Quando se fala em problemática atual das comunidades indígenas, não se pode dizer que nasceram na atualidade, mas sim, que são resquícios de problemas que nasceram ainda na colonização, por este o fato de tanto se estudar os primeiros séculos do “descobrimento” do Brasil.
Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afeta consideravelmente a auto estima dos seres humanos indígenas.
Além do processo de colonização, conforme Eliane Potiguara, houve no Brasil o processo de Neocolonização, que foi o período em que o interior do Brasil passou a ser ocupado, acabando de inúmeras formas com as comunidades indígenas, período este que foi até em meados do século XX. Assim, houve intromissão de inúmeros segmentos, como as madeireiras, os garimpeiros, latifundiários, mineradoras, hidrelétricas, rodovias, entre outros. Conforme a citada autora, esta intromissão “causou nas últimas décadas o desmatamento, o assoreamento de rios, a poluição ambiental e a diminuição da diversidade local, trazendo as enfermidades, a fome e o empobrecimento compulsório da população indígena.”
Deste modo, neste capítulo serão estudados os problemas que estes povos enfrentam, com enfoque na questão fundiária e na relação do índio com a natureza.
DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS
O século XX foi marcado pela industrialização global, porém as industrializações foram feitas de forma desenfreada, com o intuito de lucro imediato, sem se pensar em proteger o meio ambiente, posto que ainda não havia a conscientização ambiental.
Além dos fatores de degradação ambiental que ocorria em todo o mundo gerados pelo desenvolvimento econômico e industrial das grandes cidades, o interior do Brasil, que ainda tinha suas florestas nativas intactas, passou a ser povoado, a fim de iniciar o processo de plantio e agropecuária das regiões Norte, Centro Oeste, Sul e Sudeste do País, sendo que as comunidades indígenas que ainda não tinham sido “descobertas” passaram a ser desbravadas neste processo de Neocolonização.
A partir de então, as aldeias passaram a ter seu espaço reduzido e os problemas passaram a evoluir.
A Amazônia, como explica Leonardo Boff, principalmente durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem terra”. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental, hidroelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas.
Da mesma forma, Paulo de Bessa Antunes explica que:
Os graves problemas fundiários existentes no Brasil, igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolva os problemas relativos às terras indígenas. Assim, na medida em que a expansão da fronteira agrícola verificada na década de 70 do século XX e a construção de diversas rodovias, tais como a Transamazônica, implicaram o deslocamento de inúmeros povos indígenas das terras que tradicionalmente ocupavam ou mesmo a invasão das terras indígenas por colonos originários das mais diferentes regiões do País.
Não eram somente os indígenas da Amazônia que sentiam os problemas gerados pela degradação do meio ambiente, eles eram sentidos em todo o território nacional, devido à exploração das matas nativas, da construção de hidroelétricas e da construção de rodovias, que serão estudados a seguir.
Construção de rodovias e hidroelétricas
O período que antecedeu a criação do SPI, até meados do século XX, continuou sendo de bruto massacre contra os indígenas . No entanto, estes massacres eram em decorrência do desenvolvimento do País, das construções de hidroelétricas e rodovias, bem como do avanço da agropecuária.
O antropólogo Sílvio Coelho dos Santos relata alguns destes fatos, como da construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, em que a população indígena da etnia Kaingang foi praticamente dizimada. Neste local, os trabalhadores “brincavam de passarinhar” índios, ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros.
Da mesma forma, o antropólogo relata fatos ocorridos nas construções de hidroelétricas, como no caso dos indígenas da reserva de Ibirama, localizada no Vale do Itajaí em Santa Catarina, em que a construção da hidroelétrica ocasionou diversos problemas à comunidade indígena, pelo fato de terem sido inundadas suas terras e não ter sido feito nenhum projeto preventivo para eles, como narra Silvio Coelho dos Santos:
Logo que aconteceram as primeiras enchentes, os Índios de Ibirama tiveram prejuízos concretos. Roças foram inundadas; casas destruídas; currais e depósitos carregados pelas águas; animais mortos. As reclamações começaram a ser feitas, as primeiras indenizações dos prejuízos causados começaram a se concretizar. Entretanto, nenhum trabalho esclarecedor procedeu essa entrega de recursos. Resultado, em poucos meses os indígenas haviam repassado os ganhos da indenização para o comércio de Ibirama.(...) Em decorrência da falta de planejamento e da inépcia administrativa, a população indígena de Ibirama abandonou quase que totalmente as práticas agrícolas e a pequena criação. A depredação de recursos florestais é enorme.
Como visto, este empreendimento acarretou em inúmeros problemas para a população indígena de Ibirama, tendo em vista que eles perderam parte de sua terra produtiva, perdendo então sua subsistência, necessitando do comércio local para sobreviver, haja vista não tendo eles conhecimento sobre o dinheiro, acabaram perdendo em poucos meses todo o dinheiro recebido na indenização em compra de alimentos. Além deste fato, como o local era rico em biodiversidade, diversos madeireiros da região passaram a agredi-lo, gerando grande devastação da área, sendo que o lucro que os madeireiros receberam muitas vezes não era repassado aos indígenas e quando o era, o valor era irrisório.
Este fato ocorreu no início da década de 80. Todavia, as consequências ainda são vistas na atualidade, onde os indígenas vivem na miserabilidade, necessitando de políticas públicas assisteciancialistas para a sobrevivência, ocasionando, assim, outras consequências, como o alcoolismo e a prática de delitos.
