Quantos golpes de Estado houve no Brasil desde a Independência?
História
Ao menos nove golpes de Estado o Brasil viveu de 1822, ano da Independência, até hoje.
O Brasil só se tornou uma nação soberana, de fato, com a Independência, declarada em 7 de setembro de 1822 pelo então Príncipe Regente Pedro de Alcântara, que se tornou nosso primeiro chefe de Estado sob o título de D. Pedro I. A partir de então, não faltaram ao nosso cenário político episódios de intensa turbulência.
Desde a Independência, tivemos vários
tipos de revoltas, tentativas de golpe de Estado e golpes efetivamente
aplicados. Neste texto trataremos desses últimos, os golpes efetivos. Se um golpe de Estado
é definido como subversão da ordem institucional, então, podemos dizer
que, no período aqui abordado (de 1822 até os dias atuais), tivemos pelo
menos nove golpes no Brasil. Vejam quais foram eles!
1) A “Noite da agonia”: dissolução da Assembleia Constituinte de 1823
Pouco mais de um ano após a Independência,
o Brasil viveu o primeiro golpe, dado pelo próprio imperador D. Pedro I
contra a primeira Assembleia Geral Constituinte Brasileira.
Essa Assembleia foi eleita e instalada em 3 de maio de 1823 com o
objetivo de confeccionar o primeiro texto constitucional para o Brasil.
D. Pedro I assistia, das janelas do Paço Imperial, às movimentações da Assembleia Constituinte
O principal motivo da dissolução dizia
respeito às disputas políticas internas dos constituintes, que se
dividiam entre liberais (moderados e radicais) e conservadores. Um dos
membros da Constituinte, José Bonifácio de Andrade e Silva,
era ministro de D. Pedro I e passou a dificultar o acesso direto entre
os conservadores e a própria pessoa do Imperador. D. Pedro I, então,
afastou Bonifácio do cargo. Este, por sua vez, reagiu violentamente
contra o governo por meio de artigos de jornais.
Pressionado, o Imperador optou pela dissolução da Assembleia, o que ocorreu na madrugada do dia 12 de novembro de 1823, que ficou conhecida como “a Noite da agonia”.
D. Pedro I, com ajuda militar, ordenou que se fizesse um cerco ao
prédio onde os deputados constituintes estavam reunidos. Muitos dos
presentes resistiram à investida do imperador e acabaram presos e,
depois, exilados.
Para completar o trabalho de preparo do texto constitucional, D. Pedro I organizou um Conselho de Estado,
composto por homens de sua inteira confiança. Esse Conselho apresentou a
redação final da Constituição em 11 de dezembro de 1823. Em 25 de março de 1824, o imperador aprovou a Constituição Imperial sem que esta fosse apreciada por uma Assembleia.
2) Golpe da Maioridade (1840)
O segundo golpe de Estado que tivemos foi o Golpe da Maioridade, que ocorreu no dia 23 de julho de 1840. Esse golpe aconteceu no Período Regencial, um modo de governo formado após a Abdicação de D. Pedro I,
em 1831. O herdeiro do trono, o futuro D. Pedro II, era apenas uma
criança de seis anos de idade e, portanto, tinha de atingir a maioridade
para poder governar.
Assim como hoje, a maioridade naquela
época era atingida aos 18 anos. Enquanto o imperador não tivesse essa
idade, a chefia do país era confiada a regentes, que tinham o respaldo
legal da Constituição Imperial de 1824 para exercer sua função. Essa
mesma Constituição Imperial também determinava, em seu artigo 121, que o
imperador só poderia assumir o poder aos 18 anos de idade.
O adiantamento da coroação de D. Pedro II é configurado também como golpe de Estado
O Período Regencial, contudo, foi marcado
por intensas complicações políticas. A disputa entre liberais e
conservadores estava no auge. Nesse clima de tensão, um grupo de
deputados e senadores, liderados por homens como José Martiniano de Alencar e Holanda Cavalcanti, organizaram o chamado “Clube Maiorista” com o objetivo de adiantar a posse de Pedro II, então com 15 anos.
Os membros desse grupo apresentaram
propostas de reforma da Constituição e outros projetos com vistas a
entronizar o jovem imperador. Entretanto, todas foram rejeitadas.
Restava a eles apelar para uma articulação com o próprio imperador, que
foi persuadido por seu tutor a querer subir logo ao trono. Com a adesão
do próprio Pedro II ao grupo maiorista, o então regente Bernardo Pereira de Vasconcelos
acabou cedendo às pressões dos maioristas, mesmo suas propostas sendo
inconstitucionais. Dom Pedro II passou a ser imperador em 23 de julho de
1840.
