Anemias Megaloblásticas são
anemias causadas por uma série de distúrbios provocados pela síntese
comprometida do DNA. A divisão celular é lenta, porém o desenvolvimento
citoplasmático progride normalmente, de modo que células
megaloblásticas tendem a ser grandes, com uma proporção aumentada de RNA
em relação ao DNA. Estas alterações levarão às anormalidades
hematológicas tanto na medula óssea como no sangue periférico.
O
termo megaloblástico define uma anormalidade morfológica dos núcleos
celulares dos precursores eritroides facilmente reconhecíveis, mas
difíceis de descrever. Aparecem grandes núcleos, com cromatina
rendilhada. A anemia perniciosa, também denominada de Anemia de Addison,
é a causa mais comum de deficiência de vitamina B12, com predominância
do sexo feminino e a mediana de idade é de 60 anos. Um estudo demonstrou
que 1,9% das pessoas acima de 60 anos têm anemia perniciosa não
diagnosticada.
As
causas mais comuns são a deficiência de folato e a vitamina B12 e são
totalmente corrigíveis com a terapia apropriada. O distúrbio provoca
ainda anormalidades neurológicas e psiquiátricas que podem ser
revertidas se tratadas no início do processo.
Antes
mesmo de discutir a anemia magaloblástica propriamente dita, devemos
lembrar que uma série de alterações podem estar associadas à
megaloblastose, mesmo sem anemia, e iremos discutir estas condições
sumariamente à seguir. A megaloblastose é definida pelo Volume
Corpuscular Médio ou VCM, quando este é superior a 100 pg/ml.Temos por
definição uma megaloblastose, são condições associadas à megaloblastose
álcool, doenças hepáticas, uso de medicações e as anemias refratárias
com medula hipocelular, como nas mielodisplasias e nas anemias
siderobláticas.
No
espectro das doenças hepáticas, a megaloblastose pode ocorrer
particularmente em pacientes com doença hepática crônica associada à
obstrução de vias biliares, neste caso temos uma sobrecarga de
colesterol na porção lipídica na membrana da hemácia, o VCM se torna
frequentemente elevado, mas raramente excede 115g/dl, no esfregaço as
células podem ter aparência em alvo, mas sem grande variação na forma.
Devemos ainda lembrar que na doença hepática temos outros motivos para
ocorrer anemia, como sangramento, hemólise e deficiência de ácido
fólico.
Na
circunstância do uso excessivo de álcool, costuma-se ter
concomitantemente baixa ingesta de ácido fólico, deve-se ainda
considerar que o álcool interfere com metabolismo do ácido fólico. A
tabela 1 cita os principais diagnósticos diferenciais em pacientes com
anemia e VCM aumentado.
Diagnóstico diferencial da anemia com VCM aumentado
-Espúria
-Reticulocitose marcante
-Doença hepática
-Alcoolismo
-Síndromes mielodisplásicas
-Mieloftise
-Drogas
-Anemias megaloblásticas
-Variação do normal
-Malignidade
-Anemia aplásica
-Anemia sideroblática (paciente apresenta duas populações de hemácias, uma microcítica e outra macrocítica)
-Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
-Gestação
As
alterações morfológicas afetam todas as linhagens, incluindo a
granulocítica e a megacariocítica, e pode ocorrer pancitopenia.
Etiologia
Basicamente quatro alterações podem ser causadoras da anemia megaloblástica, são elas:
1-Deficiência de cobalamina
2-Deficiência de folato
3-Drogas (principalmente o uso de antagonistas da purina ou pirimidina e inibidores de algum aspecto da síntese de DNA)
4-Outras
causas, incluindo distúrbios inexplicados e raras deficiências
enzimáticas, neste grupo entram ainda as mielodisplasias e as leucemias,
além de outras patologias como a Síndrome de Lesch-Nyhan.
