Os Primeiros Elementos Químicos Sintetizados pela Tecnologia: Tecnécio (Tc) e Astatíneo (Astato) (At) e Suas Diversas
Aplicações.
Segundo vimos em verbetes desta
série, em 1869 (Journal of the Russian Physical
Chemical Society 1, p. 60; Zeitschrift für Chemie 12,
p. 405), o químico russo Dmitri Ivanovich
Mendeleiev (1834-1907) apresentou sua famosa Tabela
Periódica dos Elementos (TPE), na qual os 63 elementos químicos até
então conhecidos eram classificados segundo a ordem crescente de seus pesos
atômicos (hoje, número atômico Z, que representa o número de prótons do núcleo
atômico), sendo agrupados em colunas de elementos que apresentavam propriedades
químicas semelhantes. Registre-se que essa TPE foi completada por Mendeleiev em mais três outros artigos: 1871 (Journal of the Russian Physical
Chemical Society 3, p. 25), 1872 (Annalen der Chimie, Supplementband 8,
p. 149), e 1889 (Journal of Chemical Society 55, p. 634).
Ao olhar os elementos
químicos dispostos em sua tabela, Mendeleiev percebeu
que havia lugares vagos entre eles. Assim, afirmou: - Entre os elementos ordinários, a falta de uma quantidade de análogos do
boro (5B) e do alumínio (13A) é marcante. Em
vista disso, previu a existência de elementos ausentes: eka-alumínio,
eka-boro, eka-silício, eka-zircônio, eka-manganês,
dvi-manganês e eka-iodo.
Os prefixos utilizados por ele, eka e dvi, que
significam um e dois, em sânscrito, indicavam a ausência de um ou dois lugares
abaixo (diretamente ou não) do elemento que segue o prefixo. Como eka também significa
“o primeiro a seguir”, por essa razão, esse prefixo é, às vezes, traduzido por
“em baixo de”. É oportuno destacar que, ainda em vida, Mendeleiev
viu confirmada a sua previsão. Com efeito, os três primeiros, denominados de gálio
(31Ga), escândio (21Sc)
e germânio
(32Ge), foram descobertos, respectivamente, em 1875 (Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris 81, p. 493), pelo químico francês Paul
Émile Lecoq de Boisbaudran
(1838-1912); em 1879 (Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris
88, p. 645), pelo químico sueco Lars Fredik
Nilson (1840-1899); e, em 1886 (Berichte der Deutschen Chemischen Gesellschaft 19,
p. 210), pelo químico alemão Clemens
Alexander Winkler (1838-1904). Muito embora o Ga e o Ge se situem hoje (ver qualquer TPE atual), logo
abaixo, respectivamente, do A e do silício (14Si), o Sc encontra-se na coluna 03 da TPE, duas casas abaixo do B,
que, no entanto, localiza-se na coluna 13 da TPE.
Por outro lado, somente na
primeira metade do Século 20 os outros quatro elementos previstos por Mendeleiev foram isolados: o háfnio (72Hf) – o eka-zircônio –,
em 1923 (Nature 111,
p. 79), pelo físico holandês Dirk Coster
(1889-1950) e o químico húngaro-sueco George Charles von
Hevesy (1885-1966; PNQ, 1943); o rênio (75Re) –
o dvi-manganês –
e o masúrio – o eka-manganês –,
em 1925 (Naturwissenschaften 13,
p. 567), pelos químicos alemães Walter
Karl Friedrich Noddack (1893-1960), Ida Eva Tacke (depois, Noddack)
(1896-1979) e Otto Berg (1873-1939). Em 1929 (Zeitschrift für Anorganische und Allgemeine Chemie 183,
p. 353), o casal Noddack confirmou a descoberta do Re.
É oportuno registrar que o nome masúrio foi
dado para homenagear a região Masuria, localizada na
parte oriental da Prússia, hoje Polônia, terra da família dos pais de Walter Noddack. (en.wikipedia.org/Otto_Berg).