Caso parecido com esse ocorreu em 2002, na construção da hidroelétrica na cidade de Minaçu, em Goiás, onde parte das terras dos índios da etnia Avá-Canoeiro foi inundada e “as áreas utilizadas pela tribo para cultivo, assim como a vegetação, cachoeiras e outras barreiras naturais, ficaram submersas”.
Em relação às rodovias, uma das mais dramáticas histórias foi a da rodovia que liga a cidade de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso à cidade de Santarém, no estado do Pará, a BR-163, conhecida como rodovia Transamazônica, uma das mais extensas do País. Ela foi construída durante o Regime Militar, há 38 anos.
Como conta o Coronel Severo em reportagem feita pelo Jornal Nacional, durante o período da construção os caminhões traziam a mensagem “integrar para não entregar a Amazônia”. Isto porque, naquela região, viviam índios Panarás, que nunca tinham sido contatados. Desta forma, acreditava-se que era necessário integrá-los à Comunhão Nacional para que o Brasil não perdesse a Floresta Amazônica. Porém, graças ao trabalho dos irmãos Villas Bôas, durante os contatos não houve conflitos, mas por conta das doenças que os homens brancos transmitiram aos indígenas, mais precisamente o sarampo, dois anos depois havia somente 82 índios Panarás naquela região.
Além dos problemas causados durante a construção das rodovias, hoje o principal problema é a questão de haver estradas que “cortam” as aldeias, trazendo diversos problemas dos “não índios” para dentro da comunidade, além de haver vários atropelamentos dentro das aldeias.
Conclui-se então que o desenvolvimento do País com a construção de hidroelétricas e de rodovias gerou diversos problemas às comunidades indígenas.
Intensificação da Agropecuária
Também durante o Regime Militar, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por índios passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária.
O sociólogo Octavio Ianni analisa em sua obra “Ditadura e Agricultura” o desenvolvimento do País durante este período e os prejuízos causados na Floresta Amazônica no período de expansão capitalista, bem como os prejuízos causados às Comunidades Indígenas neste período na região amazônica.
As terras tribais eram praticamente todas as terras da região. Depois, pouco a pouco, ou com rápida violência, os indígenas foram sendo rechaçados de suas terras. A catequese, a evangelização, o extrativismo, a pecuária, a agricultura sob as mais diferentes formas, estenderam a sociedade e a comunhão nacionais pelas terras, comunidades e culturas indígenas.
Assim como Octavio Ianni, Leonardo Boff também faz críticas ao processo de intensificação da agropecuária na Amazônia durante o regime militar, em que conclui que “as maiores vítimas da penetração de relação de exploração das riquezas da Amazônia foram, entretanto, os indígenas”.
Assim como ocorreu durante o regime militar nas comunidades indígenas da Amazônia, Friedl Paz Grünberg explica que no Estado do Mato Grosso do Sul, com os indígenas Guaranis, ocorreu o mesmo. Várias aldeias guaranis foram com o tempo perdendo espaço para os grandes latifundiários:
As atividades de desmatamento começaram a ser executadas de forma cada vez mais intensa nos anos 70 e 80 do século passado. O comércio de madeira foi a atividade mais importante, o grande negócio que hoje latifundiários e madeireiros desejariam possuir. Com exceção de plantios de milho e de soja, hoje em dia nesta região predomina a criação de gado bovino. Para isso foram semeadas, nas áreas desmatadas, os capins africanos do gênero brachiária para pasto, que é extremamente agressivo e se espalha facilmente sobre cada pedacinho livre de terra, e que se espalhou, também, sobre a superfície de cultivo dos guarani.
Este fato demonstra que a pecuária também prejudicou as comunidades indígenas, tendo em vista que os pastos atingiram o cultivo dos indígenas, como explicado pelo citado autor.
INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A NATUREZA
Dos estudos que se têm notícia, colhe-se o ensinamento de que o indígena sempre teve uma relação harmoniosa com a natureza, como já explicado por Rousseau e Luiz Donizete Grupioni. Neste mesmo sentido, a consultora da Universidade Pedagógica Nacional do México, Maritza Gómez Muñoz, que conviveu com indígenas dos Altos Chiapas, concluiu que o indígena valoriza o saber comunitário e a natureza, a chamada “mãe terra”. Em um de seus estudos, aliados à análise antropológica e à convivência junto aos maya-tzeltal, relata que:
No cultivo, o homem os faz irmãos. O milharal representa o espaço potencial da nutrição; no cultivo estão implícitos os saberes do alimento da memória ancestral. Os saberes que surgem dessa convivência cotidiana referem-se não só ao cultivo; vai sendo estruturada uma noção de si mesmo originada na tarefa e nas atividades e disposições requeridas para a aprendizagem do saber cultivar. Entre os diversos traços e emoções implicados no desempenho, está um longo tempo dedicado ao silêncio e ao sofrimento. A existência fica impregnada de ‘força vital’ através do cultivo como saber sagrado. Para saber cultivar, é necessário o respeito à ‘mãe-terra’ e o cuidado.
Seu relato explicita quão importante é a terra para o indígena. E justamente por adorarem a terra, a protegem, uma vez que estes povos contam, na prática, somente com os recursos ambientais bióticos e abióticos para realizar suas necessidades de subsistência; sua cultura, com relação às atividades agrícolas, por exemplo, não está voltada para o consumo de bens de mercado, como adubos ou implementos agrícolas. Por conseguinte, não faz parte dos costumes e hábitos indígenas este tipo de relação com o mercado, pois vivem uma realidade própria, diversa da do homem ocidental comum.