Fisiopatologia
Antes
de discutirmos a fisiopatologia, propriamente dita, da anemia
megaloblástica, devemos discutir sumariamente o metabolismo do folato e
da cobalamina. O folato transfere a unidade de um carbono como os
grupamentos metil, metileno e formol para vários substratos através de
inúmeras reações enzimáticas que estão intimamente relacionadas com
síntese de DNA, RNA e proteínas. Na deficiência de folato teremos
alteração de crescimento e da maturação das células que tem rápido
crescimento como as células da medula óssea.
A
cobalamina, por sua vez, atua como fator essencial para apenas duas
enzimas nas células humanas, que são a metionina sintase, que catalisa a
reciclagem da homocisteína em metionina usando a 5-metil-cobalamina
como coenzima necessária e a metilmalonil-CoenzimaA mutase, atuando
através da adenosilcobalamina transformando a metilmalonil-Coenzima A em
succinilcoenzima A. A metionina é um aminoácido essencial para síntese
de proteínas, também na forma de S-adenosilmetionina como principal
doador de metil em reações enzimáticas importantes. Na défice de
cobalamina ocorrerá déficit de
todas as formas de folato, exceto 5-metiltetraidrofolato (diminuem todas
as enzimas que transferem grupos de 1-carbono a timidilato sintase),
por este motivo as alterações hematológicas da deficiência de folato e
da vitamina B12 são indistinguíveis.
Toda
a vitamina B12 presente no corpo humano provém da dieta, e está
presente em todos os alimentos de origem animal, assim deficiência de
vitamina B12 só ocorre em vegetarianos estritos. A absorção diária de
B12 é de 5mcg.
Alguns
fármacos atuam em diversas enzimas envolvidas na síntese de DNA:
5-fluoracil inibe diretamente a timidilato sintase. A adição de
5-formiltetraiodofolato (leucovorin) a esquema de 5-fluoracil pode a
aumentar a inibição da timidilato sintase, visto que o
formiltetraidrofolato é rapidamente convertido em 5,10
metiltetraidrofolato e timidilato sintase.
Não
se sabe completamente por que as mielodisplasias e leucemias agudas
causem megaloblastoses, mas provavelmente isto ocorre devido às
alterações secundárias da síntese de DNA.
Fisiologia da Absorção da Vitamina B12
As
cobalaminas são liberadas do alimento para luz gástrica pela combinação
de ácido clorídrico e pepsina, onde são levados pelo carreador R. No
duodeno os complexos R-Cobalamina são digeridos por proteases
pancreáticas liberando novamente as cobalaminas que desta vez são
ligadas as moléculas de fator intrínseco (FI) que são resistentes à
protease. O FI originalmente secretado nas células parietais gástricas.
Os complexos IF-Cobalamina migram para o intestino delgado aonde chegam
ao íleo e são transportadas para células epiteliais por receptores
específicos para este complexo, as cobalaminas agora ligadas às
transcobalaminas, principalmente a transcobalamina II são levadas a
circulação porta e estocadas no fígado. As transcobalaminas são as
proteínas de transporte de vitamina B12, e até o momento foram
identificados três tipos: I, II e III, cada um com um local de síntese
diferente, variações na estrutura de glicoproteínas e, no caso da
Transcobalamina III, com capacidade de ser captada apenas no fígado. A
transcobalamina I e III é produzida por macrófagos e monócitos,
aproximadamente 90% da B12 plasmática circula ligada às
transcobalaminas, porém apenas a transcobalamina II tem a capacidade de
transportar a vitamina B12 para o interior das células por endocitose,
sendo posteriormente degradada reduzida e convertida por suas coenzimas:
metilcobalamina e adenosilcobalamina. O fígado contém entre 2.000 e
5.000mg de Vitamina B12 estocada, e desde que a perda diária de B12 seja
entre 3 e 5mg, a carência pode levar mais de três anos para se
estabelecer após a instalação de um bloqueio de absorção.
Fisiopatologia da Deficiência de Vitamina B12
Uma
vez que a vitamina B12 está presente em todos os alimentos de origem
animal, a ocorrência de deficiência da vitamina por ausência de ingesta é
rara, podendo afetar os indivíduos considerados vegetarianos radicais
(que não ingerem ovos nem produtos lácteos), apos a parada de ingesta ou
absorção de vitamina B12 levam ainda 10 a 15 anos para que apareçam os
sinais da deficiência.
