sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Cerâmica



 
Indústria de pisos e azulejos no Brasil

Em 2010 o Brasil produziu 753 milhões de metros quadrados de pisos e azulejos e vendeu para o mercado interno quase a totalidade, 699 milhões de metros quadrados. Tornou-se, assim, o segundo maior produtor mundial do setor, atrás apenas da China. A maior parte da produção brasileira de pisos e azulejos é fabricada em 42 grandes empresas localizadas no Polo de Santa Gertrudes, no Estado de São Paulo. O Polo é formado, além de Santa Gertrudes, por indústrias situadas nos municípios vizinhos de Cordeirópolis, Rio Claro, Limeira, Araras, Piracicaba e Iracemápolis, e responde por 95% da produção do Estado de São Paulo, que por sua vez fabrica 70% dos pisos e azulejos do país. Os números fazem parte de estudos elaborados pelo Professor Anselmo Ortega Boschi, PhD, Engenheiro de materiais e Coordenador do Laboratório de Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos.

A indústria cerâmica


O material cerâmico é universal, por isso a cerâmica brasileira não difere das produzidas em outras partes do mundo. Para se fabricar um prato podem ser utilizados diferentes materiais, mas o produto final tem que ser o mesmo. Cada produtor usa os recursos minerais mais abundantes em sua região, depois de fazer uma adequação, e é neste ponto que entra a ciência: a indústria tem que ser capaz de produzir o mesmo prato com matérias primas com características diferentes. Esta adaptação é necessária, já que não seria economicamente viável fazer o transporte de matéria primas de regiões distantes por conta do alto custo. O que diferem muito entre si são os mercados. Na Europa o consumidor é totalmente diferente do brasileiro, que é diferente de outros países por questões culturais. As cerâmicas fabricadas no Brasil são iguais às fabricadas no resto do mundo, mas atendendo às características regionais, ao gosto do cliente e à questão do preço. Num país como a Suíça a pessoa primeiro escolhe o produto e depois vai ver o preço. No Brasil é o contrário: a pessoa entra na loja, primeiro seleciona os produtos que cabem no seu orçamento e só então decide a compra.

Em termos de qualidade, os pisos e azulejos fabricados no Brasil não perdem para nenhum outro fabricante. O Brasil é o segundo maior produtor do mundo de pisos e azulejos e exporta muito pouco porque o mercado consumidor é tão grande que absorve toda a produção. O brasileiro gosta do produto por conta do aspecto, da praticidade, da durabilidade e da facilidade de limpeza, que é muito compatível com o estilo moderno de vida.

Antigamente os produtos passavam duas vezes pelo forno, mas a tendência, ao longo dos anos, foi fazer tudo de uma vez só. Primeiro queimava-se só a parte de baixo de um piso, colocava-se o esmalte e se fazia uma segunda queima. Hoje, por uma questão econômica, tudo é feito ao mesmo tempo, com o mesmo resultado. A queima é feita em torno de 1.100°C, e os fornos utilizam gás natural. Há muitas décadas os fornos usavam óleo diesel, foram feitas algumas tentativas com fornos elétricos, mas atualmente utiliza-se unicamente o gás natural.

A indústria brasileira é regional e não registra grandes avanços tecnológicos. Ela atingiu esta proporção por causa do gigantismo do mercado brasileiro. Praticamente todos os equipamentos de uma fábrica moderna vieram da Itália. As máquinas são italianas e os esmaltes são de colorifícios pertencentes a multinacionais espanholas. Então, tecnologicamente, quem domina esse universo no mundo são Itália e Espanha: a Itália produz os equipamentos e a Espanha tem os maiores colorifícios do mundo. O Brasil também começou a se desenvolver nesta área. Hoje em dia há grandes colorifícios brasileiros, mas espelhados nos colorifícios que vieram da Itália e da Espanha.

O Brasil exporta muito pouco pisos e azulejos, menos de 5% da produção brasileira, porque a indústria não dá conta de atender o crescimento do mercado local, e a capacidade instalada deste setor tem crescido um pouco menos de 10% ao ano, continuamente. O setor não para de se reinvestir, e vai crescendo o tempo todo.

O que existe de notável no setor é que as empresas brasileiras têm a maior eficiência produtiva do mundo. O número de metros quadrados produzidos pelo número de funcionários das fábricas é muito grande, um alto índice de produtividade. O Brasil conseguiu otimizar uma série de procedimentos e foi muito além do que a Itália e a Espanha conseguiram. Esses dois países não querem produzir muito, mas produzir pouco e ganhar muito. O Brasil segue um modelo em que vende mais barato e vende muito. Como as classes de poder aquisitivo mais baixo no Brasil representam a maior parte do mercado consumidor, estas são as classes que tem de ser atendidas.

A participação do Profissional da Química

Todo o processo de produção da cerâmica está ligado diretamente à indústria química, na qual se insere a Engenharia de Materiais. No Polo de Santa Gertrudes a tendência é de que todos os profissionais de nível superior que trabalham na área cerâmica sejam ligados à área química. Existem alguns profissionais da engenharia mecânica, responsáveis pela parte mecânica e manutenção dos equipamentos, mas a maior parte dos profissionais que atuam nesse setor busca formação na área de química, seja em cursos de graduação ou cursos de especialização.

