sábado, 11 de julho de 2015

Anemias Melagloblásticas

Anemias Megaloblásticas  são anemias causadas por uma série de distúrbios provocados pela síntese comprometida do DNA. A divisão celular é lenta, porém o desenvol­vimento citoplasmático progride normalmente, de modo que células megaloblásticas tendem a ser grandes, com uma proporção aumentada de RNA em relação ao DNA. Estas alterações levarão às anormalidades hematológicas tanto na medula óssea como no sangue periférico.
O termo megaloblástico define uma anormalidade morfológica dos núcleos celulares dos precursores eritroides facilmente reconhecíveis, mas difíceis de descrever. Aparecem grandes núcleos, com cromatina rendilhada. A anemia perniciosa, também denominada de Anemia de Addison, é a causa mais comum de deficiência de vitamina B12, com predominância do sexo feminino e a mediana de idade é de 60 anos. Um estudo demonstrou que 1,9% das pessoas acima de 60 anos têm anemia perniciosa não diagnosticada.
As causas mais comuns são a deficiência de folato e a vitamina B12 e são totalmente corrigíveis com a terapia apropriada. O distúrbio provoca ainda anormalidades neurológicas e psiquiátricas que podem ser revertidas se tratadas no início do processo.
Antes mesmo de discutir a anemia magaloblástica propriamente dita, devemos lembrar que uma série de alterações podem estar associadas à megaloblastose, mesmo sem anemia, e iremos discutir estas condições sumariamente à seguir. A megaloblastose é definida pelo Volume Corpuscular Médio ou VCM, quando este é superior a 100 pg/ml.Temos por definição uma megaloblastose, são condições associadas à megaloblastose álcool, doenças hepáticas, uso de medicações e as anemias refratárias com medula hipocelular, como nas mielodisplasias e nas anemias siderobláticas.
No espectro das doenças hepáticas, a megaloblastose pode ocorrer particularmente em pacientes com doença hepática crônica associada à obstrução de vias biliares, neste caso temos uma sobrecarga de colesterol na porção lipídica na membrana da hemácia, o VCM se torna frequentemente elevado, mas raramente excede 115g/dl, no esfregaço as células podem ter aparência em alvo, mas sem grande variação na forma. Devemos ainda lembrar que na doença hepática temos outros motivos para ocorrer anemia, como sangramento, hemólise e deficiência de ácido fólico.
Na circunstância do uso excessivo de álcool, costuma-se ter concomitantemente baixa ingesta de ácido fólico, deve-se ainda considerar que o álcool interfere com metabolismo do ácido fólico. A tabela 1 cita os principais diagnósticos diferenciais em pacientes com anemia e VCM aumentado.

Diagnóstico diferencial da anemia com VCM aumentado
-Espúria
-Reticulocitose marcante
-Doença hepática
-Alcoolismo
-Síndromes mielodisplásicas
-Mieloftise
-Drogas
-Anemias megaloblásticas
-Variação do normal
-Malignidade
-Anemia aplásica
-Anemia sideroblática (paciente apresenta duas populações de hemácias, uma microcítica e outra macrocítica)
-Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
-Gestação

As alterações morfológicas afetam todas as linhagens, incluindo a granulocítica e a megacariocítica, e pode ocorrer pancitopenia.

Etiologia

Basicamente quatro alterações podem ser causadoras da anemia megaloblástica, são elas:

1-Deficiência de cobalamina
2-Deficiência de folato
3-Drogas (principalmente o uso de antagonistas da purina ou pirimidina e inibidores de algum aspecto da síntese de DNA)
4-Outras causas, incluindo distúrbios inexplicados e raras deficiências enzimáticas, neste grupo entram ainda as mielodisplasias e as leucemias, além de outras patologias como a Síndrome de Lesch-Nyhan.