As
cirurgias de gastrectomia podem causar deficiência de B12, tanto pela
retirada da camada de mucosa produtora de FI, como por ocorrência da
chamada síndrome da alça cega, onde o crescimento bacteriano excessivo
leva à competição pela vitamina B12 no lúmen intestinal. Ileotomias onde
for retirada a porção absorvedora de B12 também provocam carência.
Acloridria e perda da secreção de pepsina são comuns
em idosos (mais 50% em mais 70 anos) e com gastrectomia parcial pode
ocorrer déficit de cobalamina devido à incapacidade de liberar
cobalamina ligada às proteínas dos alimentos. A má absorção de vitamina
pode ainda ocorrer na insuficiência pancreática (incapaz de degradar o
complexo R-cobalamina).
Uma
causa rara de deficiência de B12, porém frequentemente citada,é a
infestação por Diphyllobothrium latum, um parasita que afeta peixes de
águas frias. Na pancreatite e na doença de Crohn severa há deficiência
de B12 por retardo da absorção no íleo.
Numerosos
distúrbios genéticos afetam o transporte de transcobalamina, sua
conversão em coenzima e sua utilização pelas duas enzimas dependentes da
cobalamina, estes distúrbios genéticos em geral se manifestam nas
primeiras semanas de vida. Uma causa rara de deficiência de vitamina B12
é o uso do óxido nitroso, que é um anestésico associado à deficiência
de utilização da cobalamina, por alteração em várias vias. Parasitose
intestinal ainda é uma causa a ser considerada de vitamina B12, pois a
absorção intestinal da vitamina pode ficar prejudicada.
A
causa mais comum de deficiência de B12 é a chamada Anemia Perniciosa,
doença hereditária que dificilmente se manifesta antes da idade adulta
quase sempre em pacientes com mais de 35 anos de idade. Neste caso,
ocorre lesão autoimune, gastrite atrófica e eventualmente pode haver
outras alterações imunológicas, como a deficiência de IgA, insuficiência
endócrina poliglandular e deficiência de IgA. A doença tem influência
hereditária e gastrite atrofica histológica está invariavelmente
presente e resultado no teste da histamina mostra acloridria, estes
pacientes têm risco aumentado de carcinoma gástrico.
A
primeira descrição da literatura foi de Addison em 1849, a doença é
mais comum em idosos, sendo que 1,9% dos indivíduos com mais 60 anos:
anemia perniciosa não diagnosticada, macroscopicamente é evidenciada
pela perda de paredes da mucosa e afinamento da parede gástrica, pode
ser dividida em dois tipos:
Tipo
A: autoimune envolvem corpo e fundo gástrico e poupam antro. Os
pacientes apresentam anticorpos anticélulas parietais e antifator
intrínseco, que cursam com diminuição do pepsinogênio sérico e
acloridria.
Tipo
B: não autoimune relacionada à infecção pelo H.pylori e com baixa
concentração de gastrina associada, envolve o antro, e cursa com
hipogastrinemia.
Os
achados histológicos incluem um infiltrado mononuclear de células T e
não T (principalmente linfócitos B), as células plasmáticas contêm
anticorpos contra células parietais.
A
extensão do infiltrado acompanhado de alterações degenerativas das
células parietais e de zimogênio na lesão, diminui marcadamente o número
de glândulas gástricas e de células parietais e zimogênicas, sendo
substituídas por células contendo muco (metaplasia intestinal).
Na progressão da gastrite atrófica tipo A até ocorrer anemia clínica leva cerca de 20 a 30 anos. A presença de anticorpos anticélulas
parietais gástricas é preditiva de gastrite autoimune, em fase inicial a
lesão imune poderia ser prevenida com glicocorticoides e
imunossupressores. O antígeno iniciador do processo parece ser a
H+/K+-ATP se gástrica, que é responsável secreção de ions H+ em troca de
potássio. Os anticorpos anticélulas parietais gástricos, por sua vez,
fixam o complemento e lesam as células parietais.
