sábado, 30 de maio de 2015

O Modelo Planetário de Kepler.

O Modelo Planetário de Kepler.

Em 1595, o astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) procurava uma demonstração matemática para o modelo de Copérnico (1543), desde que o aprendera com o também astrônomo alemão Michael Maestlin (1550-1631). Assim, em 09 de julho de 1595, ao situar um triângulo entre dois círculos, percebeu que a razão entre os raios desses círculos era a mesma entre os das órbitas de Júpiter e Saturno. Em vista deste resultado, tentou inscrever outras figuras geométricas planas entre as órbitas dos planetas. Como tal modelo não se enquadrou com o de Copérnico, Kepler partiu então para os sólidos regulares pitagóricos-platônicos: tetraedro (4 faces), hexaedro (cubo: 6 faces), octaedro (8 faces), dodecaedro (12 faces) e icosaedro (20 faces). Inicialmente, inscreveu entre as esferas dos planetas apenas o cubo. No entanto, ao comparar a relação entre os raios dessas esferas e as distâncias das órbitas dos planetas dadas pelo modelo de Copérnico, verificou que havia uma grande discrepância. Em seguida, fez uma nova tentativa, deixando o cubo entre as esferas de Júpiter e Saturno e os cubos entre as esferas de Marte e Terra, Terra e Vênus, Vênus e Mercúrio foram substituídos, respectivamente, pelo dodecaedro, icosaedro e octaedro. Relacionado agora os raios dessas esferas com as distâncias planetárias copernicanas, verificou que a discrepância diminuíra, à exceção de Mercúrio, cuja esfera tangenciando o octaedro não explicava seus movimentos. Desse modo, teve que apelar para um artifício [“pequena fraude”, segundo Arthur Koestler, O Homem e o Universo (IBRASA, 1989)], qual seja, o de inscrever a esfera correspondente a Mercúrio no quadrado formado pelas quatro arestas medianas do octaedro. Em vista desse sucesso parcial, Kepler continuou melhorando seu modelo matemático cada vez mais. Assim, substituiu cada esfera por duas, onde o raio da menor era a menor distância do planeta ao Sol e o raio maior, consequentemente, a maior distância orbital.              
                   Logo em 1596, Kepler apresentou suas primeiras ideias sobre seu modelo planetário em um livro intitulado Mysterium Cosmographicum (“Mistério Cosmográfico”). Ao receber esse livro das próprias mãos de Kepler, o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) convidou-o para trabalhar em Praga, lá chegando em janeiro de 1600. Com a morte de Tycho, em 1601, Kepler foi designado, em 1602, matemático imperial em seu lugar. Quando ainda vivo, Tycho Brahe confiou a Kepler o cálculo da órbita de Marte, tendo em vista as observações que fizera sobre o movimento desse planeta. Ao observar que a velocidade orbital de Marte era variável (mais rápido próximo do Sol e mais lento longe do Sol), Kepler formulou, em 1602, sua famosa Lei das Áreas:

O raio vetor ligando um planeta ao Sol, descreve áreas iguais em tempos iguais.

                   Ao analisar atentamente as observações que Tycho Brahe fizera do planeta Marte, Kepler pensou que em poucas semanas encontraria a forma de sua órbita. Como também observou que a velocidade de Marte era variável, conforme vimos acima, e que sua órbita apresentava uma pequena excentricidade, Kepler fez cerca de setenta tentativas com o objetivo de enquadrar as observações de Tycho nos modelos de Copérnico e do próprio Tycho. Assim, inicialmente, considerou que cada esfera característica de um planeta (Marte, em particular) era na realidade uma carapaça esférica de espessura suficiente que pudesse explicar a excentricidade de Marte referida antes. Posteriormente, considerou uma série de combinações de círculos para a órbita marciana. No entanto, como encontrou uma diferença de 8 minutos de arco (8´) e achando que seu mestre Tycho não cometeria tal erro, Kepler passou a considerar órbitas ovaladas até chegar à forma elíptica. Desse modo, em 1609, Kepler propôs sua Lei das Órbitas:

Os planetas se deslocam se deslocam em torno do Sol em órbitas elípticas, tendo o Sol como um dos focos.

                   É interessante destacar que essa lei (assim como a lei de 1602), foi apresentada no livro, publicado em 1609, Astronomia Nova (“Nova Astronomia”), no Capítulo intitulado Comentários sobre os Movimentos de Marte. Destaque-se, também, que a ideia de órbitas planetárias elípticas já havia sido considerada por Arzaquel de Toledo (1029-1087), no Século 11. [John Desmond Bernal, Historia Social de la Ciência I, II (Ediciones Península, 1968)].
                   Havendo descoberto as leis que regem o movimento (cinemática) dos planetas, partiu Kepler para determinar a relação entre as distâncias e os períodos dos mesmos. Depois de fazer algumas tentativas relacionando potências das distâncias e dos períodos planetários, chegou finalmente à sua terceira lei: Lei dos Períodos:

A relação entre o quadrado do período de revolução dos planetas e o cubo de sua distância média ao Sol é uma constante.

Acreditando que os planetas em suas órbitas entoam verdadeiros cantos musicais, Kepler denominou esta lei de lei harmônica, e apresentou-a em seu tratado intitulado Harmonice Mundi (“A Harmonia do Mundo”), composto de cinco livros e editado em 1619.     
                   Depois de entender a cinemática do sistema planetário por intermédio de suas três leis (1602, 1609, 1619), Kepler tentou entender a sua dinâmica (força gravitacional). Assim, influenciado pelo físico inglês William Gilbert (1544-1603), que havia mostrado no livro De Magnete, de 1600, ser a Terra um imenso ímã (também nesse livro Gilbert defendeu a infinitude do Universo), Kepler supôs que o Sol exercia uma influência magnética sobre os planetas, a chamada anima motrix. Como a função dessa força magnética é mover os planetas e como estes se situam na eclíptica (trajetória aparente do Sol entre as estrelas), Kepler admitiu que a força solar não agia em todas as direções e sim, apenas, na direção do raio eclíptico, e que a mesma era proporcional ao inverso da distância. Essas ideias foram apresentadas por Kepler em seus livros Epitome Astronomiae Copernicanae, Liv IV. Physica Coelestis (“Epítome de Astronomia Copérnica, Livro IV. Física Celeste”), em 1620, e Epitome Astronomiae Copernicanae, Liv V, VI, VII. Doctrina Theorica (“Epítome de Astronomia Copérnica, Livros V, VI, VII. Doutrina Teórica”), em 1621. Para maiores detalhes sobre a vida e obra de Kepler, ver: Fátima Regina Rodrigues Évora, A Revolução Copernicana-Galileana I, II (UNICAMP/CLE, 1988); Ronaldo Rogério Freitas Mourão, Kepler: A Descoberta das Leis do Movimento Planetário (Odysseus, 2003); Stephen Hawking, Os Gênios da Ciência: Sobre os Ombros de Gigantes (Campus/Elsevier, 2005); Marcelo Gleiser, A Harmonia do Mundo (Romance) (Companhia das Letras, 2006).
                   É interessante registrar que o heliocentrismo foi defendido pelo físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) em seu livro Il Saggiatore (“O Ensaiador”), publicado em 1623, e dedicado ao seu amigo Cardeal Maffeo Barberini (1568-1644), que acabara de ser eleito Papa com o nome de Urbano VIII. Aliás, é nesse livro que Galileu enunciou sua célebre frase: - A Matemática é a Linguagem da Natureza. Registre-se, também, que a defesa do heliocentrismo foi novamente apresentada e justificada por Galileu em seu famoso livro Dialogo supra i due Massimi Sistemi del Mundo Tolemaico e Copernicano (“Diálogo sobre os dois Principais Sistemas do Mundo, o Ptolomaico e o Copernicano”), publicado em 1632, que o levou a ser processado pela Santa Inquisição, em 1633. Contudo, nesse livro, ele não trata do modelo de Kepler.

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