3) Proclamação da República (1889)
O que comumente conhecemos por "Proclamação da República", ocorrida no dia 15 de novembro de 1889,
foi, na verdade, um golpe militar que pôs fim ao regime monárquico no
Brasil. O movimento republicano no Brasil remontava à época colonial,
mas se tornou realmente intenso na época do Segundo Reinado. Alguns
líderes destacados desse movimento estavam ligados ao exército
brasileiro, como era o caso do tenente-coronel Benjamin Constant.
A Proclamação da República foi um golpe militar que depôs o imperador Dom Pedro II
Os republicanos eram intimamente influenciados pelo positivismo de August Comte,
o que implicava a ideia de um Estado forte, antimonárquico e dissociado
da Igreja. Para que o golpe contra a monarquia fosse bem-sucedido, os
republicanos necessitavam do apoio da principal autoridade militar da
época: o marechal Deodoro da Fonseca. Acontece que Deodoro era monarquista e amigo pessoal do imperador.
Para convencer Deodoro a “proclamar a
República”, os conspiradores, como Benjamin Constant, valeram-se do
argumento dos prejuízos que as decisões do então ministro de Pedro II, Visconde de Ouro Preto,
acarretavam ao Exército – que se encontrava em más condições à época.
Além disso, disseram ao marechal que, em lugar de Ouro Preto, seria
nomeado um antigo inimigo pessoal de Deodoro, Gaspar da Silveira Martins.
Diante dessa situação, Deodoro reuniu algumas centenas de soldados e
marchou sobre a cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de derrubar o
ministério de Ouro Preto.
Esse gesto, em 15 de novembro de 1889, pôs fim à monarquia no Brasil.
4) Golpe de 3 de novembro de 1891
Dado o golpe de 15 de novembro, Deodoro, o
monarquista que derrubou a monarquia, acabou sendo o chefe interino da
república até que esta tivesse uma Constituição. O texto constitucional republicano foi aprovado em 14 de fevereiro de 1891. Deodoro da Fonseca foi eleito indiretamente o presidente da República. Em segundo lugar, ficou outro marechal, Floriano Peixoto, como vice.
Em seu primeiro ano como presidente
eleito, Deodoro da Fonseca, para resolver o problema da pressão que os
oposicionistas exerciam sobre o seu governo, dissolveu, via decreto, o Congresso Nacional em 3 de novembro de 1891. Em seguida, para completar o golpe, instaurou, com outro decreto, Estado de Sítio no Brasil, o que autorizou o exército a cercar a Câmara e o Senado e a prender políticos oposicionistas.
5) O curioso caso de Floriano Peixoto
Vinte dias após o golpe de 3 de novembro,
Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo de presidente, diante da reação da
marinha brasileira, que ameaçou bombardear a cidade do Rio de Janeiro
caso o presidente continuasse no cargo. Essa reação da marinha ficou
conhecida como Primeira Revolta da Armada.
No lugar de Deodoro, assumiu o vice, Floriano Peixoto.
Como não havia um ano ainda de mandato de Deodoro, o que a Constituição
previa era a convocação de novas eleições presidenciais. No entanto, o
marechal Floriano não convocou as novas eleições com a justificativa de
que a Constituição de 1891 tinha dispositivos que determinavam a
convocação de novas eleições só se o presidente tivesse sido eleito
diretamente pelo povo, o que não ocorreu no caso de Deodoro da Fonseca.
Esse curioso impasse constitucional manteve Floriano no poder, que teve que enfrentar a Segunda Revolta da Armada
e uma série de outros levantes contra o seu governo com “mão de ferro”.
Mesmo tendo reabilitado o Congresso Nacional, Floriano assumiu um
perfil ditatorial incontestável no tempo em que ficou no poder, o que
torna a discussão sobre o golpe que ele teria dado ou não bastante
complexa.
6) Revolução de 1930
A Revolução de 1930
foi um golpe de caráter civil-militar encabeçado por lideranças dos
estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que juntas lutaram
contra todo o restante do país.
O estopim para a explosão da Revolução de
1930 foram as eleições presidenciais daquele ano. Assim como ocorria de
praxe nos anos da República Velha, o resultado das eleições foi fraudado e o candidato da situação, Júlio Prestes, indicado como sucessor do então presidente Washington Luís, foi eleito o novo presidente.
