sábado, 18 de setembro de 2021
O que o cubo mágico tem a ver com a ansiedade na pandemia?
O que o cubo mágico tem a ver com a ansiedade na pandemia?
Laura Mattos - Folha de São Paulo – 16/09/2021 – São Paulo, SP/ Cliping Educacional- CONSAE - Set/21
O cubo mágico, famoso desde os anos 1980, é cada vez mais popular e hoje tem versões das mais inimagináveis. Além daquele original, o chamado 3x3, há o 4x4, o 5x5... o 17x17, em formato de pirâmide, de barril e até de casa e de banana. Enquanto pais acham complicado ou até impossível montá-los, crianças e adolescentes dão conta do recado em segundos, com uma mão só, com os pés e até de olhos vendados.
Na volta às aulas presenciais, os cubos mágicos ressurgem nas escolas, e tem aluno que não quer parar com os movimentos frenéticos nem na hora em que o professor está explicando a matéria. Afinal, nos tempos do ensino remoto, acostumou-se a fazer isso sem grandes problemas. A mania de montar cubos, ainda que não seja recente, pode ter adquirido novos significados na vida de crianças e jovens a partir da pandemia, em um contexto de aumento de ansiedade, angústias e incertezas.
Desembaralhar as cores e organizá-las traz para os fãs dos cubos uma sensação de alívio do estresse, em meio ao caos da atualidade. “É satisfatório deixar tudo certinho”, como resume o estudante Yan Rodrigues Rocha, 17, de Caraguatatuba (litoral de São Paulo), que monta cubos desde os 9 anos e participa de campeonatos. Ele resolve o 3x3 em cerca de 13 segundos, o que o coloca entre os 200 melhores do Brasil, onde o recorde é de 5,58 segundos — o mundial é de 3,47. Desde o início da pandemia, Yan monta cubos enquanto assiste às aulas on-line e diz que se sente menos ansioso em razão disso — em sua opinião, seu cérebro dá conta de prestar atenção à aula e de montar ao mesmo tempo. Diz ter percebido um aumento da popularidade dos cubos durante o confinamento, com a maior conexão às redes sociais e uma enxurrada de vídeos no TikTok de crianças e adolescentes montando.
O cubo mágico foi criado em 1974 pelo arquiteto e professor de design húngaro Erno Rubik, que o elaborou, despretensiosamente, para estudar formas tridimensionais e movimentos rotacionais. Ao pintar as peças de cada lado de cores diferentes e depois movimentá-las, percebeu que havia inventado um quebra-cabeça. Ele demorou quase um mês para conseguir reorganizá-las, conforme narrou no livro “Cubed”, lançado no ano passado. Patenteado em 1975, o cubo de Rubik chegou ao mercado de brinquedos no final dos anos 1970 e, no início dos 1980, tornou-se um fenômeno internacional.
Calcula-se que já tenham sido vendidos mais de 350 milhões de unidades dos originais, sem contar as cópias. Ao longo dessas quase cinco décadas, o cubo ampliou a popularidade com campeonatos internacionais, em que recordes do tempo de montagem vêm sendo quebrados pelos chamados “speedcubers”. Com a chegada do YouTube, nos anos 2000, vídeos tutoriais e cenas de competições ampliaram sua fama.
Montar cubos rapidamente pode ser, claro, uma brincadeira como outra qualquer, normalmente uma fase passageira da infância e da adolescência. Mas, no contexto da pandemia e diante de seus traumas, inclusive o do fechamento das escolas, a prática, em alguns casos, ganha contornos de compulsão, atrelada à tentativa de controlar a ansiedade e os medos, na avaliação do pediatra e psicólogo Eduardo Goldenstein, do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Com a dificuldade de lidar com tantas situações novas e nada simples, organizar o cubo pode trazer uma sensação de segurança, acredita o psicólogo. Não é para todos, obviamente, que funciona assim, e tem gente que mais se estressa do que se acalma. É importante, diz Goldenstein, que família e escola fiquem atentos à forma como a criança e o adolescente utilizam os cubos, assim como outros jogos, em especial os online, para que possam, se necessário, ajudá-los a ampliar as estratégias para atenuar a ansiedade e encarar os medos. “Não se trata de discutir se o cubo mágico é bom ou não, mas de entender se há angústia por trás da prática e de tentar abrir o horizonte das crianças e dos jovens para superá-las, com conversa e interação com eles.”
Não se pode ignorar o já reconhecido potencial dos cubos como ferramenta para ampliar o raciocínio e a concentração, o que vem sendo incorporado à educação na rede privada e na pública. Montar o cubo é, afinal, lidar com algoritmos, ou seja, com sequências de movimentos necessários para se chegar à solução, em meio a nada mais nada menos do que 43 quintilhões de combinações possíveis.
O cubo pode ser também aliado no acolhimento durante a retomada das aulas presenciais, gerador de motivação e facilitador de sociabilização. Um dos projetos recentes, que teve início em agosto, é o Clube do Cubo Mágico, que reúne alunos do sexto ao nono ano da Escola Municipal Tranquilo Pissetti, no município de Içara (SC).
É com sensibilidade que o documentário “Magos do Cubo”, recém-lançado pela Netflix, narra os avanços socioemocionais que o cubo proporcionou a Max Park, garoto norte-americano autista que se tornou um dos maiores campeões mundiais na montagem do quebra-cabeça — ele atualmente está em sexto lugar no ranking oficial do 3x3, com 4,40 segundos. Em um dos campeonatos que venceu, mais do que o tempo que havia levado na montagem, seus pais comemoraram o fato de ele ter, no pódio, olhado para os outros competidores e agido como eles. O cubo teve a força de conectá-lo às pessoas ao seu redor, uma dificuldade para o jovem.
É tocante a amizade mostrada pelo filme entre Max e um de seus maiores concorrentes, o australiano Feliks Zemdegs, hoje em terceiro lugar no 3x3, com 4,16 segundos. Em caso de derrota de um e vitória do outro, ambos conciliam a frustração consigo próprio à satisfação de ver o amigo vencer. Perto dessa capacidade complexa e rara, encarar algoritmos e quintilhões de combinações do cubo fica até fácil
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