domingo, 2 de julho de 2017

Autor conta como eram feitas as cirurgias no passado

Autor conta como eram feitas as cirurgias no passado

Serrar a perna sem anestesia, instrumentos com o sangue de outros pacientes e experiências mal-sucedidas faziam com que a cirurgia fosse temida como a morte no passado, conta o inglês Richard Hollingham

por Tiago Mali
Sua mãe, enfermeira, sempre lhe disse: desconfie dos cirurgiões. O escritor inglês Richard Hollingham seguiu à risca os conselhos e descobriu em arquivos guardados nos porões de Londres histórias do lado obscuro da prática desses profissionais, quando a falta de higiene e de anestesia tornavam qualquer operação uma situação arriscadíssima. Entre picadores de gelo usados para furar o cérebro e corações de pessoas vivas tomados “de aluguel”, o jornalista da BBC conta na entrevista abaixo algumas das histórias impressionantes que encontrou durante sua pesquisa para seu livro “Sangue e Entranhas, A Assustadora História da Cirurgia”.


* O que mais o surpreendeu na pesquisa da história da cirurgia?
É chocante ver como, freqüentemente, os cirurgiões não tinham a menor ideia do que estavam fazendo e, mesmo assim, as pessoas confiavam neles. Se você for operado hoje, a não ser que seja uma cirurgia pioneira, você tem 99% de chance de não ter nenhuma complicação. Antes, era o oposto. Havia uma certa arrogância em muitos dos cirurgiões do passado que os levavam a conduzir procedimentos sem pensar nas consequências.

* Você pode citar exemplos dessa arrogância levou a erros?
O exemplo clássico de é Walter Freeman, que desenvolveu a operação de lobotomia [cirurgia de remoção de partes do cérebro que se acreditava curar a loucura]. Ele usou um número muito pequeno de evidências que esse tipo de operação poderia funcionar com loucos agressivos — talvez isso até funcionasse em poucos casos. Mesmo sem uma base confiável, fazia várias operações. Freeman perfurava um buraco, sem assepsia, na cabeça da pessoa e retirava partes na frente do cérebro. Para agilizar esse processo, desenvolveu uma técnica muito pior, a lobotomia transorbital. Chegou a fazer 25 operações em um dia enfiando um picador de gelo no topo do globo ocular, e fazendo que ele passasse por um osso bem fino até chegar ao cérebro, que seria lesionado. É chocante que ele achasse que isso funcionava e mais chocante ainda que as pessoas deixaram isso acontecer.
Editora Globo
O médico Walter Freeman fazendo uma lobotomia pelo globo ocular com o objetivo de curar doenças psiquiátricas // Reprodução
* Havia menos cuidado que hoje para fazer experimentos cirúrgicos?
A história da cirurgia é cheia de exemplos em que cirurgiões testaram no escuro para ver o que acontecia. Agora não é mais o caso, com o sistema de regulamentação moderna que temos no mundo.

* Quais foram os mais perigosos experimentos de cirurgiões?
É importante ressaltar que, na imensa maioria dos casos, os experimentos bizarros eram feitos como última alternativa, numa tentativa desesperada de salvar alguém que já iria morrer. Um desses casos foi a técnica de circulação cruzada. Antes da invenção da máquina coração-pulmão [que mantém a circulação e oxigenação do sangue fora do coração quando o órgão está sendo operado]. Tínhamos crianças doentes com um buraco ou mal funcionamento de veias no coração. Não havia forma de tratá-los, estavam condenadas a morrer. Se você tivesse qualquer chance de tratar uma pessoa assim, você deveria tentar. Foi o que fez o cirurgião americano Walton Lillehei (1918-1999). Para continuar filtrando o sangue durante uma cirurgia cardíaca, ele conectava as veias do paciente no coração de uma outra pessoa saudável, liberando o órgão lesionado para que fosse operado. O problema, é que você pode matar o paciente e a pessoa saudável. Ainda assim, na época, foi uma forma de salvar as vidas de crianças desesperadamente doentes e, em muitos casos, funcionou.

(Fonte: Revista Galileu).

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