Tolerância
zero
Publicado em 11/2013. Elaborado em 11/2013.
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Para além das opiniões óbvias a respeito do mensalão, quanto
a prisão de “poderosos”, precisamos lembrar que há uma corrupção diária,
pequena, mesquinha, subterrânea e que solapa todas as instituições, da família
ao Estado. Trata-se da corrupção ocorrida na vida comum do homem médio.
O texto tem um caso concreto como emblema: O Mensalão. Mas, é
apenas um pretexto jurídico para analisar um descalabro político e cultural.
O trabalho trata da reflexão sobre a República Federativa do
Brasil, essa aliança entre as unidades federadas para a formação de um Estado
único. Nosso modelo de Estado preservou a autonomia política, mas acabou por
transferir a soberania ao Estado Federal de forma a possibilitar a coexistência
de distintas coletividades políticas. O pano de fundo, pois, é a República
Federativa do Brasil – a que temos e a que queremos.
Assim, para tratar do contexto político hodierno, é preciso
investigar como a corrupção desgasta os pilares da democracia e mascara os
problemas morais e culturais. O que, em última análise, traduz-se num regime
não democrático, uma vez que as decisões tomadas nos mais altos escalões do
poder visam atingir interesses “deveras” particulares.
Além da questão mais óbvia do Mensalão (Ação Penal 470), que
é a prisão de “poderosos”, precisamos lembrar que há uma corrupção diária,
pequena, mesquinha, subterrânea e que solapa todas as instituições, da família
ao Estado.
Trata-se da corrupção ocorrida na vida comum do homem médio.
Ao contrário do que queria o poeta do romantismo: “Só há pecado debaixo do
Equador”.
Um exemplo claro de como a ética pode ser vivenciada, desde a
tenra idade, é a do pai que dialoga com o cobrador do ônibus e lhe diz que o
filho pequeno pode passar sem pagar - porque ninguém sabe que ele já completou
a idade para pagamento do bilhete de passagem -, explica que ninguém sabe, mas
esconde que seu filho SABE. Qual é a noção de retidão que o pai passou ao
filho? O exemplo versa sobre os pequenos atos que podem ser transformados em
grandes lições.
As falhas de “menor” importância cometidas por crianças,
adolescentes e mesmo adultos-jovens, podem e devem ser corrigidas com as
ponderações de cada caso, no âmbito familiar, e com isso, verificaremos o
necessário caráter pedagógico para evitar a formação de uma personalidade
desvinculada de referencial ético. Assim como as pequenas mentiras, as pequenas
infrações, todos os erros podem ser tomados como uma oportunidade de revisão
das práticas educacionais e de socialização do indivíduo.
Num outro viés, as elites sempre que encontraram
oportunidade, corromperam – e ainda o fazem – o povo, criando dificuldades para
vender facilidades, em outras palavras, a conhecida prática do “toma lá, dá
cá”, a troca de favores, o ardiloso tráfico de influência. Nesse modus
operandi, beneficiam-se os “puxas-sacos” e não os competentes ou a própria
veracidade dos fatos.
Portanto, nessa ótica, “aos amigos”, a informalidade que
acelera todos os processos vitais; “aos inimigos”, o formalismo travado de
iniquidades/ilegalidades e que degreda as esperanças dos que mais precisam,. A
corrupção, grande e pequena mata de angústia, seca as energias dos que não
coadunam com essas ignomínias.
No exterior, por causa do Mensalão, noticiou-se que, apesar
da sentença condenatória do Supremo Tribunal Federal contar com exatamente um
ano, só agora ocorreram as prisões. Por quê?
Segundo nota internacional, a “burocracia” impediu o
cumprimento da decisão judicial da Corte Política brasileira. Não foram ações
de outros poderosos ou a invasão de poderes que impediu a ação dos ministros do
Supremo Tribunal Federal; foi sim a burocracia em nome do direito. Aliás, ficou
patente como o direito processual brasileiro é ultrapassado, confuso,
retardatário, injusto, e pior, incentiva as condutas dos opróbrios.
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Decretado como a “burocracia do direito” (indiferente ao
próprio direito e à justiça material), esta processualística sempre beneficiou
aos ricos e poderosos que podem pagar pela guarida do princípio da ampla
defesa.
Aos pobres, faltam recursos jurídicos, porque faltam recursos
econômicos. Como ocorre na saúde pública, não há remédio jurídico. A salus
publica está longe de ver relacionadas a Ética e o Direito. Não temos Justiça
Política, simplesmente porque nosso direito está apartado da Ética.
Nem se fale da corrupção de magistrados, pois advogados com
peso de ouro travam o Judiciário, “arrastam” os processos por décadas e tornam
a Justiça cada vez mais emperrada e a República cada vez mais pobre, conforme
podemos ver e sentir na exasperação que se propaga nas mídias, entrevistas,
análises políticas, redes sociais etc.
Esta burocracia, na forma de Processo Civil e Processo Penal,
elaborada pelo Legislativo, e que o judiciário deveria transformar em regras
úteis, é a mesma que acobertou os filhos do coronelismo, que se alimentou do
bacharelismo desenvolvido pelos senhores de escravos e que, por sua vez,
arrotava um estrangeirismo insuportável vindo dos rincões portugueses.
Desde então somos escravos da injustiça. Certamente, estamos
cada vez com menos paciência frente aos desmandos de quem deveria por caráter,
função e até “juramento”, pautar suas decisões pela promoção do bem comum e dos
fundamentos do Estado brasileiro.
É certo que o direito não se presta apenas à opressão
social, de classe, mas em nosso caso, permanece a servir como uma luva para
aqueles que preferem perder os dedos a devolver os anéis larapiados. Porém, bem
sabemos que, quanto mais saqueado e oprimido o povo, mais intolerante ele se
torna.
Autor
Professor Adjunto II do
Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia – UFRO.
Pós-doutor em Educação e em Ciências Sociais. Doutor em Ciências Sociais/UNESP
e em Educação/USP. Mestre em Educação
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