ENTENDENDO MELHOR O ESTRESSE (STRESS)
Estresse, tradução do inglês stress, é uma palavra que, definitivamente, se incorporou ao cotidiano das pessoas.
Expressões idiomáticas e gírias, como “sem
estresse” ou “não se estresse”, tornaram-se comuns. Até mesmo as mais
corriqueiras situações do dia-a-dia estão associadas a estresse.
Pressões no ambiente de trabalho (chefe cobrador, competição entre
colegas, prazos para resultados), problemas de relacionamento em casa
(conjugal, pais/filhos), avaliações a que a pessoa deve ser submetida
(provas escolares, concursos, exames médicos que, potencialmente, podem
detectar alguma doença), insegurança e violência urbana e, até mesmo, o
trânsito, dentre inúmeras outras, podem levar a pessoa a sentir-se
“estressada”.
Mas, o que realmente o estresse significa do ponto de vista biológico, e o que representa para a saúde?
Origem e significado da palavra estresse
- o termo é originário da física e significa a força aplicada a um
determinado material capaz de superar a resistência oferecida por este
material a fim de preservar sua estrutura.
O estresse na biologia – Indivíduos das
mais diferentes espécies estão sob constante ameaça, produzida por
pressões do meio em que vivem. Estas pressões são representadas por uma
ampla gama de situações que podem por em risco a sobrevivência do
indivíduo. Podem ser bem específicas para cada espécie, e mesmo para
indivíduos da mesma espécie (o que pode ser perigoso para um pode não
ser para outro). Variações de temperatura e outras condições climáticas,
disponibilidade de alimentos, ameaça por predadores de outras espécies
ou mesmo membros agressivos da mesma espécie, etc. Estas e tantas outras
situações fazem parte das pressões do dia-a-dia sobre os indivíduos de
todas as espécies.
Os organismos nascem, se desenvolvem, e se
reproduzem em um estado de equilíbrio fisiológico. Este equilíbrio nada
mais é do que um conjunto de condições ideais para o funcionamento das
células, representado por uma série de fatores, como composição química,
temperatura, quantidade de nutrientes, ausência de substâncias tóxicas,
etc., no meio em que estas células vivem (meio interno), fatores estes
continuamente monitorados por sensores específicos que informam o
sistema nervoso das condições. Tecnicamente, a manutenção deste
equilíbrio recebe o nome de homeostasia. Constantemente, este equilíbrio
é desafiado por forças externas e internas do organismo (mecânicas,
térmicas, químicas, agentes externos como vírus e bactérias, crescimento
desordenado de células provocando tumores). As alterações das condições
idéias são imediatamente percebidas e corrigidas por uma série de ações
do organismo.
Estresse seria a situação que desafia o
equilíbrio do meio interno (homeostasia). A aplicação deste termo da
física na biologia começou na década de 1940, e logo se difundiu. Porém,
até hoje, o termo gera confusões pois é empregado tanto para designar a
situação que ameaça o equilíbrio (estressor), quanto a resposta do
organismo para restabelecer o equilíbrio ameaçado (resposta ao
estresse). O indivíduo “estressado” seria aquele que está na vigência de
uma resposta ao estresse produzida por um estressor.
Nos organismos, em geral, os estressores podem
ser de natureza física, química ou vegetativa (frio, calor, radiação,
trauma, exercício físico, perda de sangue, variações abruptas de açúcar
no sangue, etc) e constituem uma ameaça concreta à sobrevivência do
organismo. Os estressores de natureza social adquirem diferentes formas
específicas das espécies (em humanos são representadas por pressões no
trabalho ou relacionamento, crises vitais como a perda de um ente
querido, casamento /separação, etc.). Os estressores podem também ser de
natureza psicológica, onde não há, necessariamente, a presença de uma
ameaça real (receio, frustração, medo ou apreensão produzidos por
pensamentos, memórias ou fantasias).
Estes estressores podem ser agudos (exposição
por tempos limitados) ou crônicos (exposição prolongada ou contínua). As
respostas fisiológicas e comportamentais ao estresse nos permitem,
também, lidar com situações de crise como desastres, competição em
diferentes níveis (trabalho, esporte, escola, etc.), prestar exame ou
concurso, falar em público, dentre tantas outras. Por outro lado, uma
resposta inadequada a um estressor pode levar à doença, com ameaça à
vida. O estímulo estressor mobiliza processos funcionais e
comportamentais para manter o equilíbrio. É fundamental para a adequação
desta resposta que estes processos sejam desativados quando cessa o
estímulo estressor.