A descoberta do então masúrio foi objeto de uma grande polêmica, segundo nos
conta a química norte-americana Ruth Lewin Sime (n.1939) em seu livro intitulado Lise Meitner: A Life
in Physics (University of California Press,
1997). Como vimos acima, ele foi descoberto em 1925, pelos Noddack
e Berg, bombardeando a columbita [(Fe, Mn)Nb2O6] com um feixe de elétrons e, ao examinarem o
espectro de raios-X decorrente desse bombardeio, concluíram que haviam
observado a presença dos elementos químicos de pesos atômicos 75 e 43,
respectivamente, rênio e masúrio.
O rênio
foi confirmado pelo casal Noddack, em 1929, segundo
vimos acima, mas o masúrio permaneceu inconclusivo.
Essa polêmica sobre o masúrio só foi resolvida, em 1937 (Atti Rendiconti Lincei,
Academia Nationale dei Lincei
25, p. 273), quando o físico
ítalo-norte-americano Emilio Gino Segré (1905-1989;
PNF, 1959) e o mineralogista italiano Carlo Perrier
(1886-1948), da Universidade de Palermo,
na Sicília, Itália, anunciaram que haviam produzido artificialmente um novo
elemento químico, bombardeando o molibdênio (42Mo)
com dêuteron [1D2 ≡ 1H2,
que havia sido descoberto, em 1932 (Physical Review 39,
p. 164), pelos químicos norte-americanos Harold Clayton Urey
(1893-1981; PNQ, 1934), Ferdinand Graft Brickwede (1903-1989) e George Moseley
Murphy (1903-1969)] usando o cíclotron da Universidade da Califórnia, em Berkeley, USA. Como eles haviam
sintetizado esse novo elemento químico usando a Tecnologia, mais tarde, em 1947
(Nature 159,
p. 24), deram-lhe o nome de tecnécio (43Tc) (technetos, que significa artificial em grego).
Note-se que, em 1951 (Science 114,
p. 59), a astrônoma norte-americana Charlotte Emma Moore (1898-1990) detectou o
Tc no Sol e, em 1952 (Science 115, p. 479), o
astrônomo norte-americano Paul Willard Merrill
(1887-1961) detectou a assinatura espectral do 43Tc98
[em particular, luz de comprimentos de onda de 403,1 nm,
423,8 nm, 426,2 nm e 429,7 nm (1 nm = 10-9 m)] na
luz vinda das estrelas vermelha-gigantes do tipo-S [neste
tipo estão as estrelas gigantes frias e que apresentam evidências de bandas de
óxido de zircônio (ZrO) em seu espectro], com uma
vida média de 4,2 106 anos.
Agora, vejamos a descoberta
do eka-iodo, o elemento químico
de peso atômico (Z) 85. Em 1931 (Physical Review 37, p. 1178), os físicos
norte-americanos Fred C. Allison (1882-1974), Edgar
James Murphy (1917-1992), Edna R. Bishop (1897-1964) e
Anna L. Sommer (1899-1996), do então Alabama Polytechnic
Institute, anunciaram a descoberta do
elemento-85, ao qual derem o nome de alabamine (alabamium) (85Ab). Contudo, em 1934 (Physical Review 47, p. 310), o físico norte-americano
Herbert G. MacPherson (1911-1993), na University of Califórnia,
mostrou que havia um erro nessa descoberta. Uma nova falsa descoberta do
elemento-85 foi anunciada, em 1937 (Chemical Abstracts 31, p. 17), pelo químico indiano Rajendralal De, na então Universidade de Dhaka (hoje, Bangladesh),
Índia, ao examinar os elementos da família radioativa do tório (90Th). Assim, ele supôs ter isolado um elemento
equivalente ao então rádio F [hoje,
polônio-210 (84Po210)], ao qual
lhe deu o nome de Dakin.
Aliás, nesse mesmo trabalho, ele também afirmou haver isolado um segundo
elemento: o Gourium.