Os indígenas, assim como as ditas comunidades tradicionais, respeitam o meio ambiente, visto que ele é o meio de vida deles. Sua sobrevivência é diretamente dependente da conservação da natureza. Uma reportagem realizada por Anthony Anderson e Darrell Posey, em 1987, pela revista “Ciência Hoje”, foi abordada pesquisa sobre o reflorestamento feito por índios Kayapós, no sul do Pará. Desta pesquisa, concluiu-se que é possível cultivar a terra sem prejuízo do ecossistema, pelo recurso e técnicas de manejo que, ao contrário das usualmente empregada por nós, respeitam as características básicas das áreas manejadas e fomentam a diversidade que lhes é própria.
Esta pesquisa mais uma vez demonstra o conhecimento que estas populações têm ao manejar o meio ambiente, manejo este que não compromete o ecossistema e acaba beneficiando o solo.
Conforme os estudos de Leonardo Boff acerca a Floresta Amazônica, as comunidades indígenas desenvolveram grande manejo de floresta, todavia respeitando a singularidade de cada espécie, não destruindo a natureza. Conclui que “ser humano e floresta evoluíram juntos numa profunda reciprocidade” , o que resta demonstrado o respeito do indígena para com a natureza.
Nestes termos, Paulo de Bessa Antunes ressalta que:
Outro aspecto extremamente importante a ser observado é o da íntima relação entre os povos indígenas e a preservação do meio ambiente e a ecologia. Os povos indígenas são, dentre todos, aqueles cujas formas de vida guardam maior proximidade com a natureza e o meio ambiente. A preservação do meio ambiente é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.
Há que se considerar então que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica.
Privação do Uso da Terra
Como estudado, a terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.
Conforme estudo acerca da situação dos índios da etnia Guarani, do Mato Grosso do Sul, realizada por Friedl Paz Grünberg, conclui-se que a principal fonte das problemáticas destes índios é a perda da terra, das florestas:
O prejuízo advindo da perda da floresta vai muito além do componente econômico. Para os guarani a floresta com seus campos naturais era "tudo o que contava", era tudo o que conheciam do mundo, era o seu mundo. Domesticar a floresta com seus perigos era a oportunidade que tinham os homens para desenvolver sua personalidade e para obter prestígio. A comunicação vital com os animais e com os espíritos da floresta permitia-lhes desenvolver sua rica vida espiritual. Tudo isto está irremediavelmente perdido, pois com a perda da floresta, também se perdeu, quase ao mesmo tempo, os saberes a ela relacionados e a prática da convivência vital com as plantas e os animais.
Hoje se encontram diversos problemas de ordem sociais ocasionados pela falta de terra, acarretando em falta de produtividade. Além da falta de terra, muitas aldeias estão em áreas em que não há solo fértil, tampouco caça e pesca, ou então, estão em áreas que não podem ser cultivadas, como era o caso da Aldeia Araçá-Í, localizada no município de Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, tendo em vista que ela está inserida em área de preservação ambiental da SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná), não podendo ser mantida agricultura neste local. Desta feita, desde o ano de 2000, data em que passaram a viver neste local, recebem cestas básicas do governo.
No entanto, no caso da Aldeia Araçá-Í, o Ministério Público do Estado do Paraná realizou Termo de Ajustamento de Conduta com a SANEPAR garantindo um espaço para que a população desta aldeia possa cultivar alimentos para subsistência.
Ocorre que, em outros casos, esta forma de solução não foi tomada, tendo os indígenas como única forma de subsistência a arrecadação de cestas básicas de entidades governamentais e não governamentais.
Políticas Assistencialistas
Como forma de diminuir as desigualdades sociais entre os “homens brancos” e os indígenas, o País adotou a política assistencialista, tendo em vista que o Estado fornece suprimentos aos indígenas, como doação de cestas básicas, sem se preocupar com a autosustentabilidade do indígena, o que prejudica a qualidade de vida destes povos. Marcos Terena, indígena e coordenador de defesa dos direitos indígenas da ONU, enfatiza que a falta de terras faz com que o índio produza menos, fazendo com que dependa do Estado e conclui que: “essa política assistencialista, de doação de cestas básicas, adotada por alguns governos, não melhora a qualidade de vida e sim aumenta a dependência, além disso colabora para que estas injustiças se perpetuem.”
Verifica-se que a maioria das aldeias não são autosuficientes, necessitando então de políticas públicas assistencialistas para a sobrevivência.
PROBLEMAS ATUAIS
Alcoolismo
O alcoolismo entre os indígenas tem sido um dos principais problemas das comunidades indígenas. Em projeto desenvolvido pela FUNASA nas aldeias Ocoy, Mangueirinha, Rio das Cobras, Araçá-Í, São Jerônimo da Serra e Apucaraninha, do Estado do Paraná, constatou-se que o alcoolismo é uma “questão social, uma vez que ele é gerado pela ociosidade, falta de inserção no mercado de trabalho, falta de perspectivas e fácil acesso à bebida”. (Informação Verbal) .
