Hepatite C: a cura passou de sonho para realidade
Tatiana Harumi Kota
Não restam dúvidas acerca da obrigatoriedade das
operadoras de saúde em custear o tratamento integral indicado pelos
médicos e que os números de processos judiciais tendem a aumentar se o
beneficiário não obter a contemplação dos seus direitos.
No
dia Mundial de Luta contra as Hepatites Virais, comemora-se a
descoberta das drogas capazes de erradicar o vírus da hepatite C,
contudo, o grande desafio é garantir o pleno acesso da população
brasileira ao tratamento com os medicamentos novos.
Até o final do
ano de 2012, poucos pacientes obtinham a cura por meio da droga
disponível no mercado, o Interferon, agravado pelos conhecidos e
catastróficos efeitos colaterais. A esperança se renovou com a aprovação
da comercialização dos medicamentos orais Olysio (Simeprevir) e Sovaldi
(Sofosbuvir), pelo FDA Food and Drug Administration, no ano de 2013.
De acordo com a
revista Forbes, o trabalho da empresa de biotecnologia Gilead Sciences,
responsável pela pesquisa e desenvolvimento da droga Sovaldi, merece o
título honorário da droga mais importante daquele ano.
Finalmente, no
ano de 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
concedeu o registro de novos fármacos para tratamento da Hepatite C,
quais sejam, Daklinza (daclatasvir), Olysio (simeprevir sódico) e
Sovaldi (sofosbuvir). Já o medicamento Harvoni, combinação de ledipasvir
e sofosbuvir, ainda aguarda a respectiva aprovação da ANVISA.
Atualmente, a
terapêutica contra a infecção pelo vírus da Hepatite C custa em torno de
84 mil dólares, o que inviabiliza o acesso de grande parte da população
brasileira às drogas novas.
É de conhecimento
notório o alto custo desse tratamento e do elevado impacto na saúde
pública, no entanto, as negociações efetuadas pelo Ministério da Saúde
com a empresa farmacêutica reduziram o gasto de US$ 84 mil para US$ 7,5
mil.
As distribuições
dos medicamentos Sofosbuvir, Simeprevir, Daclatasvir, pelo Sistema Único
de Saúde, iniciaram somente na segunda quinzena de outubro de 2015 e
atingiram uma parcela mínima dos brasileiros.
Desde então, o
SUS disponibilizou em torno de 26.800 tratamentos para pacientes com
fibrose hepática avançada (METAVIR F4 e F3), conforme informações
obtidas pelo Departamento de Assistência farmacêutica da Secretaria da
Ciência, tecnologia e insumos estratégicos e divulgada pelo grupo
Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite.
Ocorre que,
muitos pacientes foram excluídos dessa lista, pois não são elegíveis à
terapêutica distribuída gratuitamente pelo SUS, principalmente, em razão
do grau de progressão da infecção, obtida através da fibrose hepática,
considerada mínima ou moderada (METAVIR F1 ou F2).
Considerando que,
de acordo com dados obtidos no sítio eletrônico do Ministério da Saúde,
em torno de 1,4% a 1,7% da população do Brasil contraíram o vírus C
(HCV), sendo que entre 1999 e 2011, foram registrados 82.041 novos
casos, inúmeros pacientes permanecem sem tratamento e sem previsão para
começar.
A questão
recorrente dos portadores do vírus da hepatite C, com fibrose hepática
grau 1 a 2 ou em estágio inicial da doença, permanece: até quando
deverão aguardar até a disponibilização dos novos medicamentos?
Vale mencionar
que a distribuição das novas drogas orais para a sociedade, com o vírus
da hepatite C, reduzirá consideravelmente a probabilidade de agravamento
dos efeitos da doença, tais como, a fibrose hepática, a cirrose e o
câncer hepático, bem como os gastos do Sistema Público.
Todavia, o real acesso universal ao tratamento é um sonho distante de muitos brasileiros.
Em razão dos
entraves burocráticos, consequentemente, a famigerada demora na obtenção
dos remédios na rede pública no Brasil, os pacientes passaram a buscar
auxilio junto aos convênios médicos particulares para realizarem o
tratamento mais moderno.
Apesar dos
benefícios amplamente divulgados, os planos de saúde negam fornecimento
das drogas novas utilizadas no tratamento contra o vírus da hepatite C,
sob a alegação de serem de uso oral.
Cumpre destacar
que as operadoras devem colocar à disposição dos beneficiários todas as
técnicas disponíveis, inclusive o uso das drogas orais prescritas pelo
médico, principalmente, o medicamento reconhecido mundialmente por
garantir uma taxa de cura que ultrapassa 90% (noventa por cento).
O STJ já consolidou o referido entendimento: "Seguro
saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. Tratamento com quimioterapia.
Cláusula abusiva. 1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças
estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para
a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é
inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das
alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula
reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente,
em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com
o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença
coberta. 2. Recurso especial conhecido e provido." (RESP n° 668.216 – SP, Relator: Carlos Alberto Menezes Direito, julgado 15 de março de 2007)
Nessa mesma linha de raciocínio, o TJ/SP editou a súmula 102,
nos seguintes termos: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a
negativa de cobertura de custeio de tratamento sob argumento da sua
natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos
da ANS".
Diante disso, não
restam dúvidas acerca da obrigatoriedade das operadoras de saúde em
custear o tratamento integral indicado pelos médicos e que os números de
processos judiciais tendem a aumentar se o beneficiário não obter a
contemplação dos seus direitos.
Com o intuito de
coibir as práticas abusivas, o Judiciário vem repelindo as negativas de
fornecimento dos medicamentos modernos em combate ao vírus da hepatite
C, sendo uma esperança para os pacientes desamparados pelo sistema
público brasileiro.
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*Tatiana Harumi Kota
é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa - UFV,
pós-graduada em Direito Contratual pela Pontífica Universidade Católica –
PUC/SP e advogada, especialista em direito à saúde, no Vilhena Silva Sociedade de Advogados.
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