A doença pode surgir devido a uma ausência de
resposta ao estímulo estressor, ou, quando a resposta ocorre sem a
posterior desativação, após a cessação do estímulo estressor. As
manifestações de uma resposta inadequada ao estímulo estressor se
compõem de um conjunto de percepções variadas, e podem ser referidas
como ansiedade, irritabilidade, inabilidade de concentração em tarefas
corriqueiras, distúrbios de sono, disfunções sexuais, sensação de
cansaço exacerbado, etc.
Considerando estes aspectos da biologia do
estresse, em humanos o estresse é modernamente definido como uma ameaça –
real ou imaginária – que desafia o equilíbrio do organismo.
Componentes da resposta ao estresse – o
aviso do estímulo estressor é processado no cérebro que ativa a resposta
para combater o estressor. Nos primórdios dos estudos sobre a reação de
estresse, esta resposta foi chamada de luta-ou-fuga. Ou seja, o
organismo identifica uma ameaça (estressor) e avalia qual a resposta
mais adequada para o momento: enfrentar (luta) ou se afastar (fuga) da
ameaça. Para realizar qualquer uma das escolhas é fundamental o
organismo ter energia disponível para consumo imediato. Para isso, serão
mobilizados no cérebro componentes neurais (parte do sistema nervoso
autônomo, tecnicamente chamado de sistema nervoso simpático) e hormonais
(hormônio liberador de corticotrofina-CRH).
A resposta nervosa se inicia, imediatamente,
com o sistema simpático estimulando a glândula adrenal (também chamada
de supra-renal) a secretar adrenalina na circulação sanguínea, o que irá
aumentar a liberação de noradrenalina dos nervos simpáticos que inervam
diversos órgãos. Estas duas substâncias exercerão uma série de efeitos
sobre vários sistemas, como aumento dos batimentos cardíacos e da força
de contração do coração (o que fará o sangue que transporta nutrientes e
oxigênio chegar mais rápido aos músculos, disponibilizando energia mais
rapidamente), maior liberação de energia dos estoques (glicogênio e
tecido adiposo), etc.
A resposta hormonal é iniciada com a ação do
hormônio liberador de corticotrofina (CRH) sobre uma pequena glândula
que está junto ao cérebro (hipófise) ativando a liberação de outro
hormônio chamado de corticotrofina (ACTH) na circulação. A
corticotrofina, por sua vez, irá atuar na glândula adrenal para que esta
aumente a liberação de outro hormônio na circulação, o cortisol (também
chamado de glicocorticóide ou corticóide). O cortisol vai atuar,
principalmente, na mobilização dos estoques de energia para enfrentar a
luta-ou-fuga. Vocês já perceberam que a resposta hormonal é mais
complexa, com um número maior de passos e hormônios intermediários; isto
torna esta resposta mais lenta que a resposta dos nervos (simpático).
A essência da resposta ao estresse é a maior
disponibilização de energia para a luta-ou-fuga e qualquer uma das duas
consome a energia disponibilizada. Todos os organismos, de unicelulares a
humanos, apresentam algum tipo de resposta ao estresse e, quanto mais
complexo o animal (e, consequentemente, seu sistema nervoso), mais
complexa será a resposta ao estresse. O desenvolvimento evolutivo desta
resposta é fruto de um ambiente heterogêneo, com predadores, competição
por recursos naturais, como água e alimentos, condições de abrigo e
clima desfavoráveis – a capacidade de resposta ao estresse facilitou a
adaptação a estas condições adversas, permitindo a evolução das
espécies. O individuo ficava exposto às ameaças do meio em que vivia, e
gastava a energia disponibilizada pela resposta ao estresse para fazer
frente a estas ameaças. Para os humanos, este cenário se modificou, de
forma relativamente rápida, com a revolução industrial e a modernização
pós-industrial. O homem domina seu meio com alta tecnologia, porém,
estímulos estressores de outras naturezas assumiram o lugar das antigas
ameaças.
Condições de abrigo desfavoráveis e competição
por recursos naturais deram lugar a uma nova e extensa lista de
possíveis estressores: insegurança e violência urbana, instabilidade no
trabalho, crises nos relacionamentos devido a novos valores
sócio-culturais, problemas cotidianos de grandes aglomerados urbanos,
como trânsito, poluição e moradia, pressões para consumo de bens sem
condições de serem adquiridos, menor tempo de sono devido à demandas de
atenção por hábitos tecnológicos, como internet e televisão.