Fisiopatologia

Antes de discutirmos a fisiopatologia, propriamente dita, da anemia megaloblástica, devemos discutir sumariamente o metabolismo do folato e da cobalamina. O folato transfere a unidade de um carbono como os grupamentos metil, metileno e formol para vários substratos através de inúmeras reações enzimáticas que estão intimamente relacionadas com síntese de DNA, RNA e proteínas. Na deficiência de folato teremos alteração de crescimento e da maturação das células que tem rápido crescimento como as células da medula óssea.
A cobalamina, por sua vez, atua como fator essencial para apenas duas enzimas nas células humanas, que são a metionina sintase, que catalisa a reciclagem da homocisteína em metionina usando a 5-metil-cobalamina como coenzima necessária e a metilmalonil-CoenzimaA mutase, atuando através da adenosilcobalamina transformando a metilmalonil-Coenzima A em succinilcoenzima A. A metionina é um aminoácido essencial para síntese de proteínas, também na forma de S-adenosilmetionina como principal doador de metil em reações enzimáticas importantes. Na défice de cobalamina  ocorrerá déficit de todas as formas de folato, exceto 5-metiltetraidrofolato (diminuem todas as enzimas que transferem grupos de 1-carbono a timidilato sintase), por este motivo as alterações hematológicas da deficiência de folato e da vitamina B12 são indistinguíveis.
Toda a vitamina B12 presente no corpo humano provém da dieta, e está presente em todos os alimentos de origem animal, assim deficiência de vitamina B12 só ocorre em vegetarianos estritos. A absorção diária de B12 é de 5mcg.
Alguns fármacos atuam em diversas enzimas envolvidas na síntese de DNA: 5-fluoracil inibe diretamente a timidilato sintase. A adição de 5-formiltetraiodofolato (leucovorin) a esquema de 5-fluoracil pode a aumentar a inibição da timidilato sintase, visto que o formiltetraidrofolato é rapidamente convertido em 5,10 metiltetraidrofolato e timidilato sintase.
Não se sabe completamente por que as mielodisplasias e leucemias agudas causem megaloblastoses, mas provavelmente isto ocorre devido às alterações secundárias da síntese de DNA.

Fisiologia da Absorção da Vitamina B12

As cobalaminas são liberadas do alimento para luz gástrica pela combinação de ácido clorídrico e pepsina, onde são levados pelo carreador R. No duodeno os complexos R-Cobalamina são digeridos por proteases pancreáticas liberando novamente as cobalaminas que desta vez são ligadas as moléculas de fator intrínseco (FI) que são resistentes à protease. O FI originalmente secretado nas células parietais gástricas. Os complexos IF-Cobalamina migram para o intestino delgado aonde chegam ao íleo e são transportadas para células epiteliais por receptores específicos para este complexo, as cobalaminas agora ligadas às transcobalaminas, principalmente a transcobalamina II são levadas a circulação porta e estocadas no fígado. As transco­balaminas são as proteínas de transporte de vitamina B12, e até o momento foram identificados três tipos: I, II e III, cada um com um local de síntese diferente, variações na estrutura de glicoproteínas e, no caso da Transco­balamina III, com capacidade de ser captada apenas no fígado. A transcobalamina I e III é produzida por macrófagos e monócitos, aproximadamente 90% da B12 plasmática circula ligada às transcobalaminas, porém apenas a transco­balamina II tem a capacidade de transportar a vitamina B12 para o interior das células por endocitose, sendo posteriormente degradada reduzida e convertida por suas coenzimas: metilcobalamina e adenosilcobalamina. O fígado contém entre 2.000 e 5.000mg de Vitamina B12 estocada, e desde que a perda diária de B12 seja entre 3 e 5mg, a carência pode levar mais de três anos para se estabelecer após a instalação de um bloqueio de absorção.