Em 1939, as físicas, a romena Horia Hulubei (1896-1972) e a francesa Yvette Cauchois
(1908-1999) observaram linhas espectrais desconhecidas no espectro do radônio (86Rn), atribuídas ao elemento-85, denominado
então de Dor (Do). Logo depois, em
1940 (Nature 146,
p. 225), o químico suíço Walter Minder (1905-1992)
anunciou a descoberta do elemento-85 como um emissor beta-menos
(β-≡ e-) (n → p + e- + ) do então rádio A-222
[hoje, polônio-210 (84Po218)],
dando-lhe o nome de helvetium
(Hv) (para homenagear sua terra, Helvetia, nome
latino de Suíça). Ainda em 1940 (Physical Review 58,
p. 672), Segré e os físicos norte-americanos Dale Raymond Corson e Kenneth
Ross Mackensie (1912-2002) bombardearam o bismuto (83Bi209) com a partícula α (2He4)
e sintetizaram o elemento-85, ao qual deram o nome de astatíneo (astato)
(85At) (astatos,
que significa instável, em grego). Em 1942 (Nature 150, p. 767), Minder e a física inglesa Alice (Prebil)
Leigh-Smith (1907-1987) anunciaram a descoberta de um
isótopo do Hv, como emissor beta-menos do
então tório A [hoje, polônio-210 (84Po216)], dando-lhes o nome de anglohelvetium (Ah) Por fim, essa polêmica sobre o
elemento-85 foi finalmente resolvida, em favor da descoberta de Segré, Corson e Mackensie, com os trabalhos da física austríaca Berta Karlik (1904-1990) e de seu colaborador Traude
Bernert. Com efeito, em 1942 (Naturwissenschaften 30,
p. 44), conjecturaram a existência do 85At (e
não o Hv) como decorrência da emissão beta-menos do
então rádio A (84Po218)
e, em 1943, ratificaram a existência do 85At em dois trabalhos: no
primeiro (Naturwissenschaften 31,
p. 298) esse elemento como emissor alfa (α ≡ 2He4)
e, no segundo (Zeitschrift für Physik 123,
p. 51), com os dois tipos de emissão (α, β). Em 1944 (Naturwissenschaften 32,
p. 44) e, em 1946 (Naturwissenschaften 33,
p. 23), Karlik e Bernert
confirmaram os resultados anteriores.
Para concluir este verbete, veremos os
isótopos do Tc e do At e
suas mais variadas aplicações, principalmente em Medicina Nuclear
(MN). O Tc não possui isótopos estáveis. Seus
isótopos radioativos ocorrem como fissão espontânea do urânio (92U)
ou por captura de nêutrons (n) pelo 42Mo. O
isótopo do Tc, o 43Tc99m
(onde m indica metaestabilidade), foi obtido em 1971 (Journal of Nuclear Medicine 12, p. 739), por J. E. Beaver e H. B. Hupf, em uma reação nuclear no qual um alvo de 42Mo100 foi bombardeado com
prótons (1p1) de 22 MeV e com a
produção de dois nêutrons (0n1) (1p1
+ 42Mo100 → 43Tc99m
+ 2 0n1) e,
então, o 43Tc99m decai
em 43Tc99, com a emissão de γ de ~ 0,14 MeV e com uma vida média de 6,01 h. Por causa dessa vida
média, o 43Tc99m é
usado em MN como radiofármacos no estudo de varias
partes do corpo humano: cérebro, esqueleto, fígado, miocárdio, pulmões, rins,
sangue, tireóide e vesícula biliar, funcionando como traçadores,
principalmente, na análise de tumores. Por outro lado, o isótopo 43Tc99 [isolado, em 1961 (Journal of Inorganic and Nuclear Chemistry 23,
p. 142), por B. T. Kenna e P. K. Kuroda, em
quantidades muito pequenas, em um pedaço de pechblenda,
oriunda da África, e decorrente de uma fissão espontânea do 92U238]
é um emissor
beta-menos com a energia de ~ 0,294 MeV,
transformando-se em rutênio (44Ru99), com uma vida média
de 2,111 105 anos, é
usado na Indústria em equipamentos de calibração e, com possível aplicação em
equipamentos ópticos- eletrônicos e em nanobaterias
nucleares. [Odair Dias Gonçalves e Ivan Pedro Salati
de Almeida, Física Nuclear, IN:
Físicahoje (Instituto Ciência Hoje/Centro
Brasileiro de Pesquisas Física, 2007); en.wikipedia.org/technetium.]