Os índios, conforme suas tradições, sempre tiveram contato com a bebida alcoólica fermentada, produzida por eles mesmos em rituais típicos. Um exemplo é a bebida típica dos indígenas da etnia Kaingang, o Kiki, que é produzida de forma fermentada, à base de milho e mel.
Entretanto, com a colonização, foram introduzidos alambiques nas aldeias, fazendo com que o índio passasse a consumir bebida destilada. Para Henrique Carneiro, a bebida destilada foi mais uma das formas de dizimação da cultura das comunidades indígenas no período colonial.
Em estudo realizado pela psicóloga da Fundação Nacional da Saúde, órgão responsável pela saúde indígena, conclui-se que, a princípio, as bebidas fermentadas “não provocavam transtornos de ordem física ou biológica, como acontece agora com as bebidas destiladas”.
Então, a bebida alcoólica é mais um dos problemas que a sociedade “não índia” envolveu o indígena. Em consequência do uso do álcool, diversos outros problemas são acarretados, como explica Camila Borges:
O consumo de álcool aparece com frequência no quadro de morbidade ambulatorial. Tem sido identificado como principal coadjuvante nas causas de mortalidade por fatores externos (acidentes, quedas, agressões, etc). Doenças como cirrose, diabetes, pressão arterial, doenças do coração, estresse e depressão também são identificadas como co-morbidades ligadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.
O problema do alcoolismo está presente em diversas aldeias do Brasil e, além dos problemas citados acima, desencadeia outros problemas, como o cometimento de crimes e a desnutrição. Isso porque muitas vezes os indígenas acabam trocando alimentos recebidos pelo governo por bebidas alcoólicas, ao revés de utilizarem os alimentos para a sua subsistência e de sua família.
Em relação à prática de delitos, o indígena fica mais suscetível ao cometimento de crimes quando há influência de álcool. Em pesquisa acerca da situação dos detentos indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, constatou-se que dos processos criminais em trâmite, envolvendo autores indígenas, em 21% o autor estava sob influência de álcool; 1% a vítima estava alcoolizada; e 36% autor e vítima estavam alcoolizados, sendo que somente 42% não havia evidência de álcool.
Essa pesquisa demonstra que o álcool, além de causar doenças e interferir na cultura, acaba influenciando na prática de delitos.
Suicídio
Infelizmente, o suicídio tem sido uma prática comum entre os indígenas, principalmente entre a etnia Guarani, visto que eles sempre tiveram como ideário de vida a liberdade, as terras e os cultivos. Além disso, os “não índios” têm intervindo há centenas de anos na cultura e na crença destes povos, o que faz com que cause perda de referências e desestruturação da sociedade indígena.
Émile Durkheim aponta quatro definições de suicídio dentro do aspecto sociológico, quais sejam, egoísta, altruísta, fatalista e anômico. Este último é característico dos suicídios ocorridos nas sociedades indígenas, uma vez que esta forma de suicídio é aquela em que um grupo social perde sua identidade e as pessoas inseridas neste meio acabam cometendo este ato.
Tatiana Azambuja Ujacow Martins, em sua pesquisa na aldeia Bororó, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul, explicita que:
Observa-se que as causas de suicídio, na maioria das vezes, são atribuídas à bebida, às drogas, ao feitiço, à fatores sobrenaturais ou à desesperança. Porém, esses fatores estão intrinsecamente ligados à morte da cultura indígena. Toda a interferência do não-índio na vida do índio resultou em um etnocídio. Hoje, o índio não se percebe mais, não sabe mais quem ele é. Nota-se, também, que a bebida serviria como fator encorajador do suicídio. Percebe-se que os índios vivem uma crise de identidade e auto-imagem, o que leva a pensar que, quando se suicidam, não estão matando eles mesmos, porque não existe mais eu. O ego cultural se foi, junto com seus rios e com suas matas.
Em pesquisa realizada por Cleane S. de Oliveira e Francisco Lotufo Neto, acerca das estatísticas de suicídio em povos tradicionais, conclui-se que, entre todas as comunidades tradicionais, o maior índice está entre os indígenas.
Este estudo revela, então, que os problemas que as comunidades indígenas enfrentam atualmente estão todos interligados. Os principais causadores são as interferências do “não índio” na cultura indígena, assim como a falta de terras e de produtividade. Estes problemas, muitas vezes, acarretam o alcoolismo que, por sua vez, impulsiona o suicídio.
Desnutrição
A desnutrição é uma das principais causas de óbito de crianças indígenas, sendo que no ano de 2007 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a causa da desnutrição. De acordo com o Programa do Governo Federal, Fome Zero , em 2000 a incidência de desnutrição era de 74,6 casos para cada 1000 índios, enquanto que em 2007 este número foi reduzido para 46,7.
A maioria dos casos de desnutrição está diretamente ligada ao alcoolismo, visto que muitos indígenas trocam alimentos por bebidas, deixando de alimentar para beber, ou então, os pais, por serem alcoolistas, não dão atendimento necessário aos filhos, deixando-os em estado de desnutrição, como explica Camila Borges: “sabe-se também que várias crianças apresentam patologias ligadas à situação dos pais alcoolistas, como a desnutrição”.
Em Relatório de Violência contra os povos indígenas dos anos de 2003 a 2005, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), constatou que o falecimento de crianças por desnutrição da etnia Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, estão diretamente ligadas à situação atual da comunidade, como a escassez de terra para plantar e alto índice de desemprego e de alcoolismo.
