segunda-feira, 16 de agosto de 2021
Quando posso dizer que o imóvel é meu?
Quando posso dizer que o imóvel é meu?
A necessidade do registro no Cartório de Registro de Imóveis
JusBrasil
Carolina Castro, Advogado
Publicado por Carolina Castro
Joana está feliz! Após perambular pela cidade, finalmente conseguiu, com a assessoria de Luiz, seu corretor de imóveis, encontrar o apartamento dos seus sonhos.
Um “dois quartos” charmoso, naquele bairro meio residencial, meio boêmio. Farmácia e padaria a poucos metros de distância, vizinhos simpáticos, cachorros bem-vindos (ou pet friendly, se preferir). E o melhor! Preço dentro do orçamento – anos de economia combinados com saldo de FGTS. Nem financiamento será necessário.
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Pois bem. O vendedor e então proprietário do imóvel, o Sr. Salomão, tinha pressa na venda e facilitou as coisas de tal maneira que Joana dispensou os palpites e correu para concretizar o negócio, comparecendo ao Tabelionato de Notas no dia e hora combinados para assinar a escritura de compra e venda.
Realmente. Joana não sabia porque estavam combinando naquele local, mas o Código Civil, em seu artigo 108, estabelece que a transação de imóveis acima de 30 (trinta) salários mínimos, regra geral, necessita de escritura púbica para sua validade.
Documento assinado por todos, Joana, apesar de advertida pela Tabeliã, acreditava que tinha em mãos o documento que lhe fazia dona do seu apartamento. Não, Joana, não é bem assim.
O negócio realizado existe e é válido. No entanto, perante as outras pessoas do mundo ele ainda não produz efeito algum (não há a chamada oponibilidade erga omnes). Falta um passo bastante importante e muitas vezes negligenciado pelas pessoas. Vejamos qual é.
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO DO IMÓVEL
No Brasil a aquisição da propriedade se dá por meio da conjugação do título, razão pela qual se adquire o bem – compra, doação, permuta etc. - com o modo, meio pelo qual se adquire o bem.
No caso de bem imóvel, o modo é justamente o registro no Cartório de Registro de Imóveis (Código Civil, artigos 1.227 e 1.245).
Já com a aquisição de bens móveis é diferente, a aquisição se dá com a tradição (CC, art. 1.226). Aqui o legislador optou pela ausência de registro para que os bens circulem na sociedade com maior fluidez. Ressalvadas as exceções, levando em consideração o valor dos bens móveis em relação aos imóveis, isso faz bastante sentido.
Pois bem. O título da transação imobiliária deve ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis da sua circunscrição geográfica para ser registrado (ou averbado). Qualquer título? Não. A lei que vai determinar. A Lei de Registros Publicos – LRP (lei nº 6.015/73) estabelece uma longa relação nos arts. 221 e 167, bem como a lei nº 9.514/97 em seu art. 22.
Destacamos aqui as escrituras públicas, documento dotado de fé pública lavrado em Tabelionato de Notas, outro Cartório que não se confunde com o de Registro de Imóveis. Grosso modo, as partes do negócio lá comparecem, expõem a sua vontade perante o Tabelião que a traduz no documento público com as devidas formalidades.
Conforme dito anteriormente, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo. Portanto, o instrumento particular só será admitido na hipótese de valor inferior ao limite legal ou no caso de expressa disposição em lei.
Dessa maneira, o registro do título de aquisição ou transmissão da propriedade ou de outro direito real imobiliário (usufruto, servidão, por exemplo) obrigatoriamente deverá ocorrer, bem como dos títulos que impliquem modificação ou extinção desse direito. Não fazê-lo implicará na não concretização dos efeitos desejados, não obstante a realidade dos fatos no mundo real (LOUREIRO, 2021).
O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – CRI
O CRI tem como função primordial ser o repositório fiel da propriedade imóvel e dos negócios jurídicos a ela referentes. Trata-se de um grande arquivo que demanda atualização constante pois é responsável por conferir segurança jurídica e estabilidade às transações imobiliárias do país.
