Vinho contra as doenças do coração |
Estudos
comprovam que as doenças coronarianas ocorrem em menor proporção nos
países onde se consome vinho de forma regular e moderada. A relação
entre vinho e coração só começou a assumir importância após a
investigação do chamado “paradoxo francês”. A população da França tem o
hábito de tomar vinho e o país é reconhecido pela qualidade da bebida lá
produzida. O que nem todo mundo sabe é que os franceses se alimentam de
comida gordurosa (principal fator de risco dos enfartes), têm pressão
arterial alta, níveis elevados de colesterol no sangue e hábito de
fumar, como em outros países europeus. No entanto, o número de mortes
por doenças coronarianas na França é relativamente baixo, o que muitos
pesquisadores consideram um fenômeno aparentemente contraditório. Essa
contradição, ou paradoxo francês, é conhecida desde 1987.
Os cientistas, ao
buscarem respostas para o paradoxo, têm atribuído ao vinho os baixos
índices de mortalidade. Os franceses tomam, em média, 180 mililitros de
vinho por dia, o que dá mais ou menos um copo. Essa quantidade já foi
bem maior. Em 1986, por exemplo, o consumo médio era de 305 mililitros
por dia.
A partir da descoberta
deste paradoxo, mais de 13 mil trabalhos foram publicados na literatura
científica mostrando que o vinho tem as mais variadas virtudes
terapêuticas. A bebida, particularmente o vinho tinto, é uma importante
fonte de flavonóides e de outros polifenóis. Essas substâncias são
antioxidantes, impedindo a ação dos chamados “radicais livres”, que se
formam em nosso corpo, inibindo a oxidação do colesterol de baixa
densidade (LDL), o que reduziria o risco de doenças coronarianas. Os
flavonóides e, de um modo geral, os polifenóis, são solúveis em água e
podem inibir os processos metabólicos que conduzem ao ataque cardíaco.
Análises químicas realizadas em vários tipos de vinho revelaram que eles contêm altos níveis de flavonóides e de outras polifenóis. As quantidades dessas substâncias presentes no vinho dependem da matéria-prima (tipo de uva) e das técnicas de fabricação dessa bebida. Os vinhos tintos têm, geralmente, níveis muito mais altos de substâncias fenólicas, como os flavonóides, do que os vinhos brancos. O vinho tinto contém de 1 a 2 gramas dessas substâncias por litro e no vinho branco a massa é bem menor (de 0,2 a 0,3 grama por litro).
Um grupo de
pesquisadores franceses determinou as quantidades de flavonóides e de
outras substâncias fenólicas presentes em 60 tipos de vinhos produzidos
no sul da França. O estudo revelou que as variedades de vinhos tintos
que apresentavam maiores quantidades de flavonóides e de outros
polifenóis eram os dos tipos Cabernet-Sauvignon (2,6 gramas por litro),
Egiodola (2,4 gramas por litro) e Syrah (2,3 gramas por litro). As
variedades Merlot e Grenache continham de 1,8 a 2,0 gramas por litro. O
vinho Chardonnay (branco) continha apenas 0,25 grama de substâncias
fenólicas por litro.
Existem
seis tipos de flavonóides, cada um com características estruturais
específicas. Por exemplo, as flavononas ocorrem, predominantemente, nas
frutas cítricas como laranja, tangerina e limão; as flavonas existem em
ervas, como as usadas em chás; os isoflavonóides são encontrados em
legumes; as antocianinas, em frutas; e os flavonóis, em frutas e
verduras. Dependendo do modo de preparação e de processamento das frutas
e de outros vegetais, o conteúdo de flavonóides pode ser reduzido em
até 50%. Se uma pessoa não pode ingerir álcool, o consumo desses
alimentos também pode auxiliar na prevenção das doenças cardíacas. Grãos
e sementes oleosas também têm flavonóides, que são, em geral,
descartados durante a preparação ou processamento desses alimentos. Mel,
chocolate, doces e compotas também contêm diferentes tipos de
flavonóides. Estas substâncias só não estão presentes em alimentos de
origem animal, como as carnes.
Mais especificamente, o
efeito cardioprotetor do vinho no corpo humano é atribuído
principalmente ao resveratrol, cuja taxa de concentração é elevada em
relação a outros bebidas e alimentos. O resveratrol é um flavonóide que
promove uma elevação da taxa de colesterol HDL (bom colesterol) por meio
do aumento de suas subfrações HDL2, HDL3 e das apolipoproteínas A-1 e
A-2 e por uma ação antioxidante, que levaria à diminuição do colesterol
LDL (mau colesterol, responsável pelas lesões ateroscleróticas).
Há, ainda, estudos que
demonstram que o vinho tinto tem outras propriedades benéficas, além do
efeito protetor do coração. Ele pode inibir a formação e o crescimento
de tumores e bloquear os mecanismos internos que podem causar
aterosclerose, uma doença que leva a uma redução do diâmetro dos vasos
sanguíneos, podendo resultar em seu entupimento. Além dessas
características, o vinho possui propriedades anti-inflamatórias. Há
trabalhos científicos que atribuem essas notáveis propriedades à bebida
por ela conter álcool, uma vez que os sucos de uva não apresentam a
mesma eficiência que os vinhos na prevenção dos ataques cardíacos e na
redução dos processos inflamatórios. Apesar de também conterem álcool,
as concentrações de flavonóides na cerveja e no whisky são baixas, o que
não lhes confere as mesmas propriedades protetoras do vinho.
O vinho tinto e até o
suco e a casca da uva também têm a capacidade de estimular a produção do
óxido nítrico (NO). Por sua vez, o NO influi nos mecanismos e na
interação com o colágeno, pois esse óxido é um vasodilatador. Veja
artigo sobre o NO clicando aqui.
O quadro I apresenta as
estruturas básicas de alguns flavonóides. Estão representados o
resveratrol, componente mais ativo do vinho, e as estruturas básicas
derivadas do resveratrol: antocianinas, flavonas e isoflavonas. A
diferença entre as estruturas básicas das flavonas e das isoflavonas
consiste na ausência de um grupo carbonil, de uma dupla ligação no anel
heterocíclico, além de uma mudança na posição do anel aromático em
relação ao grupo cetona.
Quadro I: Fórmulas estruturais de alguns flavonóides
Resveratrol | Estrutura básica das antocianinas |
Estrutura básica da flavona | Estrutura básica da isoflavona |
Antonio Carlos Massabni (amassabni@uol.com.br) e Maurício Cavicchioli (mauriciocavicchioli@gmail.com)
Instituto de Química - Unesp de Araraquara
Instituto de Química - Unesp de Araraquara
(Publicação do CRQ/IV)
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