Fisiopatologia da Deficiência de Vitamina B12

Uma vez que a vitamina B12 está presente em todos os alimentos de origem animal, a ocorrência de deficiência da vitamina por ausência de ingesta é rara, podendo afetar os indivíduos considerados vegetarianos radicais (que não ingerem ovos nem produtos lácteos), apos a parada de ingesta ou absorção de vitamina B12 levam ainda 10 a 15 anos para que apareçam os sinais da deficiência.
As cirurgias de gastrectomia podem causar deficiência de B12, tanto pela retirada da camada de mucosa produtora de FI, como por ocorrência da chamada síndrome da alça cega, onde o crescimento bacteriano excessivo leva à competição pela vitamina B12 no lúmen intestinal. Ileotomias onde for retirada a porção absorvedora de B12 também provocam carência. Acloridria e perda da secreção de pepsina são  comuns em idosos (mais 50% em mais 70 anos) e com gastrectomia parcial pode ocorrer déficit de cobalamina devido à incapacidade de liberar cobalamina ligada às proteínas dos alimentos. A má absorção de vitamina pode ainda ocorrer na insuficiência pancreática (incapaz de degradar o complexo R-cobalamina).
Uma causa rara de deficiência de B12, porém frequentemente citada,é a infestação por Diphyllobothrium latum, um parasita que afeta peixes de águas frias. Na pancreatite e na doença de Crohn severa há deficiência de B12 por retardo da absorção no íleo.
Numerosos distúrbios genéticos afetam o transporte de transcobalamina, sua conversão em coenzima e sua utilização pelas duas enzimas dependentes da cobalamina, estes distúrbios genéticos em geral se manifestam nas primeiras semanas de vida. Uma causa rara de deficiência de vitamina B12 é o uso do óxido nitroso, que é um anestésico associado à deficiência de utilização da cobalamina, por alteração em várias vias. Parasitose intestinal ainda é uma causa a ser considerada de vitamina B12, pois a absorção intestinal da vitamina pode ficar prejudicada.
A causa mais comum de deficiência de B12 é a chamada Anemia Perniciosa, doença hereditária que dificilmente se manifesta antes da idade adulta quase sempre em pacientes com mais de 35 anos de idade. Neste caso, ocorre lesão autoimune, gastrite atrófica e eventualmente pode haver outras alterações imunológicas, como a deficiência de IgA, insuficiência endócrina poli­glandular e deficiência de IgA. A doença tem influência hereditária e gastrite atrofica histológica está invariavelmente presente e resultado no teste da histamina mostra acloridria, estes pacientes têm risco aumentado de carcinoma gástrico.

A primeira descrição da literatura foi de Addison em 1849, a doença é mais comum em idosos, sendo que 1,9% dos indivíduos com mais 60 anos: anemia perniciosa não diagnosticada, macroscopicamente é evidenciada pela perda de paredes da mucosa e afinamento da parede gástrica, pode ser dividida em dois tipos:

Tipo A: autoimune envolvem corpo e fundo gástrico e poupam antro. Os pacientes apresentam anticorpos anticélulas parietais e antifator intrínseco, que cursam com diminuição do pepsinogênio sérico e acloridria.
Tipo B: não autoimune relacionada à infecção pelo H.pylori e com baixa concentração de gastrina associada, envolve o antro, e cursa com hipogastrinemia.

Os achados histológicos incluem um infiltrado mononuclear de células T e não T (principalmente linfócitos B), as células plasmáticas contêm anticorpos contra células parietais.
A extensão do infiltrado acompanhado de alterações degenerativas das células parietais e de zimogênio na lesão, diminui marcadamente o número de glândulas gástricas e de células parietais e zimogênicas, sendo substituídas por células contendo muco (metaplasia intestinal).
Na progressão da gastrite atrófica tipo A até ocorrer anemia clínica leva cerca de 20 a 30 anos. A presença de anticorpos  anticélulas parietais gástricas é preditiva de gastrite autoimune, em fase inicial a lesão imune poderia ser prevenida com glicocorticoides e imunossupressores. O antígeno iniciador do processo parece ser a H+/K+-ATP se gástrica, que é responsável secreção de ions H+ em troca de potássio. Os anticorpos anticélulas parietais gástricos, por sua vez, fixam o complemento e lesam as células parietais.
A doença tem fatores hereditários, com 12% de concordância em gêmeos monozigoóicos. Associação com outras doenças imunes podem ocorrer como tireoidite autoimune, Doença de Graves, diabetes mellitus autoimune, Addison sugerido pela presença de hiperpigmentação, hipotensão ortostática e perda de peso, falência ovariana primária (infertilidade), hipoparatireoidismo primário, vitiligo, miastenia gravis e síndrome de Lambert-eaton.
A prevalência dos autoanticorpos aumenta conforme a idade com 2,5% dos indivíduos na terceira década a 9,6% na oitava década em indivíduos sem diagnóstico de anemia perniciosa.