A resposta do organismo continuou sendo a
mesma, disponibilizar energia para a luta-ou-fuga. As adaptações
evolutivas dos hominídios às pressões do meio, quando aconteceram,
demandaram centenas de milhares de anos. Os organismos biológicos
complexos não têm condições de produzir adaptações tão rápidas quanto o
surgimento das novas pressões. A consequência disso é que, com a mesma
resposta ao estímulo estressor de disponibilização de energia, e não
sendo mais necessária a luta-ou-fuga, esta energia, sob a forma de
glicose e gordura, não é consumida e fica na circulação sanguínea,
contribuindo para o desenvolvimento das chamadas doenças modernas, como
doenças cardiovasculares (aterosclerose, hipertensão, derrame, infarto),
diabete tipo II e diferentes tipos de cânceres.
Ao analisarmos a evolução, percebemos que a
capacidade do organismo responder a desafios potencialmente ameaçadores
foi fundamental para a preservação e evolução das espécies, inclusive
humanos. Isso nos remete a outro ponto a ser considerado. A idéia geral
de estresse, hoje, é de algo intrinsicamente ruim. Porém, não é bem
assim. Assim como a dor, a febre, o vômito, a tosse e a inflamação, a
resposta ao estresse agudo também é um importante mecanismo de defesa do
organismo, e, como as outras defesas, frequentemente identificado como
um problema.
Ameaças agudas produzem respostas do organismo
que restabelecem o equilíbrio e, ao mesmo tempo, ativam processos que em
pouco tempo irão encerrar esta resposta para que ela não se mantenha
depois de cessada a ameaça. Ou seja, a resposta ao estresse agudo é
benéfica ao organismo, auxiliando na sua sobrevivência, e vem sendo
burilada pela seleção natural para aumentar as habilidades dos
organismos lidarem com situações que requerem defesa ou ação.
Novo problema surge quando o estímulo estressor
não cessa, ou é intermitente. Sob esta ativação contínua, o sistema de
resposta não é desmobilizado e níveis mais altos das substâncias que
compõem o sistema de resposta - adrenalina, noradrenalina e cortisol –
ficam mais tempo no sangue e/ou atuando nos tecidos, causando efeitos
colaterais indesejáveis, como aumento da resistência ao fluxo sanguíneo
(que leva à hipertensão), inibição do sistema imunológico (que propicia a
instalação de infecções por vírus, fungos ou bactérias e o
desenvolvimento de alguns tipos de cânceres) depressão e outras
desordens neuropsiquiátricas, inibição do crescimento, danos ao DNA
causando envelhecimento, interrupção da gravidez, dentre outros. Se
associarmos o aumento da energia sob a forma de glicose e gordura,
mencionados anteriormente, teremos o quadro do estresse crônico, este
sim prejudicial à saúde e típico das sociedades modernas que vivem em
grandes centros urbanos. Os efeitos colaterais de um sistema
continuamente ativado, e com seus produtos não utilizados, pode levar,
como vimos, a diversas doenças associadas ao estresse.
Cabe salientar, por outro lado, que estímulos
estressores crônicos não produzem doença, sempre, e em todas as pessoas.
Haja vista que, apesar da alta incidência e prevalência destas doenças
associadas ao estresse crônico, a maior parte da população submetida a
este estresse não apresenta estas doenças (pelo menos por enquanto).
Isto ocorre devido a um processo chamado de adaptação ao estresse em que
o organismo estabelece um novo padrão de equilíbrio, mesmo com a
manutenção do estressor e com a resposta contínua ao estresse. Dentro da
própria espécie existem características que diferenciam os indivíduos
entre si, em relação ao estímulo estressor - estas diferenças podem ser
qualitativas, ou seja, o que é um estressor para mim pode não ser para
outra pessoa; ou quantitativas, o que significa que um determinado
estímulo, para que seja estressor para determinadas pessoas, deve ser
muito intenso. Para outras pessoas, entretanto, um estímulo de pequena
intensidade, pode deflagrar uma resposta completa ao estresse.
Modernamente, várias estratégias estão sendo
desenvolvidas para evitar o estresse crônico ou mesmo reduzir os seus
efeitos. A pessoa pode identificar no seu dia-a-dia os principais
fatores que lhe causam desconforto ou irritação e tentar evitá-los.
Atividade física, tempo adequado de sono, alimentação saudável,
interação social, são fatores que contribuem na redução do impacto do
estresse crônico sobre o organismo. Resultados de estudos recentes
sugerem que práticas regulares de yoga e meditação diminuem os efeitos
do estresse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário