Indústria de pisos e azulejos no Brasil
Em
2010 o Brasil produziu 753 milhões de metros quadrados de pisos e
azulejos e vendeu para o mercado interno quase a totalidade, 699 milhões
de metros quadrados. Tornou-se, assim, o segundo maior produtor mundial
do setor, atrás apenas da China. A maior parte da produção brasileira
de pisos e azulejos é fabricada em 42 grandes empresas localizadas no
Polo de Santa Gertrudes, no Estado de São Paulo. O Polo é formado, além
de Santa Gertrudes, por indústrias situadas nos municípios vizinhos de
Cordeirópolis, Rio Claro, Limeira, Araras, Piracicaba e Iracemápolis, e
responde por 95% da produção do Estado de São Paulo, que por sua vez
fabrica 70% dos pisos e azulejos do país. Os números fazem parte de
estudos elaborados pelo Professor Anselmo Ortega Boschi, PhD, Engenheiro
de materiais e Coordenador do Laboratório de Revestimentos Cerâmicos da
Universidade Federal de São Carlos.
A indústria cerâmica
O material cerâmico é
universal, por isso a cerâmica brasileira não difere das produzidas em
outras partes do mundo. Para se fabricar um prato podem ser utilizados
diferentes materiais, mas o produto final tem que ser o mesmo. Cada
produtor usa os recursos minerais mais abundantes em sua região, depois
de fazer uma adequação, e é neste ponto que entra a ciência: a indústria
tem que ser capaz de produzir o mesmo prato com matérias primas com
características diferentes. Esta adaptação é necessária, já que não
seria economicamente viável fazer o transporte de matéria primas de
regiões distantes por conta do alto custo. O que diferem muito entre si
são os mercados. Na Europa o consumidor é totalmente diferente do
brasileiro, que é diferente de outros países por questões culturais. As
cerâmicas fabricadas no Brasil são iguais às fabricadas no resto do
mundo, mas atendendo às características regionais, ao gosto do cliente e
à questão do preço. Num país como a Suíça a pessoa primeiro escolhe o
produto e depois vai ver o preço. No Brasil é o contrário: a pessoa
entra na loja, primeiro seleciona os produtos que cabem no seu orçamento
e só então decide a compra.
Em termos de qualidade,
os pisos e azulejos fabricados no Brasil não perdem para nenhum outro
fabricante. O Brasil é o segundo maior produtor do mundo de pisos e
azulejos e exporta muito pouco porque o mercado consumidor é tão grande
que absorve toda a produção. O brasileiro gosta do produto por conta do
aspecto, da praticidade, da durabilidade e da facilidade de limpeza, que
é muito compatível com o estilo moderno de vida.
Antigamente os produtos
passavam duas vezes pelo forno, mas a tendência, ao longo dos anos, foi
fazer tudo de uma vez só. Primeiro queimava-se só a parte de baixo de um
piso, colocava-se o esmalte e se fazia uma segunda queima. Hoje, por
uma questão econômica, tudo é feito ao mesmo tempo, com o mesmo
resultado. A queima é feita em torno de 1.100°C, e os fornos utilizam
gás natural. Há muitas décadas os fornos usavam óleo diesel, foram
feitas algumas tentativas com fornos elétricos, mas atualmente
utiliza-se unicamente o gás natural.
A indústria brasileira é
regional e não registra grandes avanços tecnológicos. Ela atingiu esta
proporção por causa do gigantismo do mercado brasileiro. Praticamente
todos os equipamentos de uma fábrica moderna vieram da Itália. As
máquinas são italianas e os esmaltes são de colorifícios pertencentes a
multinacionais espanholas. Então, tecnologicamente, quem domina esse
universo no mundo são Itália e Espanha: a Itália produz os equipamentos e
a Espanha tem os maiores colorifícios do mundo. O Brasil também começou
a se desenvolver nesta área. Hoje em dia há grandes colorifícios
brasileiros, mas espelhados nos colorifícios que vieram da Itália e da
Espanha.
O Brasil exporta muito
pouco pisos e azulejos, menos de 5% da produção brasileira, porque a
indústria não dá conta de atender o crescimento do mercado local, e a
capacidade instalada deste setor tem crescido um pouco menos de 10% ao
ano, continuamente. O setor não para de se reinvestir, e vai crescendo o
tempo todo.
O que existe de notável
no setor é que as empresas brasileiras têm a maior eficiência produtiva
do mundo. O número de metros quadrados produzidos pelo número de
funcionários das fábricas é muito grande, um alto índice de
produtividade. O Brasil conseguiu otimizar uma série de procedimentos e
foi muito além do que a Itália e a Espanha conseguiram. Esses dois
países não querem produzir muito, mas produzir pouco e ganhar muito. O
Brasil segue um modelo em que vende mais barato e vende muito. Como as
classes de poder aquisitivo mais baixo no Brasil representam a maior
parte do mercado consumidor, estas são as classes que tem de ser
atendidas.
A participação do Profissional da Química
Todo o processo de
produção da cerâmica está ligado diretamente à indústria química, na
qual se insere a Engenharia de Materiais. No Polo de Santa Gertrudes a
tendência é de que todos os profissionais de nível superior que
trabalham na área cerâmica sejam ligados à área química. Existem alguns
profissionais da engenharia mecânica, responsáveis pela parte mecânica e
manutenção dos equipamentos, mas a maior parte dos profissionais que
atuam nesse setor busca formação na área de química, seja em cursos de
graduação ou cursos de especialização.
O profissional da química
atua em todas as etapas de produção, começando com a caracterização das
matérias primas, que são naturais. A composição química é determinada
por químicos. Eles vão analisar não só a base do azulejo mas também a
parte do esmalte, do vidro, que é sobreposta. No forno, a peça vai
sofrer uma série de transformações e reações químicas, e ganha
resistência mecânica. O forno, na realidade, é um reator químico:
coloca-se todos os reagentes e usa-se a energia térmica como energia de
ativação para se processar as transformações nas propriedades, de tal
forma que o produto que saia dali tenha as características que se
deseja.
O polo cerâmico de Santa Gertrudes
Tradicionalmente o polo
cerâmico brasileiro funcionava em Santa Catarina, onde se localizam as
primeiras grandes empresas do setor, como Eliane, Portobello e Cecrisa.
Santa Gertrudes era um grande produtor de cerâmica vermelha – tijolos e
telhas – fundamentalmente. A partir de determinado momento, Santa
Gertrudes começou a produzir um lajotão colonial que estava na moda. Foi
o produto certo, no lugar certo, na hora certa, e isso rendeu muito
dinheiro. As indústrias reinvestiram o lucro nas próprias fábricas, que
acabaram crescendo de uma forma em que, nos últimos 30 anos, o polo de
Santa Gertrudes, que era insignificante na produção de pisos e azulejos,
hoje produz quase 70% do que é fabricado no Brasil. O segundo maior
polo cerâmico do país é Criciúma, em Santa Catarina. O terceiro é o do
nordeste, que está em crescimento acelerado, e é bastante espalhado,
pois as fábricas ficam distantes umas das outras. É um polo incipiente,
mas sua produção já está chegando a 12% do que é produzido no país de
pisos e azulejos.
Sustentabilidade
A questão da
sustentabilidade foi deixada de lado por muito tempo. Há 30 anos o polo
de Santa Gertrudes praticamente não existia, e hoje produz 70% dos pisos
e azulejos consumidos no Brasil. Como se chega em 30 anos a isso sem
causar dano ambiental? Principalmente na primeira etapa, isso foi um
verdadeiro “faroeste”. Ninguém tinha ideia de que estava sendo usando
chumbo para fazer os esmaltes, e todo mundo jogava chumbo na atmosfera e
nos rios. Isso tudo criou um passivo ambiental muito grande, por muitos
anos. Quando nossa consciência ecológica aumentou, os órgãos
fiscalizadores começaram a atuar e a cobrar ações reparadoras.
Atualmente existem vários projetos tentando minimizar o passivo, e de
outro lado, cuidar para que as indústrias não façam no futuro aquilo que
foi feito no passado. Essa preocupação com o ambiente começou há cerca
de 15 anos.
A universidade também
participa dessas iniciativas. A universidade, na realidade, é o apoio
externo que as indústrias precisam. A preocupação das indústrias é
produzir, e sempre que sai fora do “produzir” ela precisa de um apoio
externo.
Atuação do Laboratório de Revestimentos Cerâmicos
O Laboratório de
Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos funciona
há 20 anos. Seus pesquisadores não buscam inovação, mas soluções para os
problemas de produção das indústrias do Polo cerâmico de Santa
Gertrudes, que está a 60 quilômetros de distância. O laboratório também
auxilia a indústria a adaptar para o mercado brasileiro o que foi
desenvolvido na Europa, principalmente Itália e Espanha. Como a
indústria está em processo contínuo de produção e é impossível desligar
as máquinas durante alguns dias ou uma semana até encontrar a solução de
um problema na linha de produção, o laboratório teve que se adaptar à
velocidade da indústria, e buscar soluções com extrema rapidez. Assim,
as conclusões das análises são passadas muitas vezes pelo celular ou por
email diretamente do laboratório para a linha de produção, já que não
há tempo a perder com a elaboração de um relatório ou qualquer outro
tipo de formalismo. O laboratório trabalha o tempo inteiro em contato
com funcionários da indústria e a maior parte de suas demandas vem do
setor de revestimento em geral. Outras demandas vêm de empresas que
produzem insumos para a indústria cerâmica. Em contrapartida ao trabalho
realizado as indústrias doam matérias primas e financiam ensaios de
interesse dos próprios pesquisadores do Laboratório. Normalmente as
análises solicitadas são desenvolvidas em laboratórios parceiros, que
dispõem de equipamentos sofisticados, alguns dentro da própria UFSCar.
Texto
produzido a partir de entrevista com o Prof. Anselmo Ortega Boschi,
PhD, Engenheiro de materiais e Coordenador do Laboratório de
Revestimentos Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos, editor
chefe da revista Cerâmica Industrial, assessor técnico da Abracolor e
Coordenador da Área de Cerâmica do Departamento de Engenharia de
Materiais da UFSCar.
Fotos
Stock.xchng - www.sxc.hu
Redação
Mari Menda – Jornalista
Ass. de Comunicação e Marketing do CRQ-IV
Revisão
Prof. Dr. Antonio Carlos Massabni
Prof. Titular aposentado do IQ-Unesp Araraquara
Cerâmica |
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