Por fim, tratemos agora dos
isótopos do 85At e suas aplicações. Esse
elemento é extremamente radioativo. Todos os seus isótopos (produzidos apenas
em quantidades microscópicas) e dos 32 até então conhecidos, têm menos de 12
horas de vida média, sendo, principalmente, emissores beta-mais
(β+ ≡ e+) (p → n + e+ + ), beta-menos (β- ≡
e-) (n → p + e- + ) e emissores alfa (α ≡ 2He4). Devido a sua vida média ser
pequena e o calor gerado por sua radioatividade ser alto, eles nunca são
vistos, pois são imediatamente vaporizados. Daí porque, eles são algumas vezes
descritos como metal ou como metalóide, e de cor negra. Embora sejam frequentes na crosta terrestre, nunca foram identificados
nas estrelas. Os três mais importantes isótopos do At,
são: 85At209, 85At210
e 85At211 e foram sintetizados por intermédio do
bombardeio do 83Bi209 com a α. Assim, em 1951 (Physical Review 82, p. 13), os físicos norte-americanos
G. W. Barton, Albert Ghiorso (1915-2010) e I. Perlman produziram o
85At209 em uma reação do
tipo: 83Be209 + 2He4 (60 MeV) → 85At209 + 4 0n1. Os outros dois
isótopos foram sintetizados, em 1968 (Russian Chemical Reviews 37, p. 87), pelos químicos russos V. D.
Nefedov, Yu. V. Norseev, M. A. Toropova e
Vladimir A. Khalkin por intermédio das seguintes
reações: 83Be209 + 2He4
(40 MeV) → 85At210 + 3 0n1 e 83Be209 + 2He4
(26 MeV) → 85At211 + 2 0n1.
Os isótopos vistos acima
apresentam decaimentos dos tipos beta-mais (β+) e alfa (α):
85At209 → 84Po209
+ β+ (3,486 MeV) e 85At209 → 83Bi205
+ 2He4 (5,758 MeV), ambos
com a vida média de 5,41 h, e 85At210 → 84Po210
+ β+ (3,981 MeV) e 85At210 → 83Bi206
+ 2He4 (5,632 MeV), ambos
com a vida média de 8,1 h; do tipo alfa (α ): 85At211
→ 83Bi207 + 2He4 (5,983 MeV), com a vida média de 7,21 h; e do tipo captura
do elétron (ε) [p + ε (e-) → n + νe]: 85At211 → 84Po211
+ ε (0,786 MeV), também com a
vida média de 7,21 h.
Na
conclusão deste verbete, é oportuno ressaltar que o 85At211,
como emissor de α, é muito empregado na Medicina Nuclear principalmente em
radioterapia tumoral. Por outro lado, ele é usado preferencialmente na tireóide
em lugar do iodo-131 (53I131), pois este é um emissor de
β- (elétron) altamente energético e, portanto, bastante
penetrante, enquanto a α do 85At211
é pouco penetrante. [Avgusta Konstantinovna
Lavrukhina and Aleksandr Aleksandrovich Pozdniyakov, Analytical
Chemistry of Technetium, Promethium, Astatine and Francium (Ann Arbor,
1970); en.wikipedia.org/astatine.] É oportuno destacar que, em 2013 (Nature Communications 3, article
number 1189), D. Pesquera,
G. Herranz, A. Barla, E. Pellegrin, F. Bondino, E. Magnano, F. Sánchez e J. Fontcuberta
anunciaram que haviam medido o potencial de ionização do At:
9,31751 eV (eV = elétron-volt).
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