quarta-feira, 11 de agosto de 2021
Química forense - A verdade por A + B
Química forense - A verdade por A + B
Autor: Nilson Hernandes - CRQ/IV
A Química é uma ciência que possibilita aos seus profissionais atuar em diversos setores. Os mais conhecidos são a própria indústria química, que fornece matérias-primas para quase todas as atividades industriais, os de análises em geral, petroquímica, tratamento de superfícies, celulose e papel, meio ambiente, cosméticos, farmoquímicos etc. Há, porém, algumas áreas pouco consideradas na hora de escolha da carreira, mas que vêm ganhando importância nos últimos anos. É o caso da que reúne os peritos criminais forenses, cujas atividades passaram a ser mais conhecidas e reconhecidas do grande público a partir de casos de repercussão nacional. Mais recentemente, também colaborou para despertar o interesse sobre essa área a exibição de seriados de TV como o CSI (Crime Scene Investigation), que dramatiza a atuação desses profissionais em três cidades norte-americanas.
O campo de trabalho, no Brasil, ainda é restrito, limitando-se quase que exclusivamente aos departamentos de Polícia Científica dos Estados e da União (Polícia Federal). Contudo, a evolução do sistema jurídico aliado ao direito constitucional do acusado de contestar provas, inclusive as obtidas a partir de análises periciais, ou mesmo apresentar outras em sua defesa, são fatores que podem favorecer a ampliação desse mercado. Pouca gente sabe, mas é perfeitamente possível a contratação de um perito particular.
A perícia criminal envolve várias especialidades, tendo a química participação obrigatória em quase todas. A maioria dos profissionais que nela atua está vinculada aos departamentos de Polícia Civil, mas em São Paulo e mais oito estados da União, tais divisões, devido à sua importância, tornaram-se departamentos autônomos.
Em São Paulo, no Instituto de Criminalística (IC), órgão da Superintendência da Polícia Técnico-Científica, existe o Núcleo de Química (NQ), uma divisão criada para cuidar especialmente, como o próprio nome sugere, dos aspectos químicos envolvidos em investigações, notadamente naquelas onde não se sabe quem são os autores de crimes ou quando não se têm, num primeiro momento, provas consistentes contra os suspeitos. Além do NQ, os peritos químicos podem trabalhar em outros núcleos que compõem o Centro de Exames, Análises e Pesquisas (CEAP) do IC.
O perito criminal químico forense Ciro Ozaki, diretor do NQ – que é Bacharel em Química com Atribuições Tecnológicas –, diz que a prova pericial é considerada cabal, uma vez que é obtida por meios científicos que dificilmente podem ser contestados. A perícia forense é, portanto, uma atividade da qual nenhuma Polícia moderna e eficiente pode prescindir.
Mas como trabalham esses profissionais da química? Diferentemente do que mostra o seriado da TV, Ozaki esclarece que os peritos não interrogam suspeitos e nem sempre precisam ir a campo para colher materiais que depois, em laboratório, poderão ajudar a desvendar um crime. São dois "tipos" de peritos: os de laboratório e os de campo. Estes últimos não precisam necessariamente ter formação na área química, mas recebem treinamento técnico para fazer a coleta dos materiais que posteriormente serão analisados em laboratório, explica Ciro Ozaki.
As atividades mais comuns dos Químicos que trabalham no IC incluem análises de combustíveis, bebidas, fragmentos de incêndios, exames residuográficos e até a inspeção de artefatos explosivos. Bombas apreendidas em estádios de futebol, por exemplo, são uma mistura de pólvora branca (um composto de clorato de potássio e pó de alumínio), pregos, parafusos ou pedras. A pólvora branca é muito perigosa, podendo explodir até quando está sendo manuseada, explica a perita Sirley Dionisio Mendes Soares, que tem bacharelado e licenciatura em Química. O 1º Secretário do CRQ-IV, Lauro Pereira Dias, especialista em explosivos, acrescenta que o manuseio desse produto é tão crítico que deve ser feito em ambiente fechado e sobre uma lâmina d’água para evitar que uma possível combustão culmine com a explosão. O desconhecimento dessa característica letal do produto por parte de leigos tem sido a causa de grandes tragédias que freqüentemente ocorrem em São Paulo e em outras cidades onde a pólvora é adquirida, em geral, de modo clandestino.
