaria de dizer que
médicos e pacientes, em decisão conjunta, devem optar pela terapêutica
mais eficiente, quando a sobrevida for o anseio mais relevante, e
escolher o tratamento menos agressivo, quando a qualidade de vida for a
preocupação principal do doente.
Essa situação
me remete a Maceió. Ao visitar a praia do Francês com o amigo Paulo
Vitório, me deparei com um motel à beira da estrada: "Cequisabe". Logo
imaginei a cara do conquistador não tão bem intencionado ao perguntar
para a indefesa o que ela gostaria de fazer naquela noite enluarada.
Volto ao câncer da próstata. Os especialistas são sempre tendenciosos,
muitos por um impulso natural, alguns por impulsos não tão naturais.
Imaginem o que acontecerá com o paciente assustado, frente a um
cirurgião intransigente ou a um radioterapeuta inflexível se, ao invés
de expressar seus sentimentos pessoais, deixar escapar "cê qui sabe".
Re-impresso com autorização do autor - Artigo original publicado em http://www.srougi.com.br
(Fonte: abc saude - Nov /16)
Nenhum comentário:
Postar um comentário