Resta demonstrado que os problemas atuais das comunidades indígenas estão todos interligados, sendo que todos são consequência do descaso do governo para com os índios durante centenas de anos e hoje sofrem por não terem terras e não poderem mais produzir alimentos como antigamente.
Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afeta consideravelmente a auto estima dos seres humanos indígenas.
Além do processo de colonização, conforme Eliane Potiguara, houve no Brasil o processo de Neocolonização, que foi o período em que o interior do Brasil passou a ser ocupado, acabando de inúmeras formas com as comunidades indígenas, período este que foi até em meados do século XX. Assim, houve intromissão de inúmeros segmentos, como as madeireiras, os garimpeiros, latifundiários, mineradoras, hidrelétricas, rodovias, entre outros. Conforme a citada autora, esta intromissão “causou nas últimas décadas o desmatamento, o assoreamento de rios, a poluição ambiental e a diminuição da diversidade local, trazendo as enfermidades, a fome e o empobrecimento compulsório da população indígena.”
Deste modo, neste capítulo serão estudados os problemas que estes povos enfrentam, com enfoque na questão fundiária e na relação do índio com a natureza.
DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS
O século XX foi marcado pela industrialização global, porém as industrializações foram feitas de forma desenfreada, com o intuito de lucro imediato, sem se pensar em proteger o meio ambiente, posto que ainda não havia a conscientização ambiental.
Além dos fatores de degradação ambiental que ocorria em todo o mundo gerados pelo desenvolvimento econômico e industrial das grandes cidades, o interior do Brasil, que ainda tinha suas florestas nativas intactas, passou a ser povoado, a fim de iniciar o processo de plantio e agropecuária das regiões Norte, Centro Oeste, Sul e Sudeste do País, sendo que as comunidades indígenas que ainda não tinham sido “descobertas” passaram a ser desbravadas neste processo de Neocolonização.
A Amazônia, como explica Leonardo Boff, principalmente durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem terra”. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental, hidroelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas.
Da mesma forma, Paulo de Bessa Antunes explica que:
Os graves problemas fundiários existentes no Brasil, igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolva os problemas relativos às terras indígenas. Assim, na medida em que a expansão da fronteira agrícola verificada na década de 70 do século XX e a construção de diversas rodovias, tais como a Transamazônica, implicaram o deslocamento de inúmeros povos indígenas das terras que tradicionalmente ocupavam ou mesmo a invasão das terras indígenas por colonos originários das mais diferentes regiões do País.
Não eram somente os indígenas da Amazônia que sentiam os problemas gerados pela degradação do meio ambiente, eles eram sentidos em todo o território nacional, devido à exploração das matas nativas, da construção de hidroelétricas e da construção de rodovias, que serão estudados a seguir.
Construção de rodovias e hidroelétricas
O período que antecedeu a criação do SPI, até meados do século XX, continuou sendo de bruto massacre contra os indígenas . No entanto, estes massacres eram em decorrência do desenvolvimento do País, das construções de hidroelétricas e rodovias, bem como do avanço da agropecuária.
O antropólogo Sílvio Coelho dos Santos relata alguns destes fatos, como da construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, em que a população indígena da etnia Kaingang foi praticamente dizimada. Neste local, os trabalhadores “brincavam de passarinhar” índios, ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros.
Da mesma forma, o antropólogo relata fatos ocorridos nas construções de hidroelétricas, como no caso dos indígenas da reserva de Ibirama, localizada no Vale do Itajaí em Santa Catarina, em que a construção da hidroelétrica ocasionou diversos problemas à comunidade indígena, pelo fato de terem sido inundadas suas terras e não ter sido feito nenhum projeto preventivo para eles, como narra Silvio Coelho dos Santos:
Logo que aconteceram as primeiras enchentes, os Índios de Ibirama tiveram prejuízos concretos. Roças foram inundadas; casas destruídas; currais e depósitos carregados pelas águas; animais mortos. As reclamações começaram a ser feitas, as primeiras indenizações dos prejuízos causados começaram a se concretizar. Entretanto, nenhum trabalho esclarecedor procedeu essa entrega de recursos. Resultado, em poucos meses os indígenas haviam repassado os ganhos da indenização para o comércio de Ibirama.(...) Em decorrência da falta de planejamento e da inépcia administrativa, a população indígena de Ibirama abandonou quase que totalmente as práticas agrícolas e a pequena criação. A depredação de recursos florestais é enorme.
Como visto, este empreendimento acarretou em inúmeros problemas para a população indígena de Ibirama, tendo em vista que eles perderam parte de sua terra produtiva, perdendo então sua subsistência, necessitando do comércio local para sobreviver, haja vista não tendo eles conhecimento sobre o dinheiro, acabaram perdendo em poucos meses todo o dinheiro recebido na indenização em compra de alimentos. Além deste fato, como o local era rico em biodiversidade, diversos madeireiros da região passaram a agredi-lo, gerando grande devastação da área, sendo que o lucro que os madeireiros receberam muitas vezes não era repassado aos indígenas e quando o era, o valor era irrisório.
Este fato ocorreu no início da década de 80. Todavia, as consequências ainda são vistas na atualidade, onde os indígenas vivem na miserabilidade, necessitando de políticas públicas assisteciancialistas para a sobrevivência, ocasionando, assim, outras consequências, como o alcoolismo e a prática de delitos.