A
doença tem fatores hereditários, com 12% de concordância em gêmeos
monozigoóicos. Associação com outras doenças imunes podem ocorrer como
tireoidite autoimune, Doença de Graves, diabetes mellitus autoimune,
Addison sugerido pela presença de hiperpigmentação, hipotensão
ortostática e perda de peso, falência ovariana primária (infertilidade),
hipoparatireoidismo primário, vitiligo, miastenia gravis e síndrome de
Lambert-eaton.
A
prevalência dos autoanticorpos aumenta conforme a idade com 2,5% dos
indivíduos na terceira década a 9,6% na oitava década em indivíduos sem
diagnóstico de anemia perniciosa.
Existem dois tipos de anticorpos contra FI:
tipo I: bloqueia ligação com a vitamina B12: mais frequentes no suco gástrico.
tipo II: combina-se ao receptor que remove B12, ocorre em 35-40% dos pacientes.
Mecanismos das Anormalidades Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina
Estas
alterações não são observadas na deficiência de folato. Por isso é
natural tentar atribuir estas alterações à deficiência da segunda enzima
dependente da cobalamina a l-metilmalonil-CoA-mutase. Na sua conversão
em succinil CoA utilizando a adenosilcobalamina, como coenzima
necessária, ocorrem formação de ácidos graxos de cadeia ramificada que poderiam ser associados a estas alterações neurológicas.
Mecanismos da Deficiência de Folato
O
folato é amplamente distribuído em vegetais e animais, principalmente
em vegetais, o cozimento excessivo, entretanto destrói grande parte do
folato. O folato não costuma estar presente em polivitamínicos, pois
poderia mascarar deficiência de cobalamina. A maior causa de sua
deficiência é a baixa ingesta. Algumas doenças podem ser associadas com
alteração de sua absorção como o sopro tropical e a doença celíaca.
Medicações como anticonvulsivantes e sulfassalazina prejudicam sua
absorção assim como o triantereno. Situações com hipermetabolismo, como
hipertireoidismo, gestação, doenças hemolíticas crônicas e doenças
cutâneas esfoliativas também podem levar a déficit de folato, em
pacientes em hemodiálise também é frequente perda de folato.
As principais etiologias da anemia megaloblástica são especificadas na tabela abaixo.
Deficiência de Vitamina B12
Dieta: vegetarianos extremos
Deficiência de fator intrínseco: anemia perniciosa, gastrectomia
Insuficiência pancreática
Doenças intestinais: ressecção ileal ou doenças do íleo, síndrome da alça cega, tênia de peixe – Diphyllobotrium latum
|
Deficiência de ácido fólico
Dieta inadequada: pobre em frutas e vegetais folhosos, alcoolismo, senilidade
Aumento das necessidades: gestação, dermatite esfoliativa, anemias hemolíticas crônicas
Drogas: fenitoína, sulfasalazina, bactrin, carbamazepina, fenobarbital
Doenças intestinais: Esprú tropical
|
Quadro Clínico e Laboratorial
O
paciente refere sintomas relacionados com anemia, geralmente severa,
muitas vezes com hematócrito entre 10 e 15%, podendo ocorrer também
sangramentos, quando se instala plaquetopenia associada, tipicamente a
anemia tem desenvolvimento lento e o número de reticulócitos tanto
relativo como absoluto é diminuído. O estado megaloblástico produz
mudanças nas mucosas, levando à glossite, assim como outros distúrbios
gastrointestinais inespecíficos, como anorexia e diarreia.
O
VCM é quase sempre aumentado, pode estar até 140, com frequência o
esfregaço revela hipersegmentação de neutrófilos, pode ocorrer
neutropenia com valores menores do que 1000 cels/mm3 e trombocitopenia com valores menores que 50.000 céls/mm3. São critérios para considerar o esfregaço como tendo hipersegmentação:
1-pelo menos 1 netrófilo com 6 ou mais loboso
2-5% ou mais com 5 ou mais lobos
3-aumento do número médio de lobos (media 3,4 lobos)
4-Acentuada variação de tamanho entre os neutrófilos
Apesar
de reticulócitos normais ou baixos, vários outros achados que ocorrem
em anemias hemolíticas,como aumento de LDH, bilirrubina indireta,
diminuição de haptoglobina. O ferro sérico pode estar aumentado.
