Trovadorismo
O Trovadorismo compôs a primeira época medieval
Sempre quando se fala
em estudar a Literatura, logo surge à tona a ideia de que ela se
caracteriza como uma arte, a arte de trabalhar a palavra por meio das
habilidades desempenhadas pelo artista como sendo fruto de toda uma
visão que norteia o espaço social em que se encontra inserido. Assim
afirmando, outro aspecto de peso tende a predominar nessa questão – o
fato desse olhar estar envolto por questões políticas, sociais,
econômicas, históricas de um modo geral, que tão bem influenciam no modo
de expressar.
Partindo então dessa prerrogativa, ao partirmos para conhecer melhor acerca do que foi o Trovadorismo,
não temos dúvida de que o contexto, observado em todas as instâncias,
atuou como pano de fundo para os posicionamentos tomados, como iremos
conhecer a partir de agora. Assim, a época em que floresceu o período
alvo de nossos estudos esteve demarcada pela Idade Média,
iniciada com o fim do Império Romano, destruído no século V, a partir
da invasão de bárbaros vindos do norte da Europa, e se estendeu até o
século XV, período em que se iniciou a época renascentista. Dessa forma,
dando prioridade para as questões voltadas para os aspectos econômicos,
políticos e sociais, tinha-se como atividade primeira o sistema
caracterizado pelo Feudalismo, um sistema no qual a concentração de
poder se mantinha no senhor feudal, ou seja, o dono do feudo. Ele,
também chamado de suserano, cedia a posse de terras a um vassalo, que se
incumbia de cultivá-las e, assim, repassar parte da produção a esse
dono maior. Atribuía-se a essa relação mútua de dependência o nome de vassalagem.
Aproveitando
desse poderio estabelecido pelos senhores feudais, resolveu a Igreja
também exercer sua parte de influência, tornando-se proprietária de
grandes terras. Assim, trabalhando a ideia de que Deus se concebia como
centro maior de todas as coisas (por isso, Teocentrismo), mantinha a
ideia de que a renúncia aos bens materiais e aos prazeres terrenos se
dava em nome da tão almejada salvação, podendo o homem, assim, garantir
vida eterna no Paraíso. Até aqui falamos acerca dos muitos aspectos,
embora não tenhamos mencionado acerca de como se dera a arte naquele
período. Nesse sentido, as produções literárias eram manifestadas em
forma de verso e recebiam a denominação de cantigas trovadorescas.
Em termos genéricos, aqueles as produziam era chamado de trovadores,
embora houvesse certa diferença de status e função nas distintas
denominações atribuídas a esses autores, o que resultou em
classificações variadas, tais como: trovadores, representando os poetas
das cortes feudais; jograis, que não eram fidalgos e cantavam
composições próprias ou até mesmo alheias em troca de algum pagamento, e
os segréis, representando os jograis da corte, cantando obras de
autores diferentes.
Tais
cantigas, atendendo ao intuito de retratar a vida aristocrática nas
cortes portuguesas, receberam influência de um tipo de poesia originário
da Provença – região do sul da França, daí o nome de poesia provençal
–, como também da poesia popular, ligada à música e à dança. No que se
refere à temática, manifestavam-se relacionadas a determinados valores
culturais e a certos tipos de comportamento difundidos pela cavalaria
feudal, que até então lutava nas Cruzadas no intuito de resgatar a Terra
Santa do domínio dos mouros. Há de ressaltar, portanto, que nas
cantigas prevaleciam distintos propósitos: havia aquelas em que se
manifestavam juras de amor feitas à mulher do cavaleiro, outras em que
predominava o sofrimento de amor da jovem em razão de o namorado ter
partido para as Cruzadas, e ainda outras, em que a intenção era
descrever, de forma irônica, os costumes da sociedade portuguesa, então
vigente.
Apoiados nesses aspectos, as cantigas se apresentam subdivididas em:
CANTIGAS LÍRICAS, as quais se apresentavam divididas em cantigas de amor e de amigo;
CANTIGAS SATÍRICAS, subdividindo-se em cantigas de escárnio e cantigas de maldizer.
Vejamo-las, de forma particular:
Cantigas de amor
Aquela submissão manifestada entre o
vassalo e o senhor feudal, antes retratada no início do texto,
transformou-se em vassalagem amorosa, o que se materializou em um amor
cortês. Assim, o amante vive sempre em estado de sofrimento, haja vista
que não é correspondido, chamado, também, de coita. Mesmo assim, dedica à
mulher amada (senhor) fidelidade, respeito e submissão. Nessas
circunstâncias, a mulher é tida como um ser inatingível, à qual o
cavaleiro deseja servir como vassalo. Vejamos, pois, um exemplo que bem
ilustra esse aspecto:
Cantiga da Ribeirinha
No mundo non me sei parelha,
ntre me for como me vai,
Cá já moiro por vós, e - ai!