Outro exemplo de atuação de um perito forense são os casos de incêndio. A análise química é o que poderá determinar se o sinistro foi criminoso ou acidental. "É possível saber se alguém ateou fogo no local analisando sinais de combustível em fragmentos achados em campo", explica Ciro Ozaki. Para descobrir a cor de um veículo carbonizado também é necessário um exame que indique o pigmento da pintura original. Em acidentes de trânsito, as análises revelam a cor exata da mancha que pode ter ficado na lataria de um carro após uma colisão, fornecendo subsídios para que os investigadores de polícia descubram a fabricante e o modelo do automóvel que se está procurando.
Bombas incendiárias - Por vezes, os peritos químicos forenses se deparam com casos inusitados e que até poderiam virar tema de piadas. Numa oportunidade, a Polícia apreendeu e enviou ao NQ uma carga de coquetéis molotov, armas incendiárias usadas comumente por guerrilheiros, mas que também podem estar nos arsenais de grupos arruaceiros. Para surpresa dos técnicos, contudo, assim que o material começou a ser analisado verificou-se que quase nenhum dano poderia causar. Como se sabe, quando fabricados artesanalmente, esses artefatos se constituem de um recipiente de vidro que dentro contém um líquido inflamável (gasolina, álcool ou querosene) e um chumaço de pano na ponta, no qual se ateia fogo. Ao ser lançado e atingir o chão, o invólucro se quebra e espalha o combustível em chamas. Mas no caso em questão, os "construtores" dos supostos coquetéis cometeram um erro técnico: no lugar de vidro, utilizaram garrafas de plástico. Ou seja, se lançadas contra os "inimigos", o máximo que aquelas armas poderiam causar seriam alguns sustos ou, quando muito, galos nas cabeças dos atingidos.
Análises para verificar possíveis falsificações de bebidas também estão entre as atividades rotineiras dos peritos forenses. Esses casos exigem que o Químico também seja um bom observador, pois o trabalho começa pelo exame das embalagens. As garrafas de bebida falsa geralmente não possuem o lacre original, mas sim um anel de plástico, chamado válvula de retraque, adaptado. Esse dispositivo engana o consumidor, que só se dá conta de que comprou gato por lebre quando chega em casa e abre a garrafa, explica a perita Sirley Soares.
Uma conhecida marca de conhaque é a bebida mais falsificada. O destilado original é substituído por uma mistura de álcool comum e corante, que confere uma cor parecida com a do produto verdadeiro. "O sabor é diferente, entretanto se você não tiver o produto original no momento da confrontação é muito difícil distinguir um do outro", salienta a técnica.
Limitação - Segundo explica o perito criminal químico e diretor do Núcleo de Química (NQ), Ciro Ozaki, outros núcleos que juntamente com o NQ compõem o CEAP também fazem uso da química como instrumento de análises de materiais. São eles: Bioquímica e Biologia, Análise Instrumental, Exame de Entorpecentes e o de Balística, este último responsável por analisar armas e projéteis. O NQ tem a atribuição de fazer análises em explosivos e bebidas, além de lidar com a química em geral. O Núcleo de Física dá apoio ao de Química.
Os peritos criminais forenses trabalham com os mesmos equipamentos que boa parte dos profissionais da química utiliza em seu dia-a-dia, como cromatógrafos e espectrômetros. Nem sempre o instrumental do NQ é o mais indicado para determinados trabalhos, geralmente os de caráter complementar, o que obriga seus técnicos a recorrerem aos laboratórios de entidades como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Universidade de São Paulo (USP) ou Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O NQ possui um contingente reduzido. Dos nove peritos, sete são profissionais da química. "Temos um problema de recursos humanos e nem sempre conseguimos colocar as pessoas devidamente qualificadas nos locais em que se fazem necessárias, pois os outros núcleos também precisam de gente para dar andamento ao trabalho. Mas dentro do que a lei exige, está tudo correto", minimiza Ozaki.
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