Existem dois tipos de anticorpos contra FI:
tipo I: bloqueia ligação com a vitamina B12: mais frequentes no suco gástrico.
tipo II: combina-se ao receptor que remove B12, ocorre em 35-40% dos pacientes.

Mecanismos das Anormalidades Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina

Estas alterações não são observadas na deficiência de folato. Por isso é natural tentar atribuir estas alterações à deficiência da segunda enzima dependente da cobalamina a l-metilmalonil-CoA-mutase. Na sua conversão em succinil CoA utilizando a adenosilcobalamina, como coenzima necessária,  ocorrem formação de ácidos graxos de cadeia ramificada que poderiam ser associados a estas alterações neurológicas.

Mecanismos da Deficiência de Folato

O folato é amplamente distribuído em vegetais e animais, principalmente em vegetais, o cozimento excessivo, entretanto destrói grande parte do folato. O folato não costuma estar presente em polivitamínicos, pois poderia mascarar deficiência de cobalamina. A maior causa de sua deficiência é a baixa ingesta. Algumas doenças podem ser associadas com alteração de sua absorção como o sopro tropical e a doença celíaca. Medicações como anticonvulsivantes e sulfassalazina prejudicam sua absorção assim como o triantereno. Situações com hipermetabolismo, como hipertireoidismo, gestação, doenças hemolíticas crônicas e doenças cutâneas esfoliativas também podem levar a déficit de folato, em pacientes em hemodiálise também é frequente perda de folato.

As principais etiologias da anemia megaloblástica são especificadas na tabela abaixo.
Deficiência de Vitamina B12
Dieta: vegetarianos extremos
Deficiência de fator intrínseco: anemia perniciosa, gastrectomia
Insuficiência pancreática
Doenças intestinais: ressecção ileal ou doenças do íleo, síndrome da alça cega, tênia de peixe – Diphyllobotrium latum
Deficiência de ácido fólico
Dieta inadequada: pobre em frutas e vegetais folhosos, alcoolismo, senilidade
Aumento das necessidades: gestação, dermatite esfoliativa, anemias hemolíticas crônicas
Drogas: fenitoína, sulfasalazina, bactrin, carbamazepina, fenobarbital
Doenças intestinais: Esprú  tropical

Quadro Clínico e Laboratorial

O paciente refere sintomas relacionados com anemia, geralmente severa, muitas vezes com hematócrito entre 10 e 15%, podendo ocorrer também sangramentos, quando se instala plaquetopenia associada, tipicamente a anemia tem desenvolvimento lento e o número de reticulócitos tanto relativo como absoluto é diminuído. O estado megaloblástico produz mudanças nas mucosas, levando à glossite, assim como outros distúrbios gastrointestinais inespecíficos, como anorexia e diarreia.
O VCM é quase sempre aumentado, pode estar até 140, com frequência o esfregaço revela hipersegmentação de neutrófilos, pode ocorrer neutropenia com valores menores do que 1000 cels/mm3 e trombocitopenia com valores menores que 50.000 céls/mm3. São critérios para considerar o esfregaço como tendo hipersegmentação:

1-pelo menos 1 netrófilo com 6 ou mais loboso
2-5% ou mais com 5  ou mais lobos
3-aumento do número médio de lobos (media 3,4 lobos)
4-Acentuada variação de tamanho entre os neutrófilos