A
produção e destruição nestes pacientes podem estar aumentadas mais
confinadas a medula óssea com: hemólise intramedular ou eritropoiese
ineficaz, caso ocorra déficit de ferro concomitante o diagnóstico pode
ser falseado, pois o VCM pode diminuir. Um estudo em pacientes com
déficit documentado de cobalamina encontrou os seguintes achados:
-44% dos pacientes sem anemia
-VCM menor que 100 em 33%
-Contagem leucócitos norma em 86% dos casos
-Contagem normal de plaquetas em 79% dos casos
-Esfregaço de sangue perférico normal em 33% dos casos
-DHL normal em 43% dos pacientes
-Níveis séricos de biliorrubina normais em 83% dos casos
A
medula óssea destes pacientes costuma ser hiperplásica com eritropoiese
marcadamente ineficaz, eritrócitos megaloblásticos com núcleos abertos e
citoplasma maduro são também evidentes. Podem ocorrer ainda
metamielócitos gigantes e bastões. No sangue periférico encontramos
macro-ovalocitose, ocasionais corpúsculos de Howell-jolly, neutrófilos
hipersegmentados com grau variável de neutropenia e plaquetopenia. Os
anticorpos anticelular pariental são encontrados em 90% dos casos de
anemia anti-F1 em 60% dos pacientes com anemia perniciosa.
Complicações
gástricas incluem metaplasia intestinal com aumento de risco de três
vezes de adenocarcinoma gástrico e de 13 vezes a chance de tumor
carcinoide, sendo necessária vigilância endoscópica nestes pacientes.
Ocorre
também uma síndrome neurológica complexa, característica, onde os
nervos periféricos geralmente são os primeiros a serem afetados, e as
queixas iniciais são de parestesias. Estudos histopatológicos revelam
desaparecimento da mielina com degeneração axonal, mais frequente nas
colunas dorsais e laterais da medula espinhal, mas também de nervos
periféricos e cranianos no córtex cerebral. O termo doença de sistemas
combinados descreve um distúrbio da medula espinhal, caracterizada por
início insidioso e desmielinização progressiva: inicialmente colunas
dorsais (aferentes proprioceptivas) e mais tarde nas colunas laterais
(eferentes corticoespinhais) a degeneração dos axônios afeta os mesmos
tratos que a alteração tardia e irreversível.
As
colunas posteriores da medula espinhal começam a sofrer lesão, e os
pacientes queixam-se de alterações sensoriais mais severas,
caracteristicamente ocorrendo redução da propriocepção. Em casos mais
graves, podem ocorrer alterações neuropsiquiátricas graves e até
demência, mesmo antes de aparecerem às alterações hematológicas. Todo
esse quadro clínico pode ocorrer com hemograma normal.
A
neuropatia desmielinizante das grandes fibras periféricas pode preceder
as alterações raquimedulares ou desenvolverem-se concomitantemente, em
geral os sintomas são simétricos e quase sempre incluem parestesias nas
extremidades, juntamente com comprometimento, percepção vibratória e
propriocepção, que pode progredir para marcha com ataxia espástica e até
tetraparesia. Pode-se observar a incontinência urinária e fecal e
impotência em raros casos. Alterações dos nervos cranianos incluem
irritabilidade, perda da memória e desorientação, obnubilação,
alterações do paladar, olfato e visão, progredindo algumas vezes para
atrofia ótica grave e quase cegueira.
Anormalidades
neuropsiquiátricas podem ser proeminentes e isoladas e incluem
depressão, alucinações, agitação, alteração personalidade, comportamento
anormal e suicídio.
Pouca
correlação existe entre as alterações hematológicas e gravidade das
alterações neuropsiquiátricas, na verdade às vezes a correlação é
inversa, com 25 a 50% dos pacientes com Hematócrito e até VCM normal. A lista abaixo sumariza estas alterações.