A Revolução de 1930, que derrubou o presidente Washington Luís, também foi um golpe
O candidato da oposição (chamada de Aliança Liberal), derrotado, era o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas.
Ao contrário do que ocorria antes, a oposição não aceitou o resultado
fraudulento e partiu para o enfrentamento físico. O acontecimento que
causou maior revolta e exponenciou os conflitos foi a morte do
governador da Paraíba, João Pessoa. Após esse
acontecimento, membros das polícias estaduais de Minas, Rio Grande do
Sul e Paraíba, assim como alguns setores do exército, aderiram aos
revolucionários.
O governo, como diz o historiador José Murilo de Carvalho:
“[...] detinha a
superioridade militar sobre os revoltosos, mas faltava ao alto-comando
vontade para defender a legalidade. Os chefes militares sabiam que as
simpatias da jovem oficialidade e da população estavam com os rebeldes.
Uma junta formada por dois generais e um almirante decidiu depor o
presidente da República e passar o governo ao chefe do movimento
revoltoso, o candidato derrotado da Aliança Liberal. Sem grandes
batalhas, caiu a Primeira República, aos 41 anos de vida.” (Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p. 100).
Assim terminava a “Primeira República”, ou “República Velha”, por meio de mais um golpe de Estado.
7) “Estado Novo” (1937)
Após ter sido eleito indiretamente
Presidente da República, em 1934 (portanto 4 anos após a Revolução que o
levou ao poder), Vargas teve de lidar com outros problemas. O principal
deles foi a chamada Intentona Comunista, liderada por jovens oficiais do exército associados à Ação Libertadora Nacional (órgão comunista criado por Luís Carlos Prestes).
A Intentona estourou em estados como o Rio Grande do Norte, o Rio de
Janeiro e Pernambuco, mas logo foi dominada pelas forças do governo.
O problema é que, nos anos que se seguiram, o comunismo e o tenentismo
a ele associado ainda eram tidos pela alta cúpula do Exército e pelas
lideranças civis próximas a Vargas como os principais alvos a serem
combatidos. Em 1937, foi descoberto um suposto plano de uma revolução
comunista a ser executado no Brasil, o chamado Plano Cohen. Esse plano teria sido forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho com o objetivo de provocar alarde na opinião pública e justificar um golpe de Estado e a formação do Estado Novo.
Não se sabe ao certo se esse documento era
realmente um plano forjado ou apenas um relatório de Olímpio Mourão,
mas o fato é que a constatação de sua existência provocou reações
oportunistas por parte do Estado Maior do Exército. O ministro de guerra de Vargas, Eurico Gaspar Dutra,
leu o Plano Cohen para o público do rádio no programa Voz do Brasil.
Isso bastou para que fosse aprovado no Congresso Nacional, em 30 de
setembro de 1937, o Estado de Guerra, que suspendia os direitos constitucionais.
Em meados de outubro, o ministério da
guerra auxiliou o projeto de Vargas de pressionar os estados que ainda
não tinham suas forças militares subordinadas ao governo federal a
fazê-lo. Uma das últimas resistências a serem vencidas foi a da Brigada Militar Gaúcha, liderada por Flores da Cunha. Em
outubro, Vargas já tinha o apoio do exército, dos integralistas e de
muitos setores da sociedade civil e nenhuma resistência militar regional
expressiva para lhe fazer oposição.
Em 10 de novembro, por meio de um
pronunciamento público, Vargas decretou o fechamento do Congresso
Nacional e cancelou as eleições presidenciais que seriam realizadas em
janeiro de 1938. Por meio desse golpe, a ditadura varguista durou até
1945.
8) Deposição de Getúlio Vargas em 1945
Praticamente os mesmos militares que
apoiaram o golpe de 1937 tiraram Vargas do cargo de chefe de Estado em
1945. O contexto do golpe que depôs Vargas do cargo de presidente em 29 de outubro de 1945 era o do fim da Segunda Guerra Mundial.
Como é sabido, Vargas foi de 1937 a 1945 um ditador aos moldes do
fascismo europeu, tendo inclusive se aproximado da Alemanha nazista no
início do Estado Novo.