Apesar de reticulócitos normais ou baixos, vários outros achados que ocorrem em anemias hemolíticas,como aumento de LDH, bilirrubina indireta, diminuição de haptoglobina. O ferro sérico pode estar aumentado.
A produção e destruição nestes pacientes podem estar aumentadas mais confinadas a medula óssea com: hemólise intramedular ou eritropoiese ineficaz, caso ocorra déficit de ferro concomitante o diagnóstico pode ser falseado, pois o VCM pode diminuir. Um estudo em pacientes com déficit documentado de cobalamina encontrou os seguintes achados:

-44% dos pacientes sem anemia
-VCM menor que 100 em 33%
-Contagem leucócitos norma em 86% dos casos
-Contagem normal de plaquetas em 79% dos casos
-Esfregaço de sangue perférico normal em 33% dos casos
-DHL normal em 43% dos pacientes
-Níveis séricos de biliorrubina normais em 83% dos casos

A medula óssea destes pacientes costuma ser hiperplásica com eritropoiese marcadamente ineficaz, eritrócitos megaloblásticos com núcleos abertos e citoplasma maduro são também evidentes. Podem ocorrer ainda metamielócitos gigantes e bastões. No sangue periférico encontramos macro-ovalocitose, ocasionais corpúsculos de Howell-jolly, neutrófilos hipersegmentados com grau variável de neutropenia e plaquetopenia. Os anticorpos anticelular pariental são encontrados em 90% dos casos de anemia anti-F1 em 60% dos pacientes com anemia perniciosa.
Complicações gástricas incluem metaplasia intestinal com aumento de risco de três vezes de adenocarcinoma gástrico e de 13 vezes a chance de tumor carcinoide, sendo necessária vigilância endoscópica nestes pacientes.
Ocorre também uma síndrome neurológica complexa, característica, onde os nervos periféricos geralmente são os primeiros a serem afetados, e as queixas iniciais são de parestesias. Estudos histopatológicos revelam desaparecimento da mielina com degeneração axonal, mais frequente nas colunas dorsais e laterais da medula espinhal, mas também de nervos periféricos e cranianos no córtex cerebral. O termo doença de sistemas combinados descreve um distúrbio da medula espinhal, caracterizada por início insidioso e desmielinização progressiva: inicialmente colunas dorsais (aferentes proprioceptivas) e mais tarde nas colunas laterais (eferentes corticoespinhais) a degeneração dos axônios afeta os mesmos tratos que a alteração tardia e irreversível.
As colunas posteriores da medula espinhal começam a sofrer lesão, e os pacientes queixam-se de alterações sensoriais mais severas, caracteristicamente ocorrendo redução da propriocepção. Em casos mais graves, podem ocorrer alterações neuropsi­quiátricas graves e até demência, mesmo antes de aparecerem às alterações hematológicas. Todo esse quadro clínico pode ocorrer com hemograma normal.
A neuropatia desmielinizante das grandes fibras periféricas pode preceder as alterações raquimedulares ou desenvolverem-se concomitantemente, em geral os sintomas são simétricos e quase sempre incluem parestesias nas extremidades, juntamente com comprometimento, percepção vibratória e propriocepção, que pode progredir para marcha com ataxia espástica e até tetraparesia. Pode-se observar a incontinência urinária e fecal e impotência em raros casos. Alterações dos nervos cranianos incluem irritabilidade, perda da memória e desorientação, obnubilação, alterações do paladar, olfato e visão, progredindo algumas vezes para atrofia ótica grave e quase cegueira.
Anormalidades neuropsiquiátricas podem ser proeminentes e isoladas e incluem depressão, alucinações, agitação, alteração personalidade, comportamento anormal e suicídio.
Pouca correlação existe entre as alterações hematológicas e gravidade das alterações neuropsiquiátricas, na verdade às vezes a correlação é inversa, com 25 a 50% dos pacientes com Hematócrito e até VCM normal.  A lista abaixo sumariza estas alterações.