Caso parecido com esse ocorreu em 2002, na construção da hidroelétrica na cidade de Minaçu, em Goiás, onde parte das terras dos índios da etnia Avá-Canoeiro foi inundada e “as áreas utilizadas pela tribo para cultivo, assim como a vegetação, cachoeiras e outras barreiras naturais, ficaram submersas”.
Em relação às rodovias, uma das mais dramáticas histórias foi a da rodovia que liga a cidade de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso à cidade de Santarém, no estado do Pará, a BR-163, conhecida como rodovia Transamazônica, uma das mais extensas do País. Ela foi construída durante o Regime Militar, há 38 anos.
Como conta o Coronel Severo em reportagem feita pelo Jornal Nacional, durante o período da construção os caminhões traziam a mensagem “integrar para não entregar a Amazônia”. Isto porque, naquela região, viviam índios Panarás, que nunca tinham sido contatados. Desta forma, acreditava-se que era necessário integrá-los à Comunhão Nacional para que o Brasil não perdesse a Floresta Amazônica. Porém, graças ao trabalho dos irmãos Villas Bôas, durante os contatos não houve conflitos, mas por conta das doenças que os homens brancos transmitiram aos indígenas, mais precisamente o sarampo, dois anos depois havia somente 82 índios Panarás naquela região.
Além dos problemas causados durante a construção das rodovias, hoje o principal problema é a questão de haver estradas que “cortam” as aldeias, trazendo diversos problemas dos “não índios” para dentro da comunidade, além de haver vários atropelamentos dentro das aldeias.
Conclui-se então que o desenvolvimento do País com a construção de hidroelétricas e de rodovias gerou diversos problemas às comunidades indígenas.
Intensificação da Agropecuária
Também durante o Regime Militar, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por índios passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária.
O sociólogo Octavio Ianni analisa em sua obra “Ditadura e Agricultura” o desenvolvimento do País durante este período e os prejuízos causados na Floresta Amazônica no período de expansão capitalista, bem como os prejuízos causados às Comunidades Indígenas neste período na região amazônica.
As terras tribais eram praticamente todas as terras da região. Depois, pouco a pouco, ou com rápida violência, os indígenas foram sendo rechaçados de suas terras. A catequese, a evangelização, o extrativismo, a pecuária, a agricultura sob as mais diferentes formas, estenderam a sociedade e a comunhão nacionais pelas terras, comunidades e culturas indígenas.
Assim como Octavio Ianni, Leonardo Boff também faz críticas ao processo de intensificação da agropecuária na Amazônia durante o regime militar, em que conclui que “as maiores vítimas da penetração de relação de exploração das riquezas da Amazônia foram, entretanto, os indígenas”.
Assim como ocorreu durante o regime militar nas comunidades indígenas da Amazônia, Friedl Paz Grünberg explica que no Estado do Mato Grosso do Sul, com os indígenas Guaranis, ocorreu o mesmo. Várias aldeias guaranis foram com o tempo perdendo espaço para os grandes latifundiários:
As atividades de desmatamento começaram a ser executadas de forma cada vez mais intensa nos anos 70 e 80 do século passado. O comércio de madeira foi a atividade mais importante, o grande negócio que hoje latifundiários e madeireiros desejariam possuir. Com exceção de plantios de milho e de soja, hoje em dia nesta região predomina a criação de gado bovino. Para isso foram semeadas, nas áreas desmatadas, os capins africanos do gênero brachiária para pasto, que é extremamente agressivo e se espalha facilmente sobre cada pedacinho livre de terra, e que se espalhou, também, sobre a superfície de cultivo dos guarani.
Este fato demonstra que a pecuária também prejudicou as comunidades indígenas, tendo em vista que os pastos atingiram o cultivo dos indígenas, como explicado pelo citado autor.
INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A NATUREZA
Dos estudos que se têm notícia, colhe-se o ensinamento de que o indígena sempre teve uma relação harmoniosa com a natureza, como já explicado por Rousseau e Luiz Donizete Grupioni. Neste mesmo sentido, a consultora da Universidade Pedagógica Nacional do México, Maritza Gómez Muñoz, que conviveu com indígenas dos Altos Chiapas, concluiu que o indígena valoriza o saber comunitário e a natureza, a chamada “mãe terra”. Em um de seus estudos, aliados à análise antropológica e à convivência junto aos maya-tzeltal, relata que:
No cultivo, o homem os faz irmãos. O milharal representa o espaço potencial da nutrição; no cultivo estão implícitos os saberes do alimento da memória ancestral. Os saberes que surgem dessa convivência cotidiana referem-se não só ao cultivo; vai sendo estruturada uma noção de si mesmo originada na tarefa e nas atividades e disposições requeridas para a aprendizagem do saber cultivar. Entre os diversos traços e emoções implicados no desempenho, está um longo tempo dedicado ao silêncio e ao sofrimento. A existência fica impregnada de ‘força vital’ através do cultivo como saber sagrado. Para saber cultivar, é necessário o respeito à ‘mãe-terra’ e o cuidado.
Seu relato explicita quão importante é a terra para o indígena. E justamente por adorarem a terra, a protegem, uma vez que estes povos contam, na prática, somente com os recursos ambientais bióticos e abióticos para realizar suas necessidades de subsistência; sua cultura, com relação às atividades agrícolas, por exemplo, não está voltada para o consumo de bens de mercado, como adubos ou implementos agrícolas. Por conseguinte, não faz parte dos costumes e hábitos indígenas este tipo de relação com o mercado, pois vivem uma realidade própria, diversa da do homem ocidental comum.
