ATIVIDADES SEMIPRESENCIAIS EM
CURSOS SUPERIORES RECONHECIDOS
Tenho percebido que muitas
instituições de ensino superior se orgulham em afirmar que utilizam a educação
a distância em seus cursos reconhecidos, oferecendo 20% de sua carga horária
por essa modalidade.
Essa é uma conduta que não encontra amparo nas
normas legais vigentes, porquanto a única previsão normativa existente sobre o
tema é a Portaria MEC nº 4.059/2004, publicada no DOU em 13.12.2004
e, segundo o site do próprio Ministério da Educação, ainda vigente.
Com efeito, a permissão contida na referida
portaria é absolutamente clara ao estabelecer a possibilidade de oferta, no
limite máximo de 20% da carga horária do curso, de disciplinas adotando a
modalidade semipresencial, conforme expressamente disposto em seu artigo 1º,
especificamente no caput e no § 2º:
“Art. 1º As instituições de ensino superior
poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos
superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes
do currículo que utilizem modalidade semi-presencial,
com base no art. 81 da Lei nº 9.394, de 1.996, e no disposto nesta Portaria.
§ 2º Poderão ser ofertadas as disciplinas
referidas no caput, integral ou parcialmente, desde que esta
oferta não ultrapasse 20 % (vinte por cento) da carga horária total do curso.”
(grifamos)
Podemos verificar, assim, que os cursos superiores,
desde que reconhecidos, podem ofertar até 20% de sua carga horária com a adoção
de disciplinas que utilizem, integral ou parcialmente, a modalidade
semipresencial.
Evidentemente, esta situação deve estar
devidamente registrada no projeto pedagógico do curso, com a indicação clara
da(s) disciplina(s) que adote(m) a modalidade semipresencial, da carga horária
a ser cumprida na referida modalidade e das atividades a serem realizadas na
mesma, sendo fundamental registrar que as avaliações desta(s) disciplina(s),
seja(m) ela(s) ofertada(s) parcial ou integralmente na modalidade
semipresencial, deverão, obrigatoriamente, ser presenciais (portaria
mencionada, artigo 1º, § 3º).
Também é impositivo o atendimento à quantidade
mínima de 200 dias de trabalho acadêmico efetivo, constante do artigo 47 da LDB
(portaria mencionada, artigo 1º, § 4º).
Atendidas as condições legais necessárias à
adoção de disciplinas integral ou parcialmente ofertadas na modalidade
semipresencial, conforme acima apontadas, é importante que a instituição também
adote as cautelas administrativas e contratuais pertinentes, para evitar
questionamentos por parte dos alunos.
Com efeito, têm surgido demandas junto ao Poder
Judiciário aduzindo ser ilegal a oferta de atividades semipresenciais em cursos
presenciais, posição esta que tem recebido acolhida nas decisões proferidas,
sobretudo quando fica evidente que inexistiu qualquer tipo de adequada
informação prévia aos estudantes acerca da adoção desta modalidade, conforme
algumas decisões que considero adequado reproduzir, de forma sintética:
“EMENTA
Civil. Direito do Consumidor. Rescisão
de contrato de prestação de serviço de ensino superior. Cláusula abusiva. Aulas
semipresenciais. Modificação unilateral do contrato. Prejuízo ao discente.
Direito à devolução integral da mensalidade paga. Possibilidade de
transferência para outra faculdade. Ocorreu uma alteração
contratual unilateral, justificando a rescisão pelo consumidor,
sendo abusiva a retenção de 20% da devolução nos moldes do art. 51, do CDC,
caso em que a penalidade é nula de pleno direito, em face de não tratar-se de
mera desistência, mas de rescisão propriamente dita. Recurso da universidade ré
improvido.” (2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
do DF, Acórdão nº 297605, DJU 24.3.2008, pág. 212 - grifamos).
“EMENTA
Consumidor. Rescisão do contrato de prestação
educacional. Ausência de informação acerca de disponibilização
de matéria virtual. Restituição do valor pago. Sentença
mantida.