Anormalidades Neurológicas e Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina
 -Parestesias
- Comprometimento DA propriocepção
-Comprometimento da percepção de tato e dor
-Ataxia
-Marcha anormal
-Fadiga
-Perda da memória
-Desorientação
-Reflexos diminuídos
-Fraqueza
-Força muscular diminuída
-Romberg positivo e Exacerbação dos reflexos
-Espasticidade
-Babinsky positivo
-Fenômeno de Lhermite
-Incontinência urinaria ou fecal
-Urgência urinária ou noctúria
-Impotência
-Olfato ou paladar anormal
-Visão diminuída ou atrofia ótica
-Depressão e Paranoia
-Apatia
-Estado confusional agudo
-Alucinações
-Insônia
-Psicose
-Raciocínio lento
-Parafrenia
-Mania e Ataques de pânico
-Alterações de personalidade
-Suicídio

A deficiência de folato pode, por sua vez, ser associada à neuropatia periférica, especialmente em alcoolistas. A reposição de folato é capaz de corrigir a anemia, porém não afeta o quadro neurológico nos casos de deficiência de B12.

Diagnóstico

O diagnóstico de deficiência de vitamina B12 é feito pela dosagem da vitamina no sangue, que deverá estar baixa, desde que o paciente não tenha recebido recentemente um aporte exógeno da vitamina. É frequente encontrarmos pacientes com deficiência de B12, mas com níveis séricos normais por terem recebido hidratação venosa ou suplementos vitamínicos contendo complexo B. A suspeita diagnóstica é realizada na situação de anemia macrocítica, e valores de VCM acima de 115 na verdade só permitem hemólise com grande reticulocitose como diagnóstico diferencial.
O teste de Schilling, hoje abandonado, era realizado como forma de evidenciar a redução da absorção da vitamina B12 administrada por via oral. Permite fazer o diagnóstico diferencial entre a anemia perniciosa e as falhas de absorção que ocorrem sem relação com a falta de FI. Sumariamente o teste é realizado da seguinte maneira:

-Para verificar se ocorre diminuição de absorção oral da vitamina B12: dar uma dose IM grande para saturar proteínas de transporte.
-Dar vitamina B12 radiomarcada: verificar 24 horas a B12: normalmente > 7% na urina. A maioria dos pacientes com anemia perniciosa tem absorção menor que 3%.
-Na Segunda fase: dar vitamina radiomarcada com FI: verificar se corrige má-absorção. Na anemia perniciosa normalmente corrige anemia com FI, mas se estado megaloblástico causou alterações epiteliais na mucosa intestinal pode levar a má-absorção generalizada. Neste caso corrigir B12 em dois meses e repetir avaliação.
-Se a deficiência for por supercrescimento bacteriano: antibióticos reverteriam falha na segunda fase do Schilling.
-Se insuficiência pancreática é a causa: enzimas pancreáticas reverteriam à falha na segunda fase do Schilling.
Uma abordagem sistemática nestes pacientes poderia ser a seguinte:

Indicações de investigar
1-Anormalidades hematológicas inexplicadas
2-Anormalidades neuropsiquiátricas compatíveis

Testes iniciais
1-Cobalamina sérica (normal 200-900 pg/ml)
2-Folato sérico (normal 2,5-20 pg/ml)

Testes especiais para as seguintes condições clínicas:
Anormalidades hematológicas ou neuropsiquiátricas sem anemia
Alterações muito sugestivas de deficiência de cobalamina e folato, mas com dosagens normais

Solicitar:
1-Ácido metilmalônico (normal 7 a 270 n/m): elevado na deficiência de cobalamina: padrão ouro para o diagnóstico
2-Homocisteina sérica (normal 5 a 16 mcg): elevada na deficiência de cobalamina e folato.
Fazer testes adicionais se fora destas condições ou:
1-Mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão fazer QT.
2-Incontinencia urinária ou fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.
Fazer testes adicionais se abaixo destes valores ou condições clínicas graves muito sugestivas da deficiência de uma das vitaminas:
1-mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão iniciar quimioterapia.
2-Incontinência urinária e fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.
3-Pancitopenia e aumento do VCM e LDH.
4-Parestesias simétricas nas mãos e pés em paciente com ataxia espástica e alteração recente na personalidade.
Outra alternativa diagnóstica em pacientes com clínica sugestiva, mas sem confirmação laboratorial, é a realização de prova terapêutica com observação dos resultados.

