Previdência: países misturam repartição e capitalização; saiba como funciona
Regime de 'contas virtuais' junta sistema de repartição, usado atualmente no Brasil, com o de capitalização, que equipe econômica quer introduzir na proposta de reforma da Previdência.
Por Alexandro Martello, G1 — Brasília
O Brasil conta atualmente com um sistema previdenciário chamado de
"repartição", no qual as aposentadorias são pagas com o dinheiro
arrecadado das contribuições dos trabalhadores na ativa.
Mas, na proposta de reforma da Previdência a ser enviada ao Congresso, a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro já indicou que quer promover uma mudança para o regime de capitalização – no qual os benefícios são pagos pelas contribuições feitas no passado pelos próprios trabalhadores.
Em países nórdicos, como Suécia e Noruega, entre outros, o sistema é um
híbrido, conhecido também como de "contas virtuais", ou "contas
nacionais", que fica no meio do caminho entre os regimes de repartição e
de capitalização. Esse sistema estabelece idades mínimas para a
aposentadoria, normalmente acima dos 60 anos.
No sistema de contas virtuais, as contribuições dos trabalhadores da
ativa financiam os benefícios de aposentados e pensionistas – como em um
regime de repartição –, mas os benefícios são calculados de acordo com
as contribuições feitas pelos beneficiários no passado, acumuladas e
indexadas por taxas de juros “virtuais” – como em uma conta individual
de um regime de capitalização.
De acordo com especialistas, esse sistema poderia ser a solução para
evitar perdas bilionárias na transição buscada pelo governo Bolsonaro da
repartição para a capitalização – uma equação sobre a qual a equipe
econômica está debruçada neste momento.
Essas perdas na mudança dos regimes, que segundo economistas poderiam
superar R$ 400 bilhões, ocorreriam porque, uma vez feita a mudança para o
sistema de capitalização, os trabalhadores passariam a contribuir para
sua aposentadoria individual, deixando de pagar os benefícios dos
trabalhadores que já estão aposentados.
Reforma da Previdência da equipe econômica propõe capitalização
Sistema híbrido
De acordo com o consultor legislativo do Senado Federal, Pedro Fernando
Nery, que fez um estudo sobre regime de contas virtuais, o sistema é
utilizado em países como Suécia, Noruega, Letônia, Polônia e Itália.
Outras nações, como Mongólia, Quirguistão, Azerbaijão e Turcomenistão,
na Ásia, e o Egito, na África, também têm sistemas de contas virtuais,
embora com distinções em relação ao desenho europeu.
Para ele, o sistema de “contas virtuais” aproveitaria as vantagens dos
dois regimes: a solidariedade do financiamento por repartição e a
relação mais clara entre contribuição-benefício do sistema de
capitalização.
Nas contas do analista, a simples transição de um regime de repartição,
que vigora atualmente, para o de capitalização custaria cerca de R$ 407
bilhões no caso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que
atende aos trabalhadores do setor privado, e outros R$ 15,7 bilhões para
os servidores públicos.
No sistema híbrido, segundo avaliação de Nery, não haveria perdas na
transição de um regime de repartição para o de capitalização porque as
contribuições dos trabalhadores na ativa continuariam financiando os
benefícios previdenciários, e nada seria investido no mercado
financeiro.
De acordo com Paulo Tafner, especialista em previdência social que
também auxiliou a atual equipe econômica com propostas, a adoção desse
sistema poderia ser uma possibilidade para evitar perdas com a mudança
da repartição para capitalização. “A vantagem é que não perde receita”,
declarou.
Porém, ele avaliou que o regime não é de “entendimento trivial” e isso poderia gerar dificuldade de compreensão.
“Imagina que o dinheiro dele está ali, mas não está ali. Não é de
capitalização, apesar de simular capitalização. Imagina explicar isso
para o trabalhador brasileiro”, afirmou.
Ele lembrou que na Suécia, onde esse sistema está sendo aplicado, as
pessoas têm maior grau de instrução e homogeneidade de rendimentos.
"Lá [Suécia], teve dificuldade de entendimento. É um sistema
interessante, tem muitos méritos, porque ajuda a equilibrar o sistema de
repartição, mas é bastante complicado para um trabalhador mediano no
país. Acha que tem [dinheiro] na conta, mas não tem. Aparece no extrato o
valor, mas não tem aquele dinheiro”, afirmou.
— Foto: Juliane Monteiro/G1
Correção dos depósitos
No sistema híbrido, as taxas de juros utilizadas para corrigir o valor
das dos benefícios costumam se basear no crescimento de salários, da
massa salarial ou do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, dependem do
crescimento da produtividade e do emprego, refletindo, portanto, a
própria capacidade da sociedade de pagar os benefícios. Também considera
a a expectativa de vida.
Esse regime, porém, transfere os riscos demográficos e econômicos para o
beneficiário. Se, por exemplo, a massa salarial, a produtividade e o
emprego recuarem, o valor do benefício também cai.
O consultor legislativo Pedro Nery afirma que esse sistema foi colocado
à prova na própria Suécia, onde nasceu, após a crise europeia – uma vez
que os ajustes automáticos levaram a cortes anuais consecutivos no
valor dos benefícios.
“Apesar das pressões políticas, o governo bancou o desenho do sistema,
que segue inalterado. Frise-se que os cortes em casos de retração
econômica possuem um limite mensal”, explicou em seu estudo sobre o
assunto.
Para fazer uma reforma da previdência mais profunda, por meio de
mudança na Constituição, são necessários os votos de ao menos 308 dos
513 deputados em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados, antes
de seguir ao Senado.
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