No meio do segundo conflito mundial,
Vargas rompeu com a Alemanha e passou a apoiar as potências aliadas,
como EUA, Inglaterra e URSS, que foram vencedoras da guerra. Sendo
assim, não teria cabimento continuar um regime nos moldes do Estado
Novo. Pressionado, Vargas deu início então a um processo de abertura
democrática, que possibilitou a criação de novos partidos políticos,
como a UDN (União Democrática Nacional), o PCB (Partido Comunista Brasileiro), que voltou à legalidade) e o PSD (Partido Social Democrático), e perspectiva de novas eleições gerais.
Vargas, entretanto, decidiu comandar esse
processo de transição com vistas a obter apoio político de outras bases
da sociedade e, assim, conseguir permanecer no poder por outras vias.
Desse modo, de modo controverso, Vargas aproximou-se do PCB e das bases
operárias urbanas, contrariando as lideranças liberais e os militares.
Essa aproximação com o PCB resultou no “queremismo”, um
movimento popular que queria a permanência de Vargas no poder e exigia a
formação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
Em meio a esses acontecimentos
turbulentos, Vargas cometeu um gesto considerado a “gota d'água” para
sua deposição: afastou da chefia de polícia do Distrito Federal João Alberto Lins de Barros e pôs em seu lugar seu irmão Benjamin Vargas, conhecido por ser truculento. O general Góis Monteiro, que
havia ajudado a fazer a Revolução de 1930, do ministério de Guerra,
reagiu ao gesto de Vargas e mobilizou tropas no Distrito Federal.
Gaspar Dutra e outros militares,
procurando evitar derramamento de sangue, propôs a Vargas que assinasse
um documento de renúncia ao cargo. O político gaúcho assim o fez e pode
refugiar-se em sua cidade natal, São Borja, sem ter que se exilar em
outro país.
9) 31 de março a 2 de abril de 1964
Os debates em torno do Golpe de 1964
são bastante polêmicos, mas os fatos são os seguintes: João Goulart,
nos anos de 1963 e 1964, apresentava uma postura polêmica ao incitar
militares de patente baixa, como sargentos, a se insubordinarem contra a
hierarquia militar. Isso ficou explícito em sua reunião com subtenentes
e sargentos no Automóvel Clube, em 30 de março de 1964, considerada a gota d'água para o golpe.
João Goulart teve o governo derrubado entre os dias 31 de março e 2 de abril de 1964
Além de apoiar as reivindicações de
reformas dentro da estrutura militar, Goulart também tinha propostas de
reformas de base em outros setores, como o setor agrário. Essas reformas
possuíam, aos olhos de seus críticos, um conteúdo radical com grande
aproximação com a perspectiva política comunista. Além disso, havia
movimentações de focos guerrilheiros no Brasil, como o das Ligas Camponesas de Francisco Julião – líder popular que havia visitado Fidel Castro em 1961 –, que deixavam os militares em alerta.
Em meio a essa ambiência, o episódio do
Automóvel Clube, citado acima, foi o suficiente para que, na madrugada
de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho mobilizasse suas tropas de Juiz de Fora contra o governo. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, Costa e Silva liderou outra ofensiva, independente da de Mourão.
Goulart, no dia seguinte a essas ações,
não havia ainda se manifestado. No dia 2 de abril, o Congresso Nacional,
pensando que o presidente havia se exilado, declarou a presidência
vaga. O presidente do Congresso, Ranieri Mazzili,
assumiu o posto. O problema é que Goulart não tinha saído do país, mas
já era tarde demais. A decisão do Congresso estava tomada e mais que
isso: a decisão dos generais estava tomada, haja vista que eles
instalaram o Supremo Comando Revolucionário e escolheram, por meio do Ato Institucional nº 1, um novo presidente para o Congresso.
O problema em entender o golpe de 1964 está, portanto, em três pontos:
1. Goulart poderia
ter dado vazão a um golpe de feição comunista/militar (semelhante à
Intentona Comunista de 1935) e, por isso, houve a reação dos generais
brasileiros?
2. O Congresso errou em declarar a cadeira da presidência vaga antes da hora?
3. Os militares
erraram ao instituir o Supremo Comando Revolucionário, não respeitando o
Congresso Nacional, que já havia colocado Renieri Mazzili à frente do
país?
Essas questões até hoje são exaustivamente
debatidas por historiadores, políticos e jornalistas. Todavia, como
houve uma ruptura com a ordem institucional, as ações de 31 de março a 2
de abril de 1964 podem, sim, ser classificadas como golpe.
Por Me. Cláudio Fernandes
FERNANDES, Cláudio. "Quantos golpes de Estado houve no Brasil desde a Independência?"; Brasil Escola
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