Os indígenas, assim como as ditas comunidades tradicionais, respeitam o meio ambiente, visto que ele é o meio de vida deles. Sua sobrevivência é diretamente dependente da conservação da natureza. Uma reportagem realizada por Anthony Anderson e Darrell Posey, em 1987, pela revista “Ciência Hoje”, foi abordada pesquisa sobre o reflorestamento feito por índios Kayapós, no sul do Pará. Desta pesquisa, concluiu-se que é possível cultivar a terra sem prejuízo do ecossistema, pelo recurso e técnicas de manejo que, ao contrário das usualmente empregada por nós, respeitam as características básicas das áreas manejadas e fomentam a diversidade que lhes é própria.
Esta pesquisa mais uma vez demonstra o conhecimento que estas populações têm ao manejar o meio ambiente, manejo este que não compromete o ecossistema e acaba beneficiando o solo.
Conforme os estudos de Leonardo Boff acerca a Floresta Amazônica, as comunidades indígenas desenvolveram grande manejo de floresta, todavia respeitando a singularidade de cada espécie, não destruindo a natureza. Conclui que “ser humano e floresta evoluíram juntos numa profunda reciprocidade” , o que resta demonstrado o respeito do indígena para com a natureza.
Nestes termos, Paulo de Bessa Antunes ressalta que:
Outro aspecto extremamente importante a ser observado é o da íntima relação entre os povos indígenas e a preservação do meio ambiente e a ecologia. Os povos indígenas são, dentre todos, aqueles cujas formas de vida guardam maior proximidade com a natureza e o meio ambiente. A preservação do meio ambiente é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.
Há que se considerar então que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica.
Privação do Uso da Terra
Como estudado, a terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.
Conforme estudo acerca da situação dos índios da etnia Guarani, do Mato Grosso do Sul, realizada por Friedl Paz Grünberg, conclui-se que a principal fonte das problemáticas destes índios é a perda da terra, das florestas:
O prejuízo advindo da perda da floresta vai muito além do componente econômico. Para os guarani a floresta com seus campos naturais era "tudo o que contava", era tudo o que conheciam do mundo, era o seu mundo. Domesticar a floresta com seus perigos era a oportunidade que tinham os homens para desenvolver sua personalidade e para obter prestígio. A comunicação vital com os animais e com os espíritos da floresta permitia-lhes desenvolver sua rica vida espiritual. Tudo isto está irremediavelmente perdido, pois com a perda da floresta, também se perdeu, quase ao mesmo tempo, os saberes a ela relacionados e a prática da convivência vital com as plantas e os animais.
Hoje se encontram diversos problemas de ordem sociais ocasionados pela falta de terra, acarretando em falta de produtividade. Além da falta de terra, muitas aldeias estão em áreas em que não há solo fértil, tampouco caça e pesca, ou então, estão em áreas que não podem ser cultivadas, como era o caso da Aldeia Araçá-Í, localizada no município de Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, tendo em vista que ela está inserida em área de preservação ambiental da SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná), não podendo ser mantida agricultura neste local. Desta feita, desde o ano de 2000, data em que passaram a viver neste local, recebem cestas básicas do governo.
No entanto, no caso da Aldeia Araçá-Í, o Ministério Público do Estado do Paraná realizou Termo de Ajustamento de Conduta com a SANEPAR garantindo um espaço para que a população desta aldeia possa cultivar alimentos para subsistência.
Ocorre que, em outros casos, esta forma de solução não foi tomada, tendo os indígenas como única forma de subsistência a arrecadação de cestas básicas de entidades governamentais e não governamentais.
Políticas Assistencialistas
Como forma de diminuir as desigualdades sociais entre os “homens brancos” e os indígenas, o País adotou a política assistencialista, tendo em vista que o Estado fornece suprimentos aos indígenas, como doação de cestas básicas, sem se preocupar com a autosustentabilidade do indígena, o que prejudica a qualidade de vida destes povos. Marcos Terena, indígena e coordenador de defesa dos direitos indígenas da ONU, enfatiza que a falta de terras faz com que o índio produza menos, fazendo com que dependa do Estado e conclui que: “essa política assistencialista, de doação de cestas básicas, adotada por alguns governos, não melhora a qualidade de vida e sim aumenta a dependência, além disso colabora para que estas injustiças se perpetuem.”
Verifica-se que a maioria das aldeias não são autosuficientes, necessitando então de políticas públicas assistencialistas para a sobrevivência.
PROBLEMAS ATUAIS
Alcoolismo
O alcoolismo entre os indígenas tem sido um dos principais problemas das comunidades indígenas. Em projeto desenvolvido pela FUNASA nas aldeias Ocoy, Mangueirinha, Rio das Cobras, Araçá-Í, São Jerônimo da Serra e Apucaraninha, do Estado do Paraná, constatou-se que o alcoolismo é uma “questão social, uma vez que ele é gerado pela ociosidade, falta de inserção no mercado de trabalho, falta de perspectivas e fácil acesso à bebida”. (Informação Verbal) .
Os índios, conforme suas tradições, sempre tiveram contato com a bebida alcoólica fermentada, produzida por eles mesmos em rituais típicos. Um exemplo é a bebida típica dos indígenas da etnia Kaingang, o Kiki, que é produzida de forma fermentada, à base de milho e mel.