Mia senhor branca e vermelha.
Queredes que vos retraya
Quando vos eu vi em saya!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, desdaqueldi, ai!
Me foi a mi mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
Dhaver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, dalfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia dua correa.
ntre me for como me vai,
Cá já moiro por vós, e - ai!
Mia senhor branca e vermelha.
Queredes que vos retraya
Quando vos eu vi em saya!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, desdaqueldi, ai!
Me foi a mi mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
Dhaver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, dalfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia dua correa.
Paio Soares de Taveirós
Vocabulário:
Vocabulário:
Nom me sei parelha: não conheço ninguém igual a mim.
Mentre: enquanto.
Ca: pois.
Branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com o vermelho do rosto, rosada.
Retraya: descreva, pinte, retrate.
En saya: na intimidade; sem manto.
Que: pois.
Des: desde.
Semelha: parece.
D’haver eu por vós: que eu vos cubra.
Guarvaya: manto vermelho que geralmente é usado pela nobreza.
Alfaya: presente.
Valia d’ua correa: objeto de pequeno valor.
Mentre: enquanto.
Ca: pois.
Branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com o vermelho do rosto, rosada.
Retraya: descreva, pinte, retrate.
En saya: na intimidade; sem manto.
Que: pois.
Des: desde.
Semelha: parece.
D’haver eu por vós: que eu vos cubra.
Guarvaya: manto vermelho que geralmente é usado pela nobreza.
Alfaya: presente.
Valia d’ua correa: objeto de pequeno valor.
Cantigas de amigo
Oriundas
da Península Ibérica, eram inspiradas em cantigas populares, marca essa
que as fez conceber como sendo mais ricas, além de serem mais antigas.
Diferindo-se da cantiga de amor, na qual o sentimento expresso é
masculino, a cantiga de amigo é expressa em uma voz feminina, embora
seja de autoria masculina, em virtude de que, naquela época, às mulheres
não era concedido o direito de alfabetização. A vida campesina ou as
aldeias representavam o cenário em que elas se manifestavam, cuja
finalidade era a de exprimir o sofrimento da mulher separada de seu
amado (também chamado de amigo), vivendo sempre ausente em virtude de
guerras ou viagens inexplicadas. O eu lírico, materializado pela voz
feminina, sempre tinha um confidente com o qual compartilhava seus
sentimentos, representado pela figura da mãe, amigas ou os próprios
elementos da natureza, tais como pássaros, fontes, árvores ou o mar.
Assim, constatemos um exemplo:
Ai flores, ai flores do verde pinho
se sabedes novas do meu amigo,
ai deus, e u é?
se sabedes novas do meu amigo,
ai deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
ai deus, e u é?
se sabedes novas do meu amado,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquele que mentiu do que pôs comigo,
ai deus, e u é?
aquele que mentiu do que pôs comigo,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que me há jurado
ai deus, e u é?
aquele que mentiu do que me há jurado
ai deus, e u é?
(...)
D. Dinis
Cantigas satíricas
Originando-se
da cultura popular, essas cantigas retratavam uma temática provinda de
assuntos proferidos nas ruas, praças e feiras. Dessa forma,
subsidiando-se no mundo boêmio e marginal dos jograis, fidalgos,
bailarinas, artistas da corte, aos quais se misturavam até mesmo reis e
religiosos, tinham por finalidade retratar os usos e costumes da época
por meio de uma crítica mordaz. Assim, havia duas categorias: a de escárnio e a de maldizer.
Embora a diferença entre ambas ocorrer
de forma sutil, as cantigas de escárnio eram aquelas em que a crítica
não era feita de forma direta. Rebuscadas de uma linguagem conotativa,
não indicavam o nome da pessoa satirizada. Conferindo, temos:
Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv[o] em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!...
que vos nunca louv[o] em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!...
João Garcia de Guilhade
Em se
tratando das cantigas de maldizer, literalmente afirmando, a crítica era
feita de maneira direta e mencionava o nome da pessoa satirizada.
Assim, envolvidas por uma linguagem chula, destacavam-se palavrões,
geralmente envoltos por um tom de obscenidade, fazendo referência a
situações relacionadas a adultério, prostituição, imoralidade dos
padres, entre outros aspectos. O exemplo a seguir nos demonstra tais
aspectos:
Roi queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!...
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!...
Pero Garcia Burgalês
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