O profissional da química atua em todas as etapas de produção, começando com a caracterização das matérias primas, que são naturais. A composição química é determinada por químicos. Eles vão analisar não só a base do azulejo mas também a parte do esmalte, do vidro, que é sobreposta. No forno, a peça vai sofrer uma série de transformações e reações químicas, e ganha resistência mecânica. O forno, na realidade, é um reator químico: coloca-se todos os reagentes e usa-se a energia térmica como energia de ativação para se processar as transformações nas propriedades, de tal forma que o produto que saia dali tenha as características que se deseja.

O polo cerâmico de Santa Gertrudes

Tradicionalmente o polo cerâmico brasileiro funcionava em Santa Catarina, onde se localizam as primeiras grandes empresas do setor, como Eliane, Portobello e Cecrisa. Santa Gertrudes era um grande produtor de cerâmica vermelha – tijolos e telhas – fundamentalmente. A partir de determinado momento, Santa Gertrudes começou a produzir um lajotão colonial que estava na moda. Foi o produto certo, no lugar certo, na hora certa, e isso rendeu muito dinheiro. As indústrias reinvestiram o lucro nas próprias fábricas, que acabaram crescendo de uma forma em que, nos últimos 30 anos, o polo de Santa Gertrudes, que era insignificante na produção de pisos e azulejos, hoje produz quase 70% do que é fabricado no Brasil. O segundo maior polo cerâmico do país é Criciúma, em Santa Catarina. O terceiro é o do nordeste, que está em crescimento acelerado, e é bastante espalhado, pois as fábricas ficam distantes umas das outras. É um polo incipiente, mas sua produção já está chegando a 12% do que é produzido no país de pisos e azulejos.

Sustentabilidade

A questão da sustentabilidade foi deixada de lado por muito tempo. Há 30 anos o polo de Santa Gertrudes praticamente não existia, e hoje produz 70% dos pisos e azulejos consumidos no Brasil. Como se chega em 30 anos a isso sem causar dano ambiental? Principalmente na primeira etapa, isso foi um verdadeiro “faroeste”. Ninguém tinha ideia de que estava sendo usando chumbo para fazer os esmaltes, e todo mundo jogava chumbo na atmosfera e nos rios. Isso tudo criou um passivo ambiental muito grande, por muitos anos. Quando nossa consciência ecológica aumentou, os órgãos fiscalizadores começaram a atuar e a cobrar ações reparadoras. Atualmente existem vários projetos tentando minimizar o passivo, e de outro lado, cuidar para que as indústrias não façam no futuro aquilo que foi feito no passado. Essa preocupação com o ambiente começou há cerca de 15 anos.

A universidade também participa dessas iniciativas. A universidade, na realidade, é o apoio externo que as indústrias precisam. A preocupação das indústrias é produzir, e sempre que sai fora do “produzir” ela precisa de um apoio externo.

Atuação do Laboratório de Revestimentos Cerâmicos

O Laboratório de Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos funciona há 20 anos. Seus pesquisadores não buscam inovação, mas soluções para os problemas de produção das indústrias do Polo cerâmico de Santa Gertrudes, que está a 60 quilômetros de distância. O laboratório também auxilia a indústria a adaptar para o mercado brasileiro o que foi desenvolvido na Europa, principalmente Itália e Espanha. Como a indústria está em processo contínuo de produção e é impossível desligar as máquinas durante alguns dias ou uma semana até encontrar a solução de um problema na linha de produção, o laboratório teve que se adaptar à velocidade da indústria, e buscar soluções com extrema rapidez. Assim, as conclusões das análises são passadas muitas vezes pelo celular ou por email diretamente do laboratório para a linha de produção, já que não há tempo a perder com a elaboração de um relatório ou qualquer outro tipo de formalismo. O laboratório trabalha o tempo inteiro em contato com funcionários da indústria e a maior parte de suas demandas vem do setor de revestimento em geral. Outras demandas vêm de empresas que produzem insumos para a indústria cerâmica. Em contrapartida ao trabalho realizado as indústrias doam matérias primas e financiam ensaios de interesse dos próprios pesquisadores do Laboratório. Normalmente as análises solicitadas são desenvolvidas em laboratórios parceiros, que dispõem de equipamentos sofisticados, alguns dentro da própria UFSCar.


Texto produzido a partir de entrevista com o Prof. Anselmo Ortega Boschi, PhD, Engenheiro de materiais e Coordenador do Laboratório de Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos, editor chefe da revista Cerâmica Industrial, assessor técnico da Abracolor e Coordenador da Área de Cerâmica do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar.





Fotos
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Redação
Mari Menda – Jornalista
Ass. de Comunicação e Marketing do CRQ-IV
Revisão
Prof. Dr. Antonio Carlos Massabni
Prof. Titular aposentado do IQ-Unesp Araraquara

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