I. A empresa não comprovou
por meio hábil a ciência da apelada quanto a oferta de matéria online, visto
que os termos contratuais não deixam claro o modo que seriam ministradas as
aulas (se apenas presenciais ou virtuais, ou uma mescla destas). Ofensa ao
princípio da transparência, boa-fé e lealdade contratuais.
II. O objeto do contrato de prestação de
serviços educacionais é a prestação de aulas ministradas no semestre, a ser a
avença paga em razão da semestralidade, com valores diluídos pelos meses que o
compõem (20070710385048ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 21/10/2008, DJ
14/11/2008 p. 106).
III. A não ter sido dado o
conhecimento prévio e adequado à recorrida acerca do meio de prestação da
atividade didática (virtual), deve a instituição de ensino efetuar a devolução
dos valores pagos.
IV. .....
V. Sentença mantida por seus próprios
fundamentos, salvante para se adequar à orientação do STJ no REsp 940.274 – MS.
Sem custas, nem honorários (Lei 9099/95, artigos 46 e 55). Unânime.” (Processo
nº 2010.03.1.026996-8, Acórdão nº 503725, DJU 12.5.2011, pág. 337 - grifamos).
“EMENTA
Lei 8078/90. Defeituosa prestação de serviços
educacionais.
I. Patente a defeituosa
prestação do serviço pela instituição de ensino, por não informar adequadamente
ao consumidor (deficiente visual) a disponibilização de cerca de 20% da carga
horária do curso sob a modalidade semipresencial, além de não
comprovar a oferta de meios alternativos (compatíveis às necessidades especiais
do aluno) para que ele pudesse cursar as disciplinas sem a imposição de
sobre-esforço e prejuízo físico.
II. Se a rescisão contratual
é decorrente de vício de qualidade do serviço, o apelado faz jus à restituição
imediata da totalidade da quantia paga, monetariamente atualizada
(CDC, art. 20, caput e inciso II).
SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS, E O APELANTE ARCARÁ COM AS CUSTAS PROCESSUAIS (LEI 9099/95,
ARTIGOS 46 E 55). RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.” (Processo nº
2010.03.1.028056-8, Acórdão nº 505322, DJU 19.5.2011, pág. 269 - grifamos).
Podemos verificar, pelas decisões acima
transcritas, que, na esfera da regularidade da conduta das instituições de
ensino superior que adotam a oferta de disciplinas na modalidade semipresencial
em seus cursos superiores reconhecidos, o grande problema existente é a falta
de adequada informação aos discentes acerca deste procedimento.
Analisando a legislação acima mencionada
(Portaria MEC nº 4.059/2004), juntamente com o teor das decisões judiciais
retro transcritas, surge a conclusão acerca da possibilidade de oferta de até
20% da carga horária dos cursos superiores na modalidade semipresencial, desde
que observadas as seguintes exigências:
I - O curso superior deve estar devidamente
reconhecido, com a necessária publicação da portaria de reconhecimento;
II - O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) deve
estar atualizado, com a previsão expressa e clara da adoção da modalidade
semipresencial para uma ou mais disciplinas, observado o limite de 20% da carga
horária total do curso para oferta na referida modalidade e com a descrição
clara das atividades desenvolvidas de forma semipresencial;
III - Adoção de avaliação presencial para as
disciplinas ofertadas parcial ou integralmente na modalidade semipresencial;
IV - Cumprimento da exigência de 200 dias anuais
de trabalho acadêmico efetivo; e
V - A adoção da modalidade semipresencial deve
ser adequadamente informada à comunidade acadêmica, através de menção à
possibilidade de sua adoção no edital de convocação dos processos seletivos e
da inclusão de cláusula contratual específica no contrato de prestação de
serviços educacionais.
As instituições, por fim, devem evitar a
utilização da expressão “educação a distância” para as situações em que,
lastreadas na regra prevista na pré-falada Portaria MEC nº 4.059/2004, adotem a
metodologia semipresencial em disciplinas ofertadas em seus cursos superiores
reconhecidos, porquanto a oferta da modalidade EAD é prerrogativa exclusiva das
instituições de ensino superior devidamente credenciadas para atuação na mesma.
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