Diagnóstico diferencial

Deve-se, primeiramente, devido à semelhança de quadro clínico e laboratorial, diferenciar a deficiência de B12 da deficiência de folato. É necessário ainda descartar os quadros mielodisplásicos, que são capazes de causar alterações morfológicas medulares bem semelhantes, mas sem ocorrer concomitantemente queda dos níveis de B12 nem quadros neurológicos associados. As tabelas abaixo sumarizam as diferenças clínicas e laboratoriais entre as deficiências de cobalamina e folato.

Tabela: Fatores de distinção entre as deficiências de vitamina B12 e folato

Características
Vitamina B12
Folato
Doença neurológica
Subaguda, sistemas combinados
Ausente ou associada com álcool
Dieta
Normal
Alcoolismo, lanches rápidos, chá, torradas, falta de vegetais verdes
Nível sérico de folato
Normal
Baixo
Nível eritrocitário de folato
Baixo ou normal
Baixo
Resposta com dose fisiológica de folato (200 mcg/dia)
Ausente
Presente
Ácido forminoglutâmico na urina
Ausente
Aumentado
Ácido metilmalônico e níveis de homocísteína
Aumentados
Ausentes

Achados séricos típicos da anemia megaloblástica


Normal
Deficiência de cobalamina
Défice folato
Cobalamina
200-900 pg/ml
Diminuída, limite inferior, às vezes
Normal
Folato
2,5-20 ng/ml
Normal
Diminuída, às vezes limite inferior
Ac mm
70-270 nM
Aumentado
Normal
Homocisteína
5-16 uM
Aumentado
Aumentado

Tratamento

Os pacientes com anemia perniciosa são tratados com aporte parenteral de vitamina B12, sugerindo-se o uso diário de 100mg de vitamina intramuscular uma vez ao dia. O esquema proposto é de uma injeção ao dia por uma semana, uma injeção por semana por um mês e, depois uma vez ao mês pelo resto da vida. Sugere-se, também, a manutenção com cobalamina oral, 1.000mg ao dia, contínua.
Deve-se evitar o uso de folatos antes do início da reposição de vitamina B12, pois podem agravar o quadro neurológico do paciente. O primeiro sinal de resposta do paciente é uma sensação inespecífica de bem-estar, seguida da redução dos outros sintomas, pode ocorrer hipocalemia nos primeiros dias de tratamento, principalmente se a anemia é muito severa. Espera-se um pico de contagem reticulocitária no final da primeira semana de tratamento, e a normalização hematológica ocorre em torno de dois meses após o início da terapêutica.
Os sintomas do SNC são reversíveis se tiverem pouco tempo de evolução, idealmente menos de seis meses, mas podem ficar sequelas permanentes se o tratamento não for iniciado prontamente.
Em relação ao tratamento da deficiência de ácido fólico, se utilizar o ácido fólico oral na dose de 1mg ao dia a resposta costuma ser rápida e satisfatória. Se causa for fármacos ou drogas deve-se suspender ou diminuir dose, em outros caso tentar piridoxina ou tiamina com resposta em alguns pacientes.

Referências

Antony AC. Megaloblastic anemias. In: Hematology: Basic principles and practice, 4th ed, Hoffman R, Benz EJ, Shattil SJ, et al. (Eds), Churchill Livingstone, New York 2005. p.519.

Stabler SP. Clinical practice. Vitamin B12 deficiency. N Engl J Med 2013; 368:149.

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