Anormalidades Neurológicas e Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina
-Parestesias
- Comprometimento DA propriocepção
-Comprometimento da percepção de tato e dor
-Ataxia
-Marcha anormal
-Fadiga
-Perda da memória
-Desorientação
-Reflexos diminuídos
-Fraqueza
-Força muscular diminuída
-Romberg positivo e Exacerbação dos reflexos
-Espasticidade
-Babinsky positivo
-Fenômeno de Lhermite
-Incontinência urinaria ou fecal
-Urgência urinária ou noctúria
-Impotência
-Olfato ou paladar anormal
-Visão diminuída ou atrofia ótica
-Depressão e Paranoia
-Apatia
-Estado confusional agudo
-Alucinações
-Insônia
-Psicose
-Raciocínio lento
-Parafrenia
-Mania e Ataques de pânico
-Alterações de personalidade
-Suicídio
A
deficiência de folato pode, por sua vez, ser associada à neuropatia
periférica, especialmente em alcoolistas. A reposição de folato é capaz
de corrigir a anemia, porém não afeta o quadro neurológico nos casos de
deficiência de B12.
Diagnóstico
O
diagnóstico de deficiência de vitamina B12 é feito pela dosagem da
vitamina no sangue, que deverá estar baixa, desde que o paciente não
tenha recebido recentemente um aporte exógeno da vitamina. É frequente
encontrarmos pacientes com deficiência de B12, mas com níveis séricos
normais por terem recebido hidratação venosa ou suplementos vitamínicos
contendo complexo B. A suspeita diagnóstica é realizada na situação de
anemia macrocítica, e valores de VCM acima de 115 na verdade só permitem
hemólise com grande reticulocitose como diagnóstico diferencial.
O
teste de Schilling, hoje abandonado, era realizado como forma de
evidenciar a redução da absorção da vitamina B12 administrada por via
oral. Permite fazer o diagnóstico diferencial entre a anemia perniciosa e
as falhas de absorção que ocorrem sem relação com a falta de FI.
Sumariamente o teste é realizado da seguinte maneira:
-Para
verificar se ocorre diminuição de absorção oral da vitamina B12: dar
uma dose IM grande para saturar proteínas de transporte.
-Dar
vitamina B12 radiomarcada: verificar 24 horas a B12: normalmente >
7% na urina. A maioria dos pacientes com anemia perniciosa tem absorção
menor que 3%.
-Na
Segunda fase: dar vitamina radiomarcada com FI: verificar se corrige
má-absorção. Na anemia perniciosa normalmente corrige anemia com FI, mas
se estado megaloblástico causou alterações epiteliais na mucosa
intestinal pode levar a má-absorção generalizada. Neste caso corrigir
B12 em dois meses e repetir avaliação.
-Se a deficiência for por supercrescimento bacteriano: antibióticos reverteriam falha na segunda fase do Schilling.
-Se insuficiência pancreática é a causa: enzimas pancreáticas reverteriam à falha na segunda fase do Schilling.
Uma abordagem sistemática nestes pacientes poderia ser a seguinte:
Indicações de investigar
1-Anormalidades hematológicas inexplicadas
2-Anormalidades neuropsiquiátricas compatíveis
Testes iniciais
1-Cobalamina sérica (normal 200-900 pg/ml)
2-Folato sérico (normal 2,5-20 pg/ml)
Testes especiais para as seguintes condições clínicas:
Anormalidades hematológicas ou neuropsiquiátricas sem anemia
Alterações muito sugestivas de deficiência de cobalamina e folato, mas com dosagens normais
Solicitar:
1-Ácido metilmalônico (normal 7 a 270 n/m): elevado na deficiência de cobalamina: padrão ouro para o diagnóstico
2-Homocisteina sérica (normal 5 a 16 mcg): elevada na deficiência de cobalamina e folato.
Fazer testes adicionais se fora destas condições ou:
1-Mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão fazer QT.
2-Incontinencia urinária ou fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.
Fazer
testes adicionais se abaixo destes valores ou condições clínicas graves
muito sugestivas da deficiência de uma das vitaminas:
1-mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão iniciar quimioterapia.