Esse “arquivo”, esse registro imobiliário, desde a vigência da Lei de Registros Publicos, em 1976, é feito mediante o sistema de matrículas.
A matrícula conta a história do imóvel, de modo contínuo e encadeado, e é como se fosse sua “identidade” uma vez que possui um número que se refere apenas àquele bem em particular.
Esse sistema atual, que concentra num único registro todas as ocorrências relativas ao bem imóvel, também conhecido por fólio real, é mais vantajoso do que o sistema de transcrições adotado anteriormente, com base na pessoa, e a tendência é que seja por ele substituído por completo com o tempo.
Isso porque, a LRP, em seu art. 228, determina a abertura de matrícula para todo imóvel que tiver algum ato jurídico a ser registrado em cartório a partir da sua vigência, 01/01/1976.
Portanto, ou o imóvel já tem transcrição e terá sua matrícula aberta ao registrar algum ato jurídico (compra e venda, inventário, doação, por exemplo) ou o imóvel de fato não possui qualquer registro anterior e precisará ter sua matrícula aberta.
Uma distinção relevante a ser feita, mais até para fins de compreensão das normas pertinentes ao tema, é entre registro e averbação. Os títulos sujeitos à registro são aqueles cujos atos de algum modo geram direitos reais sobre o imóvel ou de alguma forma grave a propriedade (LRP, art. 167, I). Já serão sujeitos à averbação os títulos que alterem ou complementem um registro (LRP, art. 167, II).
Por fim, importante destacar que o CRI deve observância às normas, mas também a importantes princípios que ajudam na compreensão do sistema registral imobiliário, dentre os quais destacamos os seguintes:
Princípio da prioridade – quem primeiro protocolar o título (prenotação) terá prioridade no registro em relação a outros títulos que objetivem direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, protocolados posteriormente (LOUREIRO, 2021);
Princípio da legalidade – necessidade de o registrador analisar se o título prenotado cumpre os requisitos previstos em lei para que seja registrado ou averbado;
Princípio da publicidade – todos os atos e fatos, objeto de registro, são acessíveis a qualquer pessoa. É por esse motivo que o registro é oponível contra todos e não se pode alegar desconhecimento daquilo que é público. Ora, se a hipoteca está na matrícula, não poderá o comprador alegar desconhecê-la. Do mesmo modo não se pode gravar um bem que não seja de propriedade do devedor;
Princípio da continuidade – a matrícula deve conter a história do imóvel e dos proprietários, de maneira encadeada, sem vazios ou interrupções na corrente registrária, com um ato sempre relacionado a outro ato que já conste na matrícula.
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CONCLUSÃO
O imóvel, certamente, para a maioria das pessoas, representa o bem de maior valor que será adquirido ao longo da vida e por isso deve ser feito de maneira bastante cautelosa, demandando um sistema que garanta as informações trocadas entre os interessados.
O papel principal do CRI é justamente conferir às transações imobiliárias a segurança jurídica necessária para que elas ocorram em paz, sem surpresas.
Iniciamos com uma estória bastante simples. Joana adquiriu um imóvel por meio de escritura pública e não a registrou por desconhecimento de como funciona o sistema. Joana, portanto, não é proprietária e está correndo sérios riscos de perder o seu apartamento. Lembra que o Sr. Salomão tinha pressa? Cena para os próximos capítulos.
Enfim. Só é dono quem registra. Como no caso de Joana, há o desconhecimento da regra (não mais por você), há o famoso “deixa pra depois”, mas há também o fato de que o registro tem um custo que não pode ser desconsiderado. Entretanto, com toda a certeza, o custo se algo der errado será terrivelmente maior.
Vamos torcer por Joana.
REFERÊNCIAS
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos - Teoria e Prática. 11ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm
*Imagens utilizadas disponíveis, respectivamente, no site unsplash.com e pixabay.com, de Brina Blum e mohamed Hassan.
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