Entretanto, com a colonização, foram introduzidos alambiques nas aldeias, fazendo com que o índio passasse a consumir bebida destilada. Para Henrique Carneiro, a bebida destilada foi mais uma das formas de dizimação da cultura das comunidades indígenas no período colonial.
Em estudo realizado pela psicóloga da Fundação Nacional da Saúde, órgão responsável pela saúde indígena, conclui-se que, a princípio, as bebidas fermentadas “não provocavam transtornos de ordem física ou biológica, como acontece agora com as bebidas destiladas”.
Então, a bebida alcoólica é mais um dos problemas que a sociedade “não índia” envolveu o indígena. Em consequência do uso do álcool, diversos outros problemas são acarretados, como explica Camila Borges:
O consumo de álcool aparece com frequência no quadro de morbidade ambulatorial. Tem sido identificado como principal coadjuvante nas causas de mortalidade por fatores externos (acidentes, quedas, agressões, etc). Doenças como cirrose, diabetes, pressão arterial, doenças do coração, estresse e depressão também são identificadas como co-morbidades ligadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.
O problema do alcoolismo está presente em diversas aldeias do Brasil e, além dos problemas citados acima, desencadeia outros problemas, como o cometimento de crimes e a desnutrição. Isso porque muitas vezes os indígenas acabam trocando alimentos recebidos pelo governo por bebidas alcoólicas, ao revés de utilizarem os alimentos para a sua subsistência e de sua família.
Em relação à prática de delitos, o indígena fica mais suscetível ao cometimento de crimes quando há influência de álcool. Em pesquisa acerca da situação dos detentos indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, constatou-se que dos processos criminais em trâmite, envolvendo autores indígenas, em 21% o autor estava sob influência de álcool; 1% a vítima estava alcoolizada; e 36% autor e vítima estavam alcoolizados, sendo que somente 42% não havia evidência de álcool.
Essa pesquisa demonstra que o álcool, além de causar doenças e interferir na cultura, acaba influenciando na prática de delitos.
Suicídio
Infelizmente, o suicídio tem sido uma prática comum entre os indígenas, principalmente entre a etnia Guarani, visto que eles sempre tiveram como ideário de vida a liberdade, as terras e os cultivos. Além disso, os “não índios” têm intervindo há centenas de anos na cultura e na crença destes povos, o que faz com que cause perda de referências e desestruturação da sociedade indígena.
Émile Durkheim aponta quatro definições de suicídio dentro do aspecto sociológico, quais sejam, egoísta, altruísta, fatalista e anômico. Este último é característico dos suicídios ocorridos nas sociedades indígenas, uma vez que esta forma de suicídio é aquela em que um grupo social perde sua identidade e as pessoas inseridas neste meio acabam cometendo este ato.
Tatiana Azambuja Ujacow Martins, em sua pesquisa na aldeia Bororó, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul, explicita que:
Observa-se que as causas de suicídio, na maioria das vezes, são atribuídas à bebida, às drogas, ao feitiço, à fatores sobrenaturais ou à desesperança. Porém, esses fatores estão intrinsecamente ligados à morte da cultura indígena. Toda a interferência do não-índio na vida do índio resultou em um etnocídio. Hoje, o índio não se percebe mais, não sabe mais quem ele é. Nota-se, também, que a bebida serviria como fator encorajador do suicídio. Percebe-se que os índios vivem uma crise de identidade e auto-imagem, o que leva a pensar que, quando se suicidam, não estão matando eles mesmos, porque não existe mais eu. O ego cultural se foi, junto com seus rios e com suas matas.
Em pesquisa realizada por Cleane S. de Oliveira e Francisco Lotufo Neto, acerca das estatísticas de suicídio em povos tradicionais, conclui-se que, entre todas as comunidades tradicionais, o maior índice está entre os indígenas.
Este estudo revela, então, que os problemas que as comunidades indígenas enfrentam atualmente estão todos interligados. Os principais causadores são as interferências do “não índio” na cultura indígena, assim como a falta de terras e de produtividade. Estes problemas, muitas vezes, acarretam o alcoolismo que, por sua vez, impulsiona o suicídio.
Desnutrição
A desnutrição é uma das principais causas de óbito de crianças indígenas, sendo que no ano de 2007 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a causa da desnutrição. De acordo com o Programa do Governo Federal, Fome Zero , em 2000 a incidência de desnutrição era de 74,6 casos para cada 1000 índios, enquanto que em 2007 este número foi reduzido para 46,7.
A maioria dos casos de desnutrição está diretamente ligada ao alcoolismo, visto que muitos indígenas trocam alimentos por bebidas, deixando de alimentar para beber, ou então, os pais, por serem alcoolistas, não dão atendimento necessário aos filhos, deixando-os em estado de desnutrição, como explica Camila Borges: “sabe-se também que várias crianças apresentam patologias ligadas à situação dos pais alcoolistas, como a desnutrição”.
Em Relatório de Violência contra os povos indígenas dos anos de 2003 a 2005, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), constatou que o falecimento de crianças por desnutrição da etnia Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, estão diretamente ligadas à situação atual da comunidade, como a escassez de terra para plantar e alto índice de desemprego e de alcoolismo.
Resta demonstrado que os problemas atuais das comunidades indígenas estão todos interligados, sendo que todos são consequência do descaso do governo para com os índios durante centenas de anos e hoje sofrem por não terem terras e não poderem mais produzir alimentos como antigamente.
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