2-Incontinência urinária e fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.
3-Pancitopenia e aumento do VCM e LDH.
4-Parestesias simétricas nas mãos e pés em paciente com ataxia espástica e alteração recente na personalidade.
Outra
alternativa diagnóstica em pacientes com clínica sugestiva, mas sem
confirmação laboratorial, é a realização de prova terapêutica com
observação dos resultados.
Diagnóstico diferencial
Deve-se,
primeiramente, devido à semelhança de quadro clínico e laboratorial,
diferenciar a deficiência de B12 da deficiência de folato. É necessário
ainda descartar os quadros mielodisplásicos, que são capazes de causar
alterações morfológicas medulares bem semelhantes, mas sem ocorrer
concomitantemente queda dos níveis de B12 nem quadros neurológicos
associados. As tabelas abaixo sumarizam as diferenças clínicas e
laboratoriais entre as deficiências de cobalamina e folato.
Tabela: Fatores de distinção entre as deficiências de vitamina B12 e folato
Características
|
Vitamina B12
|
Folato
|
Doença neurológica
|
Subaguda, sistemas combinados
|
Ausente ou associada com álcool
|
Dieta
|
Normal
|
Alcoolismo, lanches rápidos, chá, torradas, falta de vegetais verdes
|
Nível sérico de folato
|
Normal
|
Baixo
|
Nível eritrocitário de folato
|
Baixo ou normal
|
Baixo
|
Resposta com dose fisiológica de folato (200 mcg/dia)
|
Ausente
|
Presente
|
Ácido forminoglutâmico na urina
|
Ausente
|
Aumentado
|
Ácido metilmalônico e níveis de homocísteína
|
Aumentados
|
Ausentes
|
Achados séricos típicos da anemia megaloblástica
|
Normal
|
Deficiência de cobalamina
|
Défice folato
|
Cobalamina
|
200-900 pg/ml
|
Diminuída, limite inferior, às vezes
|
Normal
|
Folato
|
2,5-20 ng/ml
|
Normal
|
Diminuída, às vezes limite inferior
|
Ac mm
|
70-270 nM
|
Aumentado
|
Normal
|
Homocisteína
|
5-16 uM
|
Aumentado
|
Aumentado
|
Tratamento
Os
pacientes com anemia perniciosa são tratados com aporte parenteral de
vitamina B12, sugerindo-se o uso diário de 100mg de vitamina
intramuscular uma vez ao dia. O esquema proposto é de uma injeção ao dia
por uma semana, uma injeção por semana por um mês e, depois uma vez ao
mês pelo resto da vida. Sugere-se, também, a manutenção com cobalamina
oral, 1.000mg ao dia, contínua.
Deve-se
evitar o uso de folatos antes do início da reposição de vitamina B12,
pois podem agravar o quadro neurológico do paciente. O primeiro sinal de
resposta do paciente é uma sensação inespecífica de bem-estar, seguida
da redução dos outros sintomas, pode ocorrer hipocalemia nos primeiros
dias de tratamento, principalmente se a anemia é muito severa. Espera-se
um pico de contagem reticulocitária no final da primeira semana de
tratamento, e a normalização hematológica ocorre em torno de dois meses
após o início da terapêutica.
Os
sintomas do SNC são reversíveis se tiverem pouco tempo de evolução,
idealmente menos de seis meses, mas podem ficar sequelas permanentes se o
tratamento não for iniciado prontamente.
Em relação ao tratamento da deficiência de ácido fólico, se utilizar o
ácido fólico oral na dose de 1mg ao dia a resposta costuma ser rápida e
satisfatória. Se causa for fármacos ou drogas deve-se suspender ou
diminuir dose, em outros caso tentar piridoxina ou tiamina com resposta
em alguns pacientes.
Referências
Antony AC. Megaloblastic anemias. In:
Hematology: Basic principles and practice, 4th ed, Hoffman R, Benz EJ,
Shattil SJ, et al. (Eds), Churchill Livingstone, New York 2005. p.519.
Nenhum comentário:
Postar um comentário