sexta-feira, 10 de julho de 2020

Análise das mudanças trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência

Análise das mudanças trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência

Com foco voltado ao instituto da prescrição


Publicado por Isaias Cunha

1. Introdução:

As pessoas com deficiências sempre existiram, isso não é algo novo, elas desde sempre estão presentes na nossa sociedade, pois são seres humanos assim como todos os demais. Só que antigamente estas pessoas chegavam a ser vistas como um problema, as pessoas com deficiência eram excluídas da sociedade como se fossem uma aberração.

Um exemplo disto era na Grécia Antiga, pois os bebês que nasciam com alguma deficiência eram por conta disso levados a morte, na maioria das vezes sendo jogados de um abismo. Pelo simples fato de que não iriam conseguir virar os guerreiros que a pólis esperava para defender o seu território. Outro exemplo deste preconceito que as pessoas com deficiência sempre sofreram ao longo da história foi no Egito Antigo, pois lá se acreditava que a deficiência era em decorrência de espíritos do mau, de demônios ou por causa de uma culpa que a pessoa carregava de uma vida anterior e a deficiência era a consequência deste pecado.
E esta visão histórica e preconceituosa das pessoas com deficiência ficou enraizada na sociedade, mas já conseguimos dar muitos passos importantes em busca da igualdade entre todos. Como por exemplo, as empresas que tem cotas de emprego para pessoas com deficiência e os concursos que também possuem estas cotas.
Ou seja, as pessoas com algum tipo de deficiência, no decorrer da evolução humana sempre passaram por grandes dificuldades para conseguirem terem os seus direitos efetivados, podemos dizer, inclusive, que estas pessoas passaram por uma luta pela sobrevivência. E para estes direitos serem efetivados de maneira correta, existe há necessidade de colocarem eles em normas, tanto na Constituição, quanto em leis específicas sobre o assunto.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a primeira a incluir as pessoas com deficiência e trazer alguns direitos para estas, portanto, foi um marco muito importante para a sociedade. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, foi outro marco importante para estas pessoas, pois trouxe mais direitos que afirmavam a dignidade delas e foi ratificada e incluída na nossa Constituição com força de Emenda Constitucional em 2008. Já no Brasil, o primeiro marco que trouxe alguns dos direitos das pessoas com deficiência foi a Constituição Federal de 1988. E apenas em 2015 foi sancionada a Lei 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, pela então Presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff.

2. Desenvolvimento:

E o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe diversas mudanças em vários Códigos brasileiros. As mudanças mais drásticas ocorreram no Código Civil Brasileiro que tiveram muitos artigos revogados ou alterados. A mudança mais profunda é a trazida pelo art. 6º desta lei, pois confere as pessoas com deficiência a plena capacidade legal. Ou seja, aquelas pessoas que de acordo com o código eram absolutamente incapazes e deveriam ser representadas, agora são capazes para atos da vida civil, menos os menores de 16 anos (que de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência são os únicos absolutamente incapazes). Portanto, este artigo permite as hipóteses abaixo:

Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

O art. 84 deste Estatuto também vai neste sentido e altera o art. 3 do Código Civil, pois agora só os menores de 16 anos são absolutamente incapazes. E o art. 4 do Código Civil, que trata dos relativamente incapazes, também acabou sendo alterado e foi retirado desta categoria os deficientes mentais com discernimento reduzido e os excepcionais com desenvolvimento mental incompleto (pois, agora estes possuem plena capacidade civil), e aqueles que estavam previstos no art. 3, inc. III, agora pertencem ao inc. III do art. 4 , que fala que são relativamente incapazes “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” (esta hipótese antes se tratava de incapacidade absoluta). E conforme trazido na obra “Estatuto da Pessoa com Deficiência Comentado Artigo por Artigo”:

A nova redação dedicada aos arts. e do Código Civil de 2002 é de clareza solar ao afastar qualquer tipo de incapacidade jurídica decorrente de deficiência. Assim, a deficiência, de qualquer ordem, não implica em incapacidade para a prática de atos jurídicos. Todavia, a pessoa com deficiência pode reclamar uma proteção diferenciada em determinadas situações, como estado de risco, emergência ou calamidade. (FARIAS; CUNHA; PINTO; 2016, p. 62).

Também ocorreram mudanças importantes em relação ao casamento, a curatela, no direito de ser testemunha, na novidade da tomada de decisão apoiada, entre outras. Mas aqui o nosso foco é em relação à mudança que ocorreu no instituto da prescrição. Pois, antes a prescrição não corria contra estas pessoas consideradas deficientes por elas serem absolutamente incapazes. E no caso destas pessoas com deficiência serem o devedor da relação jurídica, a prescrição andava normalmente contra o credor, pois isto beneficiava o devedor, que no caso era a pessoa com deficiência.
Mas agora que isto mudou, que as pessoas com deficiência não são mais absolutamente incapazes, na teoria, a prescrição correria normalmente contra elas e isto seria um prejuízo que o Estatuto da Pessoa com Deficiência teria ocasionado, conforme traz o Professor José Fernando Simão em seu artigo “Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte 1)”. E isso acabaria prejudicando os deficientes que precisam desta proteção, a qual neste sentido da prescrição, estaria sendo tirada deles.

Portanto, com a vinda da Lei 13.146, podemos dizer que aquelas pessoas com deficiência que eram absolutamente incapazes, agora possuem uma capacidade limitada (como regra) e se fossem feita uma interpretação exclusiva do Código Civil, a prescrição correria contra elas.

Mas a o Estatuto da Pessoa com Deficiência surge com o intuito de tornar concreto no ordenamento jurídico interno o que dispõe a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi ratificada pela nossa Constituição com força de Emenda Constitucional, como já falado anteriormente. Portanto, deve ser respeitado e aplicado o exposto nesta Convenção.
3.Conclusão:

O Estatuto da Pessoa com Deficiência vem para ampliar os direitos destas pessoas e não para restringir o que elas já conquistaram. E por este motivo, apesar do Código Civil (em seus artigos 3 e 198, inc. I) deixar bem claro que a prescrição não correria somente para os menores de 16 anos (que são os únicos absolutamente incapazes agora), a prescrição também não deve correr contra as pessoas consideradas deficientes conforme com o que era exposto anteriormente no Código Civil.

Pois, se deve prestar atenção no art. 4.4 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que diz que se a norma interna do Estado Parte for mais favorável, é a que deve ser aplicada, porque a Convenção vem para proteger e ampliar o direito dos deficientes e não para limitar. E o que diz também o art. 121 do Estatuto da Pessoa com deficiência, que deve ser aplicada a norma que seja mais benéfica ao deficiente. Portanto, termino deixando claro que a prescrição não deve correr contra as pessoas com deficiência, por força dos já citados artigos da Convenção e do Estatuto.
*Referências:
file:///C:/Users/ASUS/Downloads/Estatuto%20da%20Pessoa%20com%20Defici%C3%AAncia%20comen.pdf
https://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/448311888/debate-sobreoestatuto-da-pessoa-com-deficiencia-com-jose-fernando-simao

Estudante de direito na PUCPR.JusBrasil Julho 2020

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