Você é estagiário ou empregado?
Como no Direito do Trabalho o Princípio da Primazia da Realidade tem efetiva aplicação, é necessário verificar em um contrato de estágio, se requisitos descritos na legislação ocorrem na prática. Se alguns requisitos obrigatórios para existência de estágio não estiverem sendo obedecidos, haverá um desvirtuamento contratual e, na verdade, o estudante, ao invés de estagiar, estará exercendo função como empregado da empresa. O artigo tem o objetivo de demonstrar quais são esses requisitos, bem como o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria
Por | Bruna Colagiovanni Girotto Fernandes - Quarta Feira, 23 de Outubro de 2013
Ao
ler este questionamento, quem estagia fora da área do Direito pode
responder: as duas coisas. Mas, para o mundo jurídico, estagiário e
empregado têm características distintas. E é isso que procurarei abordar
neste artigo. Ao terminar esta leitura, você saberá se é, para a lei,
estagiário ou empregado, o que isso implica na prática e qual é o
posicionamento da justiça trabalhista.
A função de estagiário não é nova. Em 1977, quando o Brasil era presidido por Ernesto Geisel, a Lei nº 6.494 entrou em vigor. Ela foi criada para dispor "sobre os estágios de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e ensino profissionalizante do 2º Grau e Supletivo".
O estágio, segundo previa a lei, somente se verificava em unidades que tivessem condições de proporcionar experiência prática na linha de formação, devendo, o estudante, para esse fim, estar em condições de estagiar.
E essas "condições de estagiar" deveriam estar dispostas no texto de um Decreto criado em 1982, que tinha o objetivo de regulamentar a matéria. Ocorre que a norma não acrescentou tais condições e, ainda, em seu art. 4º, transferiu às instituições de ensino a responsabilidade de regulamentar à matéria contida no Decreto.
Os alunos especiais foram esquecidos pelos legisladores até a edição da Lei nº 8.859/1994. A partir de então, a norma passou a estender aos alunos de ensino especial o direito à participação em atividades de estágio.
E, após mais de três décadas da criação da Lei do Estágio, surgiu a Lei nº 11.788 em 25 de setembro de 2008. Ela fez aniversário no último mês de setembro: cinco anos de existência já. A questão é saber se, para comemorar este aniversário, a lei está sendo aplicada ou não.
Utilizando-se o conceito dessa norma, "estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos".
Estágio não cria relação de emprego. Estagiário não é empregado. A relação jurídica não será empregatícia em virtude dos objetivos educacionais do pacto instituído e desde que sejam obedecidos três requisitos.
Primeiro requisito: o educando deve estar matriculado e frequentando, regularmente, um curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino.
Segundo requisito: deve haver a celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino.
Terceiro requisito: deve haver compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.
O legislador, no §2º do art. 3º da lei, atentou que “o descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária".
Caracterizar vínculo de emprego significa que o educando não será mais considerado estagiário. Ao invés de obedecer à Lei dos Estágios, ele terá todos os direitos e benefícios inerentes a um empregado e seu contrato será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O jurista Maurício Godinho Delgado expôs acerca da matéria: “O estágio, portanto, tem de ser correto, harmônico ao objetivo educacional que presidiu sua criação pelo Direito: sendo incorreto, irregular, trata-se de simples relação empregatícia dissimulada. A correção e a regularidade do estágio são dadas pela ordem jurídica através de dois tipos de requisitos jurídicos: os formais e os materiais” (in Curso de Direito do Trabalho, 7ª edição, São Paulo: LTr, 2008, pag. 324).
Conforme recente jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a ausência de um dos requisitos jurídicos autoriza a conclusão de que houve o desvirtuamento do contrato de estágio, e assim, o que há, efetivamente, é uma relação empregatícia entre as partes:
“(...) resultou constatado o desvirtuamento do contrato de estágio na hipótese dos autos, visto que o reclamado não demonstrou o preenchimento dos requisitos necessários à validade de contrato de estágio, restando demonstrado que o reclamante não se submetia ‘a regular e permanente acompanhamento ou supervisão em seu trabalho pelo supervisor pedagógico da instituição o ensino, tampouco se ativava em atividades condizentes com a diretriz curricular da cadeira acadêmica que escolheu’. Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento não provido. (...)”. (TST-ARR-1282-53.2011.5.10.0012, 1ª Turma, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 21/06/2013)
Agora você consegue responder a pergunta feita no título deste artigo?
Autora
Bruna Colagiovanni Girotto Fernandes é advogada, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pós-graduanda em Direito do Trabalho
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