terça-feira, 16 de junho de 2020

Narcolepsia: quais são os sintomas e como tratar

Narcolepsia: quais são os sintomas e como tratar


A narcolepsia é uma doença crônica, com manifestações clínicas no sono e na vigília, com pico de incidência na segunda década de vida, ainda pouco conhecida tanto pela população leiga, quanto pelos não especialistas em transtornos do sono. Apesar de não ser grave (não oferece risco de vida direto), a sonolência excessiva diurna, os ataques de sono e a cataplexia são causas comuns de acidentes de trânsito nos pacientes com narcolepsia.
Além disso, os sintomas são extremamente incapacitantes, acarretando inúmeros prejuízos funcionais ao paciente, que muitas vezes é rotulado como “preguiçoso”, levando a dificuldades e constrangimentos em âmbito acadêmico, profissional e pessoal.
A sonolência excessiva diurna, presente em 100% dos pacientes com narcolepsia, é geralmente o sinal inicial e, por ser pouco específico, leva a um grande atraso no diagnóstico, que costuma ser feito em média 10-20 anos após o aparecimento dos primeiros sintomas, caso o paciente não seja referenciado a um especialista.
QUADRO CLÍNICO:
Pêntade:
  • Sonolência excessiva diurna;
  • Cataplexia;
  • Paralisia do sono;
  • Alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas;
  • Sono noturno fragmentado.

Entendendo melhor cada sintoma da narcolepsia:

  1. Sonolência excessiva diurna:
  • É o primeiro sintoma em 90-94% dos pacientes e o mais incapacitante.
  • Ocorre independente da quantidade de sono do período principal.
  • Ataques irresistíveis de sono, apesar da tentativa de permanecer acordado.
  • Sonhos mesmo em períodos breves de sono.
  • Múltiplos breves cochilos, que aliviam a sonolência por algumas horas, no período principal de vigília.
  • A sonolência pode também expressar-se como flutuação no nível de atenção ou incapacidade em se manter alerta.
  1. Cataplexia
  • É um sintoma específico, patognomônico da narcolepsia, porém, não está presente em todos os pacientes.
  • Caracteriza-se por episódios súbitos, recorrentes e reversíveis de fraqueza da musculatura esquelética, ocorrendo durante a vigília, excetuando-se o músculo do diafragma.
  • Desencadeados por situações com forte conteúdo emocional, como riso, susto ou raiva.
  • Duração de segundos até 10 minutos.
  • Consciência, capacidade auditiva, compreensão e padrão respiratório preservados durante o ataque.
  1. Paralisia do sono
  • Incapacidade total de mover os membros, a cabeça ou falar, ocorrendo ao adormecer ou ao despertar.
  • Consciência preservada, duração de 1-10 minutos.
  • Prevalência na população em geral de 2,5-40%.
  1. Alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas
  • Experiências de percepção de onírica vívida, que ocorrem na transição vigília-sono ou sono-vigília, respectivamente, e podem acompanhar os episódios de paralisia do sono ou cataplexia.
  • Ocorrem em 36% da população em geral.
  1. Sono noturno fragmentado
  • Presença de múltiplos despertares, movimentação excessiva, sono não reparador.
  • Não há aumento do tempo total de sono na narcolepsia.
LEIA MAIS: Privação do sono e sua relação com a sensibilidade à insulina

Como fazer o diagnóstico?

Requer avaliação clínica, aplicação da Escala de Epworth (quadro 1), diário do sono, polissonografia (PSG) de noite inteira, seguida, no dia seguinte, do teste de múltiplas latências do sono (TMLS). Em alguns casos, a dosagem de hipocretina-1 (orexina) no LCR auxilia muito no diagnóstico.  Não se usa na prática a pesquisa do HLA DQ1B0602.
A sonolência é considerada quando a pontuação for maior que 8 pontos. / Reprodução

INTERPRETANDO OS EXAMES:

Polissonografia: Necessária para o diagnóstico da narcolepsia, mas também para o diagnóstico diferencial com outros transtornos do sono, como movimentos periódicos dos membros, apneia, transtorno comportamental do sono REM, hipersônia idiopática, dentre outros.
A arquitetura e o padrão do sono costumam mostrar fragmentação do sono com aumento do número de despertares, e diminuição das latências de sono NREM e REM. A presença de SOREMP – definida como a presença de sono REM nos primeiros 15 minutos de sono – pode ser somada ao TMLS do dia seguinte, auxiliando no diagnóstico.
Teste de múltiplas latências do sono: É realizado em laboratório de sono durante o dia seguinte à PSG, devendo ser iniciado em torno de 90 a 180 minutos após o despertar do paciente. O TMLS consiste em cinco oportunidades oferecidas ao paciente para dormir em intervalos de duas horas. A sensibilidade do teste é de 0,78 e especificidade de 0,93.
Em cada teste, são consideradas a latência do sono (definida como o tempo decorrido entre o apagar das luzes e a primeira época de qualquer estágio de sono) e a presença de SOREMP. Cada registro é interrompido após 20 minutos se o paciente não dormir.
A latência média de sono (média aritmética da soma da latência de cada um dos cinco registros) é considerada anormal quando menor ou igual a 8 minutos), sendo necessária a presença de dois ou mais SOREMP’s para  o diagnóstico polissonográfico de narcolepsia.
Dosagem de hipocretina-1 no líquor: A hipocretina-1 ou orexina é um neuropeptídeo produzido no hipotálamo por células hipocretinérgicas. Dentre outras funções, ela regula o ciclo sono-vigília e encontra-se baixa na chamada narcolepsia tipo-1, outrora narcolepsia COM cataplexia.
A dosagem é utilizada em casos selecionados, quando se tem dúvida diagnóstica e ainda é pouco disponível.
LEIA MAIS: ‘Apneia obstrutiva do sono: o que todo médico deve saber’

TRATAMENTO:

 Tratamento comportamental:
  • Orientação da família e do paciente – cronicidade da doença, medidas de segurança;
  • Cochilos programados;
  • Higiene do sono;
  • Medidas sociais – adaptações dos horários de trabalho, evitar turnos rotativos;
  • Suporte psicológico .
Tratamento farmacológico:
– Modafinila: Iniciar com 100 mg pela manhã e titular até a dose máxima de 600 mg/ dia. Doses divididas costumam ser mais seguras e eficientes.
É o medicamento de primeira escolha para SED, mas não trata a cataplexia. Nesses casos, associa-se um antidepressivo, que pode ser um tricíclico ou inibidor da recaptação da serotonina ou dual, que também são úteis para a paralisia do sono e as alucinações.
– Metilfenidato: Atua na sonolência e na cataplexia. A dose máxima recomendada pela Academia Americana de Medicina do Sono é de 100 mg. Geralmente usado em casos em que a sonolência é muito intensa e/ou pouco responsiva à modafinila.
Zolpidem: Pode ser usado no tratamento do sono fragmentado.

Novas perspectivas no tratamento da narcolepsia:

O melhor conhecimento da fisiopatologia da narcolepsia, com a descoberta da hipocretina, criou linhas de pesquisa no diagnóstico e tratamento da narcolepsia.
Dentre alguns tratamentos promissores, pode-se citar o oxabato de sódio, muito usado na Europa e América do Norte, com ótima resposta na cataplexia e benefício na fragmentação do sono. Vale ressaltar que essa medicação não está disponível no Brasil.
LEIA MAIS: O quanto a qualidade do sono influencia no funcionamento do cérebro?
Autora:

Referências:
  • Narcolepsia – 2009 – Fernando Morgadinho Santos Coelho e Márcia Pradella-Hallinan
  • Diretrizes Clínicas para o Diagnóstico e Tratamento da Narcolepesia – 2009 – Flávio Aloé